Fragmentos históricos da região de Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, reunidos pelo jornalista Marcelo Copelli, através de uma série de informações que retratam, ao longo do tempo, curiosidades, menções de personagens reverenciados pelos principais logradouros, comentários e lembranças em um resgate à memória da região e da própria Cidade. No final da postagem há um texto sobre a concepção de urbanistas a respeito do processo de formação da região. Boa leitura e bom passeio!
Urbe CaRioca
Igreja Nossa Senhora da Penna – Reza a lenda que Nossa Senhora teria surgido no alto da Pedra do Galo para ajudar um escravo ameaçado pelo fazendeiro a encontrar uma vaca perdida. A aparição, testemunhada pelo fazendeiro, motivou a construção de uma capela no alto do morro, além da alforria do escravo. Em 1664, o padre Manoel Araújo, substituiu a capela por uma igreja. José Rodrigues Aragão doou terras ao santuário em 1771 e promoveu reformas na igreja. Falecido em 1778, seu crânio é mantido em nicho na sacristia. Dentro do templo estão sepultados outros beneméritos, inclusive o Monsenhor Antônio Marques de Oliveira (1826-1901), considerado um dos maiores vigários de Jacarepaguá.
Cinemas – Jacarepaguá chegou a ter nove salas de cinemas de rua. O primeiro foi o Cinematographo, dois anos depois surgiu o Cine Lux (que muitos anos depois deu lugar ao Cine Baronesa). Dezesseis anos depois surgiu o Cine Ipiranga. Existiram dois cinemas ao ar livre na Rua Cândido Benício; o Cineminha ao Ar livre de Jacarepaguá e o Jacarepaguá Auto-Cine (drive-in). Na Freguesia existiram três cinemas; Cine Marajó, Cine Tibiriçá e Cine Cisne (este foi o último deles a ser extinto). Na Taquara, existiu um grande cinema, o Cine Taquara.
Aqueduto – No Núcleo Histórico Juliano Moreira, que abriga as ruínas do Engenho Novo da Taquara, existem as ruínas de um aqueduto edificado nos meados do século XVIII. Possui atualmente sete arcos de volta plena, sustentados por pilares muito robustos – há poucos anos restavam oito. No passado eram uns trinta e cinco. É a miniatura do aqueduto da Carioca – hoje conhecido como Arcos da Lapa. Servia para abastecer aquela propriedade em uma época onde os recursos modernos ainda não existiam. A água trazida da represa que abastecia o engenho servia para o uso dos moradores e para fazer girar as moendas de cana na preparação do açúcar.
Cachorro-Quente da Tia – Todo morador de Jacarepaguá certamente conhece um dos ícones do nosso bairro, o famoso Cachorro-Quente da Tia. Com sua simpatia e molho secreto especial, Eny Matos, a famosa “Tia”, conquistou sucesso em seu negócio criado no início dos anos 80 em uma carrocinha, que se transformou em trailler e depois em um quiosque que até hoje segue com o tradicional lanche e reconhecimento na Freguesia. Em 1998, o seu filho do meio assumiu a responsabilidade de fazer o empreendimento da família crescer ainda mais. Em 2014, conseguiram montar outra unidade em uma loja na Taquara e hoje comandam mais de 20 funcionários, servindo mais de 15 mil lanches por mês. Quem já provou?
Linha Jacarepaguá-Castelo – Foi na década de 70 que foi criada a linha Jacarepaguá-Castelo, via Grajaú, operada pela Viação Redentor, e que tinha como objetivo tirar o motorista do carro particular da ida diária ao Centro? O trajeto com 36 quilômetros, em viagem de 50 minutos, tinha a tarifa de Cr$ 4,20. Como as obras do metrô se arrastavam já naquela época, decidiu-se criar linhas de ônibus com ar-condicionado, poltronas reclináveis de couro (sintético), com veículos silenciosos com a intenção de diminuir os transtornos provocados pelo excesso de veículos carros estacionados no Centro. Na opinião de muitas pessoas, nos últimos anos, os “frescões” perderam o seu “glamour”, transformando-se apenas em ônibus urbanos com ar condicionado, sem as saudosas “rodomoças” e passando a ter roletas.
Largo do Tanque – Vocês sabiam que no final do século XIX, entre a Freguesia e a Taquara, uma área era utilizada como parada obrigatória por cavaleiros e condutores de bondes movidos a tração animal ? Um grande tanque de pedra, construído em 1875, servia para burros e cavalos beberem água. O tempo passou e, ao redor do chamado Largo do Tanque, formou-se o bairro com o mesmo nome. No século XX, já sem função, o tanque foi removido e, no local, a prefeitura instalou um chafariz. Motivo de orgulho para moradores, a obra infelizmente desapareceu com a construção de uma estação do sistema BRT.
