O novo artigo de Sonia Peixoto diz respeito a mais uma decisão que envolve a Área de Proteção Ambiental Marapendi, situada na Barra da Tijuca: a criação do Parque Municipal batizado de Nelson Mandela.
O local foi apelidado por este blog de “Parque das Benesses” devido aos estranhos benefícios concedidos ao mercado imobiliário e à enganosa tentativa de qualificar a existência do futuro parque/área de lazer como compensação às perdas irreparáveis causadas pela obra do campo de golfe dito olímpico. Explicações nos posts que estão em DEBATE PÚBLICO SOBRE O PARQUE NELSON MANDELA, O “PARQUE DAS BENESSES”.
O artigo mostra a importância dos processos de criação, implantação e gestão das unidades de conservação ambiental segundo roteiros metodológicos previstos nas leis pertinentes.
Boa leitura.
Urbe CaRioca
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Mapa – Propaganda da Prefeitura Nada compensa as perdas causadas pelo campo de golfe dito olímpico, o que já foi exaustivamente explicado em postagens neste blog. Por exemplo em MARAPENDI E ÁGORA – O ESPERADO, A VERSÃO OFICIAL, O ENGODO, E A VERDADE |
PLANOS DE MANEJO PARA A APA E O PARQUE NATURAL MUNICIPAL DE MARAPENDI E A SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS
Sônia Peixoto, Bióloga, M.Sc
No filme Sociedade dos Poetas Mortos o Professor Keating, que leciona na conservadora Welton Academy, propõe métodos inovadores que incentivam seus alunos a pensarem por si mesmos, indagando sobre os passos que parecem já terem sido escolhidos para cada um deles. Nestes termos, mesmo sob regras institucionais que se pautam por rígidas noções de tradição, honra e disciplina, Keating surpreende por não infringir as regras, mas ao mesmo tempo apresentar métodos inusitados para que os alunos possam entender e vivenciar a literatura da forma mais plena e levando os valores discutidos em aula para o “real”, seja lá o que isso signifique. A cena do filme no qual Keating lê um texto de Shakespeare, levando a poesia para o cotidiano dos alunos chega a ser emblemática, posto que mesmo com todas as regras métricas e o contexto de uma época já distante o professor consegue o feito de envolver as falas do autor como se as mesmas pudessem ocorrer em parte do mundo atual. Claro que Keating é um apaixonado educador, uma pessoa criativa e singular naquele meio de Welton. Contudo, para vivenciar a criatividade, a paixão e a singularidade muitas vezes se paga um preço, não raro a exclusão. Vale destacar que ao final do filme, mesmo que nenhuma cena apresente o que acontecerá na vida de Keating depois que os alunos o reverenciam com o famoso “Captain, my captain”, fica absolutamente claro que Keating não sucumbirá à conformidade, e para onde for continuará sendo um transformador – o que muitas vezes não é interessante para instituições frágeis.
Pois bem, citei a cena do filme na qual Keating narra um texto de Shakespeare pela simples razão de que é realmente muito difícil ler o poeta, podendo por vezes se mostrar uma façanha na qual a imensa complexidade afasta os incautos. Entretanto, Keating consegue fazer o autor mais do que compreensível, o faz apetitoso. A habilidade de tornar o complexo em algo inteligível é a arte de alguns professores. Acho que o mesmo se dá quando falamos de física ou, quem sabe, de algo tão distante como o processo de elaboração de um Plano de Manejo. Pois bem, não tenho ideia de como Keating fez sua façanha, mas já aviso que não me proponho o mesmo feito, e nem poderia, apenas objetivo tentar seguir com um pouco da inspiração de Keating e explicitar, da melhor forma que me for possível, o que significa um Plano de Manejo e qual a sua importância para as unidades de conservação da natureza e a sociedade. Para tanto darei como exemplo o processo que orientará a elaboração dos Planos de Manejo do Parque Natural Municipal (PNM) e da Área de Proteção Ambiental (APA) de Marapendi.
A Lei Federal 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, a famosa Lei do SNUC, regulamentada pelo Decreto nº.4.340/2002, explicita o que são as unidades de conservação (UC), define as categorias de manejo, normatiza os processos de criação, implantação e gestão, descreve os incentivos, isenções e penalidades legais a gestão de tais áreas, e trata de disposições gerais. A Lei do SNUC foi pensada e construída de modo a atender diversos usos e objetivos diferenciados de manejo. Nestes termos, as Reservas Extrativistas foram pensadas para proteger modos de vida sustentáveis; os Monumentos Naturais foram constituídos para preservar sítios naturais raros, singulares e com grande beleza cênica; as Estações Ecológicas para privilegiar pesquisas e experimentos; as Reservas Biológicas, sem visitação pública, para assegurar a preservação integral da biota, mantendo intocados os ambientes naturais; e os Parques Nacionais foram pensados para a educação e a interpretação ambiental, a visitação pública, o lazer e a recreação em contato com a natureza. Parece óbvio, mas é bom destacar que a ideia central é a de conservação da biodiversidade, mas as ênfases são distintas em termos de planejamento e gestão.
