“Ciente de que o uso pretendido não é permitido no local, após a inexplicável liberação pelo IPHAN o interessado iniciou o processo de sedução via propaganda: liberou o projeto para a imprensa, e esta para leitores e espectadores; expôs a maquete no Parque; convidou instituições, vários profissionais e políticos, ditos ‘formadores de opinião’, para apresentar-lhes a proposta. Doutrina os incautos para desviar os olhares do cerne da questão e dirígi-los aos detalhes: chama a opinar, por conveniência, os que detêm o poder no momento, para fazer aflorar a vaidade e cultivá-la até obter a aprovação final”.
Para os que não conhecem os posts do blog sobre o caso da Marina da Glória, este
parágrafo é elucidativo e complementa o artigo publicado no jornal O Globo em 11/03/2013.
Caros leitores,
Um dos aspectos mais importantes da democracia é a expressão de opiniões divergentes. Nesse âmbito, em atitude louvável, às segundas-feiras o Jornal O Globo abre espaço para a discussão de temas de interesse geral do país e das cidades, na Editoria de Opinião.
Em 11/03/2013 o Tema em Debate foi o projeto para a Marina da Glória, tratado exaustivamente por este Blog. Em contraponto à visão do jornal foi publicado um artigo de minha autoria – ‘LUGAR DE BARCO’ -, ao lado de ‘CEGUEIRA NA PREVENÇÃO’, este com a posição do periódico frente à polêmica instalada.
Sob a luz da liberdade de pensamento, permito-me comentar o artigo do prestigioso jornal O Globo.
O veículo de comunicação apresenta visão extremamente liberal quanto a empreendimentos da livre iniciativa serem instalados sobre a faixa litorânea da cidade – “o mar e seu entorno”. E qualifica de “cego e anacrônico o preservacionismo que contamina as discussões…”. O processo de modernização apregoado em visão libertária sobre o gravame do uso público nada mais seria do que estender à indústria da construção civil o chão da cidade que não pertence às áreas onde é possível exercer tal atividade.
A prevalecer esta visão, do nosso ponto de vista limitada e equivocada, podemos prever, em breve, empreendimentos comerciais equivalentes no restante do Parque do Flamengo, nas margens das lagoas Rodrigo de Freitas, de Marapendi e de Jacarepaguá, nas areias Do Leme ao Pontal – como diz a música -, nos outros Parques Públicos – Campo de Sant’Anna, Parque de Madureira, Quinta da Boa Vista, Passeio Público, Parque da Cidade, Parque Lage, etc. -, nas demais Áreas de Proteção Ambiental e Parques Ecológicos – Parque da Pedra Branca, Parque Chico Mendes, etc. (a construção do Campo de Golfe na APA Marapendi já foi decidida). Quem sabe no Jardim Botânico ou na Floresta da Tijuca… E até nos espelhos d’água! Ou seja, em todos os lugares que despertem atratividade econômica, único argumento apresentado no Editorial.
O ditado popular melhor explica: “O pior cego é aquele que não quer ver”. Abaixo, os artigos publicados em Nossa Opinião (do O Globo) e em Outra Opinião (da autora deste Blog).
Para quem quiser conhecer e, se possível, opinar.
Democraticamente.
Urbe CaRioca
MARINA DA GLÓRIA, PARQUE DO FLAMENGO, RIO DE JANEIRO Foto: AAGR, 2006 |
Lugar de barco
OUTRA OPINIÃO – ANDRÉA REDONDO
A Marina da Glória é um equipamento urbano público municipal. O terreno, alvo de cobiça, pertence ao Parque do Flamengo, belíssima área pública do Rio que margeia a Baía de Guanabara, apelidada de “Aterro” devido à sua origem. Certeiro, o objetivo do tombamento feito pelo Iphan em 1965, que o tornou non-aedificandi, foi evitar descaracterizações e protegê-lo da “ganância que suscita uma área de inestimável valor financeiro, e da leviandade dos poderes públicos…”, nas palavras de Lota de Macedo Soares.
É dispensável mencionar histórico, os importantes objetivos da criação do Parque, o governador, Reidy, Burle Marx, Lota, demais realizadores, dados disponíveis em vasta documentação. Basta destacar os aspectos urbanísticos e sociais que mudaram a paisagem do Rio e criaram o espaço monumental de beleza ímpar, generoso para todos tal como o são as praias cariocas.
A concessão da Marina deve refletir manutenção adequada e boa prestação de serviços. Só. O pleito que causa polêmica é a construção de Centro de Convenções e lojas no terreno sob o pretexto de “revitalizar” a área. Seja incentivada pela prefeitura ou proposta pelo empresário, a obra permitirá a este usufruir de um dos mais belos lugares do Rio de modo inaceitável: transformá-lo em área privativa, construir um complexo comercial e eliminar a área seca para… barcos!
