Um pecado chamado adimplência
Andréa Albuquerque G. Redondo
A CrôniCaRioca que é uma paródia do que dispõe – e impõe – o Decreto que criou a DeCad*, uma obrigação não obrigatória para os cariocas
Urbanildinho é um menino carioca legal. Simpático e estudioso, está sempre com os deveres de casa em dia. Quando pode faz adiantado, pois prefere não dever o dever, nem entregar com atraso, para que a professora não se zangue e aumente o número de tarefas como castigo. Assim, fica despreocupado e sobra tempo para brincar com os amiguinhos. Os companheiros o apelidaram “Carioquinha”.
A mãe de Urbanildinho é uma pessoa estranha, todavia. Simpática, é verdade, ora muito falante e animada, ora silenciosa, conhece as virtudes do filho, porém jamais o elogia. Ao contrário, sempre exige mais do pobre menino que, cioso dos deveres, cumpria suas obrigações sem reclamar e aceitava os exageros da mãe, sempre com novas ideias extravagantes.
A mais estranha delas é que a cada ano a progenitora aumentava a quantidade de comida no prato da criança. Em silêncio, Carioquinha comia tudo. A ele, cabia obedecer. Afinal, quem mandava na casa era ela, pensava. Raspava o prato, ela via, e em silêncio se dava por satisfeita, até a refeição seguinte.
Passados uns oito anos de refeições ampliadas, a mãe finalmente se pronunciou: disse ao menino que a quantidade de alimentos já era suficiente, para alívio do filho empanzinado.
Para surpresa de Carioquinha, entretanto, diante dos olhos infantis arregalados e incrédulos, no ano seguinte o prato surgiu mais cheio. E a promessa anterior? Resignado, esforçou-se para agradar a quem detinha o poder e, outra vez, raspou o prato, triste porque não sobraria espaço na barriga para uma sobremesa.
Foi quando aconteceu algo inusitado. A dona da casa apareceu e rompeu o silêncio de novo para falar:
_ “Diga que comeu tudo!”.
Urbanildinho não compreendeu. O prato estava tão liso que parecia lavado. Apontou-o e, em silêncio, olhou para a mãe.
_ “Fale logo!”, disse ela.
Dessa vez a mãe extrapolara. Falar o quê se havia comido tudo? Os sinais eram evidentes: prato limpo, lixeira vazia, nem um cachorrinho para compartilhar o rebotalho, se houvesse: não havia nem o bicho nem a sobra. Decidiu não falar.
A dona da casa não se conformou.
_ “Se não falar vai ficar um ano sem receber mesada!”.
Urbanildinho pensou em ir ao Conselho Tutelar denunciar a mãe por castigar um menino tão legal, cumpridor das suas obrigações. Refletiu melhor e preferiu perder a mesada. A mãe que reconheça o prato devidamente esvaziado, rebelou-se.
Ainda tem a esperança de que ela desistirá do castigo. Afinal, muitos meninos desobedientes depois de alguns anos foram perdoados e até premiados por não fazerem o dever de casa!
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Caro Eduardo,
Muito obrigada pelo comentário. Fico satisfeita por saber que acompanha o Urbe CaRioca, e gostou da saga de Urbanildinho. Em breve chegará a segunda versão, sob a ótica de Urbanildo.
Um grande abraço!
Andréa Albuquerque G. Redondo
Acompanho este blog há muitos anos. Adorei a CrôniCaRioca. A autora tem um humor na dose exata e mira de forma certeira nos desmandos dos alcaides de plantão. Parabéns por nos proporcionar esta leitura.