Cada categoria de manejo de unidades de conservação foi pensada de modo a atender usos e objetivos diferenciados, e por isso a Lei do SNUC apresenta um leque constituído por 12 (doze) categorias de manejo, sendo 5 (cinco) de Proteção Integral (com uso indireto de seus recursos naturais), e 7 (sete) de uso sustentável (com previsão do uso direto de parcela dos seus recursos naturais). Também é por isso que antes da criação de uma unidade de conservação os objetivos de manejo e usos permitidos devem estar muito claros, a partir da elaboração de estudos prévios e debate com a sociedade, não sendo tecnicamente pertinente “a criação de unidades de conservação de gabinete”.
Quero ressaltar que o debate para a construção da Lei do SNUC levou aproximadamente dez anos, visando consolidar um consenso da divisão de pontos de vista entre os socioambientalistas e os conservacionistas, com a devida participação de vários segmentos da sociedade civil organizada e especialistas governamentais. A Lei também se orientou pelas categorias de manejo expressas pela The International Union for Conservation of Nature (IUCN) em âmbito mundial.
Muito bem, para todas as categorias de manejo é necessário que cada unidade de conservação elabore, com a participação da sociedade, o seu próprio Plano de Manejo, levando em conta suas especificidades. A Lei do SNUC define Plano de Manejo como:
“o documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão de unidade.”
Ora, existe um Roteiro Metodológico para a elaboração de Planos de Manejo de Unidades de Conservação de Proteção Integral, do IBAMA, de 2002, e até mesmo um Roteiro elaborado pelo Instituto do Ambiente do Governo do Estado do Rio de Janeiro, em 2010. Os roteiros, e não vamos aqui realizar exames comparativos, servem como guias para se que possa elaborar um bom Plano de Manejo, o que envolve a consecução dos seguintes encartes: 1) Contextualização da Unidade de Conservação; 2) Análise Regional; 3) Análise da Unidade de Conservação; 4) Planejamento; 5) Projetos Específicos; 6) Monitoria e Avaliação. Cada um dos encartes envolve a consecução de vários subitens, sendo os três primeiros relativos à caracterização e análise, e os três últimos se referem ao planejamento. Sobre tais encartes podemos nos aprofundar em outra oportunidade.
O que vale destacar é que a elaboração de um Plano de Manejo necessita de uma equipe multidisciplinar das áreas biótica, abiótica, social, econômica etc, que irão se envolver de forma mais ou menos intensa em cada uma das etapas, mas que deverão participar ativamente do processo de planejamento da unidade de conservação. Em um primeiro momento ocorre uma Oficina de Diagnóstico Participativo e, na fase de planejamento, uma Oficina de Planejamento Participativo. Em ambas as oficinas, obrigatoriamente, a sociedade deve ser envolvida por meio do Conselho da unidade de conservação ou, caso ainda não exista Conselho formado, recomenda-se que o Conselho seja criado juntamente com o processo de elaboração do Plano de Manejo para que se assegure a governança democrática.
Como já foi dito antes, o Plano de Manejo, com toda a complexidade técnica exigida, irá nortear a gestão da unidade de conservação considerada, incluindo os aspectos econômicos – o que envolve por vezes embarreirar interesses individuais e privados que não sejam legítimos. Portanto, a equipe deve ser idônea, altamente qualificada e realizar a mobilização de todos os segmentos sociais que interagem com a unidade de conservação.
Um bom exemplo desafiador será a elaboração do Plano de Manejo do Parque Natural Municipal e da Área de Proteção Ambiental de Marapendi, prevista para maio de 2015, sob a administração da Secretaria de Meio Ambiente da Prefeitura do Rio de Janeiro. E qual a razão de prover os leitores do exemplo? Pela simples razão que no Parque Natural Municipal de Marapendi houve a desafetação de parte de sua área para a instalação de um campo de golfe, e há uma ação ajuizada pelo Ministério Público Estadual questionando os procedimentos de licenciamento. Logo, trata-se de Planos de Manejo complexos e nos quais estarão presentes várias arenas de debate e interesses, incluindo os grupos de lobbye pressão. Nestes termos, a sociedade simplesmente não pode deixar de participar e cobrar a devida transparência no processo de elaboração dos referidos planos.
Resumindo: caberá a sociedade uma gerência legítima do processo, pois o que for decidido deverá ser realizado pelo órgão público responsável por tais unidades de conservação.
Finalmente, claro que não consegui projetar o brilhantismo de Keating, mas espero, ao menos, ter iniciado um processo de debate e explicitação do processo de elaboração de Planos de Manejo. Afinal, alguns pretensos poetas mortos são fundamentais para a manutenção de uma sociedade mobilizada e viva.
E quem disse que biólogos também não podem ousar com poesia?
Robin Williams: Sociedade dos Poetas Mortos (1989) – Dublado
Youtube
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não entrando no mérito se o parque o campo de golfe são bons ou ruins. A minha curiosidade é por qual motivo que as pessoas que reclamam disso, não reclamam da degradação que vinha sendo feita na área ao lado em que está sendo preparado o campo. Por qual motivo não reclamam das casas ilegais construídas no coração da área de bosque próxima ao condomínio mundo novo e malibu por exemplo. Outra coisa, áreas do parque da pedra branca e da tijuca no Itanhangá sendo favelizadas e tendo a vegetação destruída, não tem nenhum ativista para reclamar!!!