A habitação é prioridade novamente, de Sérgio Magalhães

Reproduzimos abaixo o artigo do arquiteto Sérgio Ferraz Magalhães, que ressalta, mais uma vez, a importância de implementar políticas de habitação que não apenas cuidem de suprir as demandas da população, mas da simultânea e necessária contribuição das ações correlatas para a criação de cidades boas de se viver.

Apesar de o artigo mencionar, obviamente, a ideia de que o novo governo deverá dar atenção ao tema – conforme anunciado – é providência a ser tomada por todos os governantes brasileiros. Este é mais um texto do autor, que trata do assunto institucionalmente há algumas décadas, sempre revivido a cada novo mandato a caminho.

Embora com menos intensidade, Magalhães aponta, novamente, que o programa Minha Casa Minha Vida deve ser revisto. O modelo MCMV sempre foi criticado por arquitetos, urbanistas, geógrafos e outros profissionais da área, bem como todos os modelos anteriores que repetem a fórmula de construir conjuntos habitacionais isolados e distantes do Centro da Cidade, ao invés de optarem por aproveitar o tecido urbano e a infraestrutura das cidades existentes.

A ver como será nos próximos quatro anos.

Urbe CaRioca

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A habitação é prioridade novamente

Redesenho do Minha Casa Minha Vida incluirá garantir o protagonismo da família na decisão de em que condições morar

Por Sérgio Magalhães, professor no Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ

O Globo – 02.11.2022 – Link original

O presidente eleito, em seu primeiro pronunciamento após a vitória, comprometeu-se a proteger pessoas e famílias que vivem em situação de rua com a retomada do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV).

É uma boa notícia o tema da habitação estar na pauta prioritária do novo governo. Por certo, o necessário redesenho do MCMV incluirá garantir o protagonismo da família na decisão de como, onde e em que condições morar. A participação social na elaboração dos programas de governo, como condicionou o presidente eleito, evitará que conjuntos residenciais negociados entre governos e empreiteiras sejam um prato servido pronto.

A habitação é tema complexo. Em geral, abordado apenas como promoção de moradia, mas na cidade contemporânea não se trata só da casa, engloba também a infraestrutura, os serviços públicos, os equipamentos sociais, a mobilidade. Habitação é cidade. Tem larga repercussão na economia, na política, na saúde, na educação, na cultura e até no planeta.

O clima depende da cidade. Uma cidade expandida em baixa densidade, sem boa infraestrutura, com mobilidade deficiente, não impacta apenas as pessoas, que sofrem em seu cotidiano. Impacta todos aqueles fatores. Essa interdependência pede que o tema seja tratado permanentemente e de modo transversal às políticas de Estado.

Reconheçamos que no Brasil a questão é mais grave. Desde meados do século passado, a população cresceu quatro vezes, o que alguns demógrafos consideram inédito no mundo em tão pouco tempo. No mesmo período, a população urbana cresceu 15 vezes. E o número de moradias urbanas cresceu 30 vezes.

E como foram produzidas essas novas moradias? Oitenta em cada 100 domicílios foram construídos exclusivamente com os recursos das famílias; 20 em cada 100, apenas, receberam algum financiamento ou foram promovidos pelos governos. Esse quadro se desenrola desde o Banco Nacional da Habitação (BNH) até o MCMV, sem mudanças.

Recursos importantes foram destinados no segundo mandato de Lula e no governo de Dilma Rousseff. Não obstante, a porcentagem de moradias construídas pelo MCMV em relação às que foram construídas no país não ultrapassou a porcentagem média de moradias financiadas desde os tempos do BNH. Continuamos nos mesmos 20% — e até menos.

Isso demonstra a enorme potência do povo brasileiro na produção da sua moradia. Mas não é suficiente. Também explicita que a cidade é uma construção compartilhada, onde cabe ao coletivo a produção das infraestruturas e dos serviços. A escassez de Estado nos territórios populares, das favelas, loteamentos e periferias de nossas cidades, é corolário da falta de política habitacional e urbana.

Sendo redesenhado, como é desejável, o MCMV 2, além de oferecer financiamento para a decisão das famílias, precisará contemplar a urbanização desses assentamentos populares existentes, onde elas já construíram suas moradias.

Nesse tema, o país tem boa experiência, como é o caso do Programa Favela-Bairro, no Rio de Janeiro, ou do Renova São Paulo, bem como noutros estados. A Colômbia, em Medellín e em Bogotá, seguiu e inovou essa experiência brasileira com ótimos resultados.

Cuidar da cidade significa qualificar seus espaços públicos para a interação social, buscar a equidade pela universalização das infraestruturas e serviços públicos, bem como torná-la atenta ao planeta e ao clima. Afinal, a cidade é o lugar da maioria da população mundial. No nosso caso, de 85% dos brasileiros.

Agora em novembro, no Egito, na Conferência sobre Mudanças Climáticas da ONU, a COP27, em que o Brasil deverá reinserir-se como protagonista, seria útil reforçar a questão urbana como parceira da sustentabilidade global. O tema da habitação é central para o planeta e básico para o desenvolvimento do país.

Ademais, tratar bem da cidade significa cuidar do povo.

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