Jardim Clarice – Suas ruas, homenagens à literatura brasileira – Você sabia que o empreendimento imobiliário foi feito pelo antigo dono das Lojas Brasileiras, Adolfo Basbaun, que homenageou a esposa Clarice dando seu nome ao jardim ? E que a Praça Mário Tibiriça, que fica na entrada, é em memória de Mário Tibiriça, um dos primeiros moradores da Estrada Curipós, em torno da qual foi construído o condomínio? As ruas do Jardim Clarice têm nomes de romances e livros de poesia da literatura brasileira. A sugestão foi feita em 1976 pelo poeta Carlos Drumond de Andrade ao prefeito Marcos Tamoio. Eis os nomes dos logradouros, com o ano de publicação dos livros e os respectivos autores. Rua Dona Flor (1966 – Jorge Amado); Rua Encontro Marcado (1956 – Fernando Sabino); Rua Dom Casmurro (1900 – Machado de Assis); Rua Escrava Isaura (1875 – Bernardo Guimarães); Rua Enamorado da Vila (1939 – Olegário Mariano); Rua Estrela da Manhã (1936 – Manuel Bandeira) ; Rua Borboleta Amarela (1953 – Rubem Braga) ; Rua O Tempo e o Vento (1948 – Érico Veríssimo) ; Rua Estrela Solitária (1940 – Augusto Frederico Schimidt).
Praça Seca – O general Salvador Correia de Sá foi governador do Rio, contribuindo com inúmeras melhorias e levando grande desenvolvimento à região, ao vender parte de suas terras em Jacarepaguá e incentivar seus proprietários a fundar novos engenhos. Faleceu em Lisboa, deixando suas terras para o filho, Martim Correia de Sá , o primeiro Visconde de Asseca.
Dessa linhagem nobre dos Assecas, o quarto Visconde foi o responsável pelos primeiros vestígios de povoamento mais efetivos em torno da Praça Seca, dando origem a uma configuração mais urbana para a região. Área de confluência de antigos caminhos, antigamente denominada de Vale do Marangá, ou “Campo de Batalha” em indígena, a Praça Seca foi um marco histórico urbano da Cidade, pois foi aí que Jacarepaguá cresceu, longe do centro de decisões do governo colonial. A região tinha ao final do século XVIII cerca de 250 residências, três lojas de tecidos, 70 vendas de produtos variados e cinco açougues.
Na antiga estrada de Jacarepaguá (atual Cândido Benício) existia o Largo do Asseca, homenageando o Visconde de Asseca. Em seu lugar, na década de 1890, surgiu uma Praça denominada 25 de Outubro, mas popularmente continuou sendo chamada Praça Asseca, daí vindo o nome “Praça Seca”.
Dalva de Oliveira – Uma das maiores vozes da música popular brasileira, conhecida como a Rainha da Voz ou o Rouxinol Brasileiro, morou em Jacarepaguá. Vicentina de Paula Oliveira, mais conhecida como Dalva de Oliveira, imortalizou musicas como Ave Maria do Morro e Bandeira Branca. Era filha de um carpinteiro com uma portuguesa e brilhou na chamada Era de Ouro do rádio brasileiro. Formou, ao lado de Nilo Chagas e Herivelto Martins o chamado “Trio de Ouro” que, em 1942, atingiria o seu auge. Em 1937, Dalva casou-se com Herivelto Martins, com quem teve dois filhos; Peri Oliveira Martins e Ubiratan Oliveira Martins. A união, muito conturbada, durou até 1947. Em 1949, o trio foi desfeito e Dalva iniciou carreira solo.
Em 1952, já considerada a “Rainha do Rádio Brasileiro”, mudou-se para um casarão em Jacarepaguá, na Rua Albano 142, na Praça Seca, considerado por ela um refúgio em meio ao agitado cotidiano artístico. Nessa época Dalva vivia entre o Brasil e a Argentina, já que casou com o compositor portenho Tito Climent.
Eles adotaram uma menina, que recebeu o nome de Dalva Lúcia Oliveira Climent. Brigas constantes desgastaram o relacionamento e fizeram com que Dalva pedisse o divórcio no início dos anos 1960. Aos 47 anos, a cantora apaixonou-se pelo jovem Manuel Nuno Carpinteiro, que seria o seu terceiro e último marido.
