Uma Noite Feliz ! A Estrela-Guia e a Estrela de David

Queridos amigos e leitores,

Deixo aqui uma crônica natalina e verdadeira que escrevi em 2013, quando este blog ainda era recém criado. Em tempos de disputas entre povos e países, que infelizmente parecem não ter fim, é hora de recordar que a união entre as pessoas sempre é possível.

Andréa Albuquerque G. Redondo (Urbe CaRioca)

 

A Estrela-Guia e a Estrela de David

Rio de Janeiro 40º. Mais uma vez, é Natal!

Quais serão as memórias mais antigas da infância? Boas e más, alegres e tristes, há um universo de possibilidades conforme a vida de cada um: é o óbvio!

Se a pessoa tiver tido uma infância feliz e a dádiva de reunir a família no Natal, arrisco-me a afirmar que a data de 24 de dezembro, véspera do dia em que se comemora o nascimento de Jesus, é forte candidata ao primeiro lugar nas memórias infantis e mesmo da vida adulta: jantar especial, árvore iluminada, visitas, mimos, a expectativa dos presentes embaixo da cama, no dia seguinte, deixados por Papai Noel…

Meus irmãos e eu tivemos esta felicidade durante muitos anos, alegria e magia transportadas para a vida adulta. A casa era enfeitada; o presépio, completo: Menino-Jesus na manjedoura, Nossa Senhora, São José, anjos, bichos, um pastor com suas ovelhas, o jumento, a vaca… Os três Reis Magos – que difícil decorar os nomes!

Até aqui nada muito diferente do que acontecia nas casas brasileiras que tiveram a mesma boa sorte.

Há, porém, uma curiosidade nas nossas memórias natalinas que sai do lugar comum e merece ser compartilhada:  foram Natais Urbano-CaRiocas que assim aconteceram durante uns dez anos!

No nosso edifício no bairro do Flamengo, em 20 dos 25 apartamentos moravam famílias judias. Não falávamos ‘judeus’, dizíamos ‘israelitas’, nem sei explicar por que. Éramos 5 famílias católicas..

Estrela de David

Aqueles Pais CaRiocas se davam bem com todos. Aprendemos que para eles éramos ‘goy’, assim considerados sem qualquer outra conotação, mas, apenas por sermos “amigos não-judeus”: o termo era usado carinhosamente pelos nossos vizinhos, que também chamávamos de ‘idish’, uma confusão entre ser israelita ou judeu, e o idioma.

Nosso Natal tinha Papai Noel de carne e osso. Todos os anos o Pai CaRioca se vestia de vermelho, punha barba e gorro, e chegava, ao som de uma sineta, carregando um saco enorme com presentes. As crianças maiores sabiam que era um teatro, as menores ficavam ao mesmo tempo assustadas e encantadas!

Papai Noel dançava antes sair para ir a outras casas. Adultos e pequenos, todos gingavam com a música mais animada do momento. Os grandes se divertiam mais, enquanto os pequetitos, distraídos rasgando papel de presente, esqueciam o Bom Velhinho!

Urbe CaRioca – 2007

Todos sabiam sobre a festa animada do terceiro andar, com Papai Noel, por uma razão – pasmem! – de lei urbanística! Não fosse esse um Blog Urbano-CaRioca

Nos prédios de 1960 como o nosso, não era obrigatório que todos os elevadores fossem ligados à escada. Assim, tínhamos o elevador de serviço perto da escada, e o social, separados. O Pai CaRioca ‘sumia’ da festa e ia para os bastidores – o quarto de empregada, algo que não existe mais –  e se vestia escondido. Um ‘guardião romano’ da família tomava conta da porta da cozinha para nenhuma criança passar e descobrir a trama. Já paramentado, descia pelo elevador de serviço, passava pela portaria e subia pelo social. Todos viam: porteiros, pedestres, visitas retardatárias, e… vizinhos.

A Mãe CaRioca distraía os pequenos dizendo que estava “ouvindo um sino”, apagava algumas lâmpadas para preparar a chegada triunfal, e as crianças cantavam para chamar o velhinho! Era um sucesso!

Lá pelo final dos 1960, uma das vizinhas israelitas pediu uma gentileza à Mãe CaRioca: que pudesse levar os filhos à nossa casa na hora da brincadeira para que eles recebessem os presentes diretamente das mãos de Papai Noel. A resposta foi: ‘Por que não passam o Natal conosco? Será um prazer”.

Foi nosso primeiro Natal comemorado junto com uma família judia.

No ano seguinte a vizinha amiga pediu para levar um casal amigo com dois filhos. Foram. No outro ano estes trouxeram os cunhados e mais crianças. Mais adiante, dois novos casais, e mais crianças ‘idish’! Foi instituído o “cada um traz um prato”.

Urbe CaRioca – 2011

Nós crescíamos e nossos Natais tinham cada vez mais crianças, fazíamos novos amigos. O Papai Noel, um pouco cansado, precisou de ‘back-up’. Começou o revezamento entre tios, primos, quem era criança e cresceu…

Aqueles Natais CaRiocas contribuíram para que a alegria da infância se prolongasse, tornaram amizades mais sólidas, e nos trouxeram novos amigos.

Mas, o tempo passou, goyzinhose israelitazinhos cresceram, novas famílias surgiram e, da primeira geração, não temos mais ninguém.

Peregrinacultural’s Web Blog

Nós que ainda estamos por aqui tentamos continuar. Às vezes é difícil, parece que só aquelas festas eram de luz. Não é verdade. Outras já foram iluminadas, outras serão!

Nessa história parece que o protagonista usa roupa vermelha. Também não é verdade. Ele está na manjedoura, envolto em trapos.

Sim, Ele que trouxe uma mensagem de amor e união.

Caravaggio

Aqueles Natais foram nada além de seguir a Sua Palavra ao reunirmos crenças diversas durante momentos felizes e fraternos, demonstração pura de Amor ao Próximo.

Aquelas famílias não fizeram nada além de unir a Estrela-Guia e a Estrela de David, sem distinções, talvez sem perceberem.

Quando as imagens na televisão mostram mísseis traçando a noite entre nações, penso que seria melhor encontrar no céu apenas rastros de Estrelas-Cadentes: luzes que iluminassem as mentes para que estas, indistintamente, se lembrassem de que há espaço para todos, de que a vida é efêmera e de que devemos aproveitá-la ao lado dos que nos são caros. No Natal e durante o Ano Inteiro!

Que, junto com estrelas, a tolerância e a compreensão entre os povos iluminem 2013! Que a Paz entre as Nações seja possível, um dia!

Uma curiosidade: Goytambém significa Nação.

Feliz Natal!

Nota:

Esta crônica é uma homenagem à minha família, aos inúmeros ‘Papai Noel’ que alegraram as nossas festas – Adelcio, Alexandre, Dindoca, Andreza, Adelcinho, Maria Laura e José Armando; a Clara Vainer – minha querida madrinha de casamento – e José Vainer (in memorian), Lea Musieracki, Doris, Samuel, Fernando, e todos os parentes e amigos que com eles vieram à nossa casa durante quase 10 anos. À Neuza, sempre presente, amiga e ajudando com os quitutes. Ao Henrique da Aline que me convenceu de que deveria ‘armar’ a árvore no primeiro Natal sem meus pais. À Glades, amiga que, com seu livrinho ‘Que Tal Também Brincar Neste Natal?’, tornou as nossas brincadeiras variadas e mais divertidas.

 

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