As tentativas de erguer prédios na Marina Pública do Rio de Janeiro e mudar o uso primário ocorrem há mais de 20 anos. Foram frustradas por atos do Ministério Público, pelo próprio Iphan ou devido a ações judiciais: o Judiciário confirmou que o Parque é non-aedificandifora os espaços culturais, de lazer e o restaurante, previstos no plano original.
A cidade muda. Os conceitos também. Hoje o Aterro não existiria, ao menos com a terra obtida pelo desmonte do Morro de Santo Antônio, monumento natural e histórico posto abaixo como outros. Mas o Parque tornou-se um ícone da cidade que deve ser preservado por todos.
Quanto ao projeto do concessionário é indiferente que a construção tenha 20 ou 100 mil metros quadrados, 15 ou 60 metros de altura. Por mais criativo que seja o projeto arquitetônico uma premissa dispensa apreciá-lo: destinar o local a um empreendimento dessa natureza, seja de que porte for, é imoral e ilegal. Se o principal é proibido não cabe examinar interferências na paisagem, medidas, materiais e cores, aspectos que bons arquitetos resolvem com maestria.
A boa política urbana deve carrear investimentos particulares para onde a cidade mais precisa. Por exemplo, a Zona Portuária, onde foram aplicados recursos públicos para revitalizá-la e atrair investidores. O Centro de Convenções é bem-vindo. Que seja construído logo. Fora da Marina. Fora de área pública, de uso comum do povo. Marina é lugar de barco.
Andréa Redondo é arquiteta
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Cegueira na prevenção
NOSSA OPINIÃO (a do jornal O Globo)
Do Leme ao Pontal, como diz a música, o Rio ostenta um litoral que encanta o mundo. Ao mesmo tempo, o carioca, de modo geral, tem muita dificuldade de ver nessa privilegiada faixa do território oportunidades de aproveitamento que vá além do banho de mar e outras atividades de lazer. Não se discute que esses são hábitos a serem preservados, na verdade até incentivados, parte que são do modo de vida de moradores. São também fonte de atração para o turismo e, sobretudo, atividades saudáveis. Mas isso não justifica o preconceito de deixar o mar e seu entorno à margem de empreendimentos que contribuam para o desenvolvimento econômico, urbanístico e cultural da cidade.
Nesse sentido, é cego e anacrônico o preservacionismo que contamina as discussões sobre a revitalização da Marina da Glória. O atual projeto em debate, aprovado preliminarmente em Brasília pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) é claro quanto ao propósito de aproveitar as potencialidades econômicas daquela faixa do Aterro, respeitando-se seus pressupostos ambientais. É uma diretriz moderna, que vem sendo adotada por outros países tanto em obras de recuperação de áreas degradas como em regiões em que a ocupação deve ser regida por normas urbanísticas que protejam o meio ambiente.
O projeto, tornado público recentemente, prevê a ampliação e modernização das instalações náuticas e de turismo da Marina, bem como a preparação daquela faixa de água para as competições de vela das Olimpíadas de 2016 — este, um compromisso assumido com a comunidade internacional pelos entes envolvidos na organização dos Jogos. Além disso, deverão ser construídas unidades comerciais e, principalmente, um centro de convenções, espaço de que a cidade sofre de crônica carência.
Lastreadas por um investimento de R$ 200 milhões, são intervenções, por si, positivas para o crescimento da cidade. Mas, localizadas em região que, por suas peculiaridades, tombada pelo serviço do patrimônio público, precisam ser implementadas dentro de estrita obediência à legislação. A aprovação preliminar pelo Iphan sinaliza que tal pressuposto está contemplado no projeto. De qualquer forma, antes do canteiro de obras, as propostas ainda passarão pelo crivo de outros organismos.
Ações em defesa do meio ambiente são, por óbvio, importantes para proteger a natureza de crimes ambientais. Mas o preservacionismo cego não pode ser pretexto para boicotar o crescimento ordenado e responsável da cidade. De resto, no caso da Marina, objeto de um aparentemente sério projeto de revitalização, pode-se lembrar que, no sentido estrito da preservação, o Aterro do Flamengo, que a abriga, sequer existiria hoje, pois se trata de um empreendimento — grandioso e, como se viu, benéfico para a cidade — que subtraiu ao mar uma extensa faixa. Não fosse a visionária teimosia de Lota Macedo Soares, que o idealizou enfrentando resistências de seu tempo, o carioca não teria hoje o belo parque, sinônimo de qualidade de vida.