Lei Complementar nº 111/2011 – PLANO DIRETOR
Das Áreas de Proteção do Ambiente Cultural
Art. 135. Entende-se por Área de Proteção do Ambiente Cultural – APAC, o território de domínio público ou privado, que apresenta conjunto edificado de relevante interesse cultural, cuja ocupação e renovação devem ser compatíveis com a proteção e a conservação de sua ambiência e suas características sócioespaciais identificadas como relevantes para a memória da cidade e para a manutenção da diversidade da ocupação urbana constituída ao longo do tempo.
§ 1º A Área de Proteção do Ambiente Cultural sobrepõe-se às zonas e subzonas, podendo estabelecer restrições volumétricas e de utilização para os bens e espaços públicos nela contidos.
§ 2º Todos os imóveis e espaços públicos situados em APAC serão tutelados pelo órgão executivo do patrimônio cultural.
A Área de Proteção do Ambiente Cultural do bairro do Jardim Botânico foi criada em 2001 com base nos itens abaixo listados, conforme consta no Decreto n° 20.939 de 24 de dezembro de 2001:
“A importância do bairro do Jardim Botânico para o entendimento da história e do processo de expansão da Zona Sul da Cidade do Rio de Janeiro; os notáveis bens naturais e paisagísticos localizados no bairro tais como a encosta do Morro do Corcovado, o Jardim Botânico e o Parque Lage; a singularidade do desenho urbano utilizado na ocupação do bairro; que a área ainda apresenta bens culturais e naturais que constituem um valioso testemunho das várias fases de sua ocupação; as manifestações recebidas da Associação de Moradores e Amigos do Jardim Botânico solicitando a adoção de medidas preservacionistas para o bairro; a necessidade de uma legislação mais eficaz que salvaguarde o patrimônio remanescente; os estudos elaborados pela Secretaria Municipal de Urbanismo, pelo Departamento Geral de Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal das Culturas e pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, em virtude do Decreto nº 20.424/2001, que criou a Área de Especia1 Interesse Ambiental (AEIA); e o pronunciamento favorável do Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro no processo administrativo nº 12/002 490/2001.”
Para garantir a harmonia do conjunto de bens imóveis preservados com a vizinhança – ou a sua ‘ambiência’ – o instrumento legal previu alturas máximas para as futuras construções nos terrenos lindeiros e próximos aos imóveis protegidos.
O local onde funcionou um posto de gasolina consiste em terreno com três frentes, a saber, para as ruas Jardim Botânico, Oliveira Rocha e Conde de Afonso Celso: a primeira forma esquinas com as duas outras. Para as últimas – Oliveira Rocha e Conde de Afonso Celso, perpendiculares à primeira – o decreto previu a altura máxima de 14,00m, considerada compatível com o grupo de construções preservadas na APAC que se estende da Rua Jardim Botânico em direção à encosta do Corcovado.
Entretanto, uma dúvida quanto à altura máxima permitida causa polêmica há alguns anos: o proprietário do terreno pretende construir ali edifício com 27,00m de altura, gabarito estabelecido anteriormente à vigência da APAC para toda a ‘área 2’ da Portaria IPHAN nº 104/2000.
Sobre o decreto que criou a APAC Jardim Botânico, a configuração dessa quadra e das quadras vizinhas – todas com prédios baixos preservados pelo decreto de 2001, salvo raras exceções, – indica intenção do legislador municipal de resguardar o perfil construído predominante do conjunto. Quanto ao lado/esquina voltados para a Rua Oliveira Rocha não cabe dúvida alguma: a altura máxima para acréscimo horizontal, reconstrução ou construção nova é de “QUATORZE METROS – equivalente a, no máximo, 4 pisos, para a Rua Oliveira Rocha (da Rua Jardim Botânico até o seu final)”. Para a outra esquina consta apenas o nome da Rua Conde de Afonso Celso, cuja altura também é limitada a “QUATORZE METROS – equivalente a, no máximo, 4 pisos”.
O fato de não constar a expressão “da Rua Jardim Botânico até o seu final” aparentemente foi um lapso do redator. O mesmo pode-se dizer em relação ao gabarito de altura da Rua Jardim Botânico no trecho em questão: a mesma limitação administrativa – altura máxima de 14,00m – para as esquinas deveria constar explicitamente para toda a quadra, por coerência e unidade no desenho urbano. Possivelmente a falta das indicações ocorreu por falha ou apenas por ser desnecessário, pois o conjunto vizinho já estaria protegido pelos gabaritos das ruas laterais abrangidas pela APAC.
A polêmica sobre a norma para construir no local chegou ao Poder Judiciário, conforme notícia de sexta-feira no jornal O Globo.