Em 1965, o casal passou por um terrível acidente de carro que culminou com o atropelamento e a morte de três pessoas. Esse fato gerou sérios problemas emocionais em Dalva, que, com graves dificuldades financeiras, morreu no dia 30 de agosto de 1972, aos 55 anos. Nesse dia, cerca de trinta mil pessoas se reuniram na Praça Tiradentes para dar o último adeus a um dos maiores ícones da MPB.
Bosque da Freguesia – Antes de ser um Parque Natural, a área que, atualmente, compreende o Bosque da Freguesia era uma fazenda. No local havia além de uma produção agrícola, um pomar e a criação de diversos animais, entre porcos, bois, vacas, cavalos e aves. Também era utilizado como lugar de veraneio para Joaquim Catramby, o dono da fazenda, e seus familiares.
No ano de 1987, ambientalistas e a Associação de Moradores da Freguesia iniciaram mobilizações para transformar o local em um parque público. Isso resultou em uma legislação de proteção ao bem natural e, ao mesmo tempo, foi dado o primeiro passo na negociação entre o poder público e os proprietários particulares da área.
No ano seguinte, a sede da fazenda (construída por volta de 1798) foi demolida e o local passou a abrigar uma escola de equitação. Quando os antigos proprietários morreram, o terreno foi vendido. Uma parte foi comprada pela Dirija Distribuidora de Veículos S.A. Já no ano de 1989, foi criada a Lei 1512 que estabeleceu o tombamento municipal da área, prevendo sua delimitação, que só foi feita a partir do Decreto Municipal 11830, de 1992. A tal área pertencente à Dirija foi negociada pela Prefeitura em troca de licença para implantação de uma concessionária de veículos (que está lá até hoje) e de um shopping center (o Rio Shopping).
O Bosque da Freguesia foi totalmente revitalizado pela Prefeitura em 2002. Foi feita a construção de uma sede, além da melhoria de trilhas, quadra e campo de futebol. Também foi aberto um portal de acesso ao Rio Shopping, incluindo uma rampa para cadeirantes e carrinhos de bebê.
“Padroeira da Aviação” – Nossa Senhora do Loreto é a “Padroeira da Aviação” brasileira civil e militar ? Tanto que em 8 de abril de 1974, o Ministério da Aeronáutica cedeu uma aeronave para construção de um monumento em frente ao Santuário da Freguesia. O avião foi colocado no pátio da Escola Paroquial Nossa Senhora do Loreto e, por ser uma aeronave verdadeira, era bastante admirado pelos que iam à Igreja e por motoristas que passavam pela ladeira da Freguesia.
Mussum – Nos anos 70, Jacarepaguá passou a abrigar uma grande estrela da música, e que também era muito identificada com a Mangueira. Antônio Carlos Bernardes Gomes, cantor dos “Originais do Samba” e que se tornou nacionalmente conhecido pelo apelido de Mussum, comediante dos “Trapalhões”. O humorista, ator, músico, cantor e também compositor morou quase 20 anos em Jacarepaguá, no condomínio Eldorado. Onde morou também Dedé, Manfried Sant’Anna, seu parceiro no quarteto trapalhão. Mussum morou em Jacarepaguá até o seu falecimento em 1994. Era tão ligado ao bairro que chegou a fundar um bloco carnavalesco, o “Empurra que entra”. Em 2010, A Prefeitura do Rio resolveu homenagear o querido trapalhão e o Largo do Anil passou a ser chamado de Largo do Mussum.
Nota: Definir Jacarepaguá para muitos é uma missão quase impossível. Mas vale conferir também a concepção de urbanistas sobre o processo de formação da região. Saiba mais aqui.
Marcelo Copelli
Referências:
Aventura na História de Jacarepaguá – Waldemar Costa
Projeto Camões
Associação Comercial e Industrial de Jacarepaguá
Associação de Moradores e Amigos da Freguesia de Jacarepaguá
Saudades desse tempo,eu era um garoto próximo aos meus oito anos mais ou menos e me lembro de andar com meu pai no ônibus elétrico que saia do largo da freguesia.ja frequentei o cinema cisne, e aquelas festas junina que tinha em frente a igreja do Loreto.
Muito bom lembrar dos velhos tempos que freguesia era um ótimo lugar aonde tinha a horta custo mais saiu uma pequena escola de samba em frente ao cinema Cisne.
Olá eu gostaria de acrescentar duas informações:
O Renato Aragão, o DIDI, também morana no condomínio Edlorado na mesma época do Mussum e na mesma rua, a Fritz Feigl porém o Renato se mudou antes do local.
E no caso o Largo do Moutela que seria o Largo do Mussum que era dono do um restaurante bar no mesmo que chamava-se Funchal.
Marcelo, muito bacana teu dossiê. Gostei mesmo do resgate dessas memórias. Parabéns