“Construção de prédio de 27 metros no Jardim Botânico não é irregular, afirma Justiça” – “Para desembargadores, altura de edifício é compatível com legislação. Projeto é alvo de críticas de moradores e do MP”.
Trecho da reportagem:
“A Associação de Moradores e Amigos do Jardim Botânico luta há mais quatro anos contra a realização da obra, sob argumento de que o prédio será erguido dentro da Área de Proteção do Ambiente Cultural (Apac) e, por isso, precisaria respeitar o gabarito máximo de 14 metros de altura. A Justiça, no entanto, entende que o endereço do edifício é a Rua Jardim Botânico, onde o gabarito é de 27 metros.”
Independentemente de qualquer outro aspecto o argumento divulgado no jornal não procede. Explica-se: o endereço de um terreno não necessariamente reflete a lei urbanística que incide sobre o mesmo, mas, a sua configuração, zona ou zonas nas quais esteja inserido, dimensões, cota de soleira e, também a rua ou ruas para as quais tenha frente.
Um exemplo.
Imaginemos um terreno hipotético, em Copacabana, com frente para a Avenida Atlântica e para a Rua Aires Saldanha, onde os gabaritos de altura sejam 15 e 10 andares respectivamente. O projeto de arquitetura deverá obedecer a critérios diferentes em cada parte do terreno conforme a área de influência de cada rua, independente do endereço oficial do imóvel. Ou seja, ainda que situado na orla e inscrito no Registro de Imóveis com o nome da famosa avenida, segundo critérios das leis urbanísticas vigentes um voltado para a Rua Aires Saldanha não poderá usufruir o gabarito de altura de 15 andares.
O caso do terreno situado na Rua Jardim Botânico é mais complexo.
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| O Globo 30/04/2011 Foto: Marco Antonio Cavalcanti |
A considerar os critérios vigentes para aplicação do código de obras, conforme citado, a volumetria possível seria obtida pelo desenho de faixas de influência com profundidade de 33,00m a partir das ruas Conde Oliveira Rocha e Conde de Afonso Celso onde prevalece a altura prevista para cada rua, igual a 14,00m, que deve ser adotada sobre qualquer outra possibilidade menos restritiva por ser medida de salvaguarda.
No trecho restante, com frente para a Rua Jardim Botânico, em tese seria aplicável a altura de 27,00m estabelecida pela Portaria IPHAN nº 104/2000, devido às omissões no Decreto n° 20.939/2001. Porém, ainda assim, a configuração peculiar do terreno impede tal projeto: com cerca de 60,00m de frente para a Rua Jardim Botânico e 25,00m de frente para os outros dois logradouros, as faixas de influência das ruas Conde Oliveira Rocha e Conde de Afonso Celso atingem a totalidade do imóvel.
Quanto ao gabarito fixado pelo IPHAN – também mencionado na notícia – é de notar-se que a Portaria nº 104/2000 é anterior à edição da APAC do Jardim Botânico, e que , portanto, os critérios de proteção não se direcionam aos imóveis preservados e tutelados em 2001, que então passaram a ser regidos por norma local além da norma federal.
Decreto n° 20.939/2001 (grifos nossos)
Art. 4° – Os bens tutelados podem ser modificados ou demolidos, desde que as alterações, ou as novas construções sejam compatíveis com o conjunto urbanístico preservado e previamente aprovadas pelo órgão de tutela, observadas as seguintes características do conjunto de preservados:
I) padrão recorrente de morfologia; II) articulação de planos e volumes e a relação entre o ritmo e a função dos elementos marcantes recorrentes; III) implantação das edificações em relação ao alinhamento;
§ 1° – As construções e reformas em imóveis tutelados estão condicionadas à legislação urbanística em vigor para a área.
§ 2° – Para efeito da proteção do ambiente urbano e manutenção das características paisagísticas dentro da APAC – Jardim Botânico, as alturas das edificações situadas nos logradouros listados no Anexo III deste Decreto serão limitadas de modo a não prejudicar a insolação e a ventilação dos espaços públicos, a visibilidade do conjunto preservado e da paisagem natural.
Portanto, é possível afirmar que a altura máxima para edificar no terreno em questão, onde funcionou um posto de gasolina, é de 14,00m.
Este é o entendimento do blog Urbe CaRioca, que difere da douta decisão dos desembargadores 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, conforme noticia divulgada pela imprensa.
Urbe CaRioca
| Prédio comercial existente na Rua Jardim Botânico Construído com base nos parâmetros definidos pelo IPHAN, antes da edição da APAC |
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| Enquanto os gabaritos de altura crescem, a Linha 4 original do Metrô continua fora do mapa do bairro do Jardim Botânico |



