O terreno no Flamengo – o empreendimento, as leis urbanísticas, e uma tese – parte 1

Conforme postagens anteriores neste Urbe CaRioca, no início do ano um terreno Próprio Estadual situado no Bairro do Flamengo foi vendido à iniciativa privada, no âmbito de um pacote oferecido – pelo governo – ao mercado imobiliário.

Do mesmo modo que o terreno do Segundo Batalhão da PM, na esquina das ruas São Clemente e Real Grandeza, o imóvel citado – com frente para as ruas Machado de Assis, Dois de Dezembro, Arno Konder e Beco do Pinheiro, onde funcionaram a garagem de bondes da antiga Cia. Ferro-Carril Jardim Botânico e a garagem de ônibus elétricos da extinta CTC – foi vendido com vistas à construção de um conjunto de edifícios.

Os primeiros comentários a respeito estão em Vendo o Rio, 2018 – o terreno da antiga Cia. Ferro-Carril Jardim Botânico (10/01/2018); O terreno no Flamengo: A mesmice piorada e um abaixo-assinado (09/03/2018); e Terreno no Flamengo – Começa movimento de moradores contrários aos prédios altos (10/03/2018), neste site.

O que se concretizou em janeiro passado começou a ser desenhado há tempos. Literalmente. Vejamos a sequência e as modificações nos principais projetos de urbanização para a região, e específicos para o local.

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PAL 12773/PAA 18791 (02/09/1947) – Planta de Zoneamento do Catete e Adjacências de acordo com Projeto de Urbanização aprovado n. 4249, Decreto n. 8547 de 22/06/1946. O projeto prevê edifícios altos que substituiriam casas, casarões e palacetes. Os novos edifícios seriam implantados contiguamente e respeitariam um limite de profundidade, em geral de 30,00m a partir da testada dos lotes/terrenos, para formação de área coletiva non-aedificandi no centro de cada quadra; o Largo do Machado chamava-se Praça Duque de Caxias, este foi o padrão criado para região, nos mesmos moldes de PALs para o Centro da Cidade e para Copacabana, inspirado no Plano Agache.

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PAL 22506/PAA 5459 (18/08/1950) – detalha o alargamento inicial previsto para a Rua Dois de Dezembro – para 12,00m – , gabaritos de altura, e mantém a indicação de limites de profundidade e áreas coletivas.

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PAL 27293 (02/02/1968) – a porção maior do terreno, da antiga CTC, seria destinada a uma praça; a rua que ligaria a Machado de Assis à Dois de Dezembro, paralela à Rua do Catete, não estava prevista.

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PAA 8547 (07/11/1975) – nesta ocasião foi previsto o alargamento da rua Dois de Dezembro para 24,00m/21,00m e da Rua do Pinheiro para 18,50m, com previsão de demolição dos prédio da Antiga Cia. Ferro-Carril Jardim Botânico e da Antiga Companhia Telefônica Brasileira; as ruas seriam mais largas para compor o entorno de um futuro terminal rodoviário, o que não ocorreu; isso explica porquê a rua Dois de Dezembro parece mais larga nos trechos perto da Praia do Flamengo e da Rua do Catete (a distância entre construções de cada lado da rua mostra o que seria o resultado final). Além disso, o terreno passa a ser dividido pela rua projetada para ligação entre as ruas Machado de Assis e Dois de Dezembro, também com largura avantajada.

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PAA 10354 (16/02/1984) – O terreno permanece dividido pela rua projetada para ligação entre as ruas Machado de Assis e Dois de Dezembro; da futura rua Arno Konder apenas um trecho viria a ser executado; a maior porção do terreno seria, ainda, destinada a um terminal rodoviário urbano; a parte do terreno situada entre a rua projetada e a rua do Catete tem uso indefinido; o Beco do Pinheiro já recebera a nomenclatura de rua, previsto o aumento da sua largura de 10,00m para 12,00m; indica as construções das antigas Companhia Telefônica Brasileira e Cia. Ferro-Carril Jardim Botânico (este o atual IAB RJ) como preservadas, o que inviabiliza o alargamento expressivo das ruas Dois de Dezembro e do Pinheiro.

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PAA 10601 (02/06/1988) – substituiu o PAA 10354; apenas um trecho da rua projetada foi executado, denominado Rua Arno Konder; o uso da parte do terreno situada entre a rua Arno Konder e a Rua do Catete continua indefinido: oficialmente integrava o terreno em questão (numeração Rua do Catete n. 299/303), onde viria a ser construída a Rua Irineu Bornhausen, ainda não projetada; a faixa de recuo correspondente a essas duas ruas e ao novo alinhamento da Rua Machado de Assis seria regularizada apenas em 2011 após a aprovação do PAL 47855 (v.itens a seguir).

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PAA 12288 (30/05/2011) – modificou o alinhamento da Rua Arno Konder (moradores da vizinhança relataram que um novo muro foi construído diminuindo a largura da “rua da feira”); elimina a continuação projetada da Rua Arno Konder, mantendo-se a parte do terreno original ao lado do prédio da antiga CTB (o trecho que seria transformado em rua), para permitir a criação do futuro Lote 1 com frente para a Rua Dois de Dezembro (v.item a seguir)

Está delineado o objetivo de tornar a aumentar a área do terreno, para não mais ser reduzido e dividido pela Rua Arno Konder caso executada em toda a extensão prevista: entre as ruas Machado de Assis e Dois de Dezembro.

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PAL 47855 (15/09/2011) – considera a totalidade do imóvel da Rua do Catete n. 299/303, com frente para as ruas Machado de Assis, Dois de Dezembro e Pinheiro; aprova sua divisão em três lotes: Lote 1 com frente para a Rua Dois de Dezembro, Lote 2 que corresponde à atual sede do Instituto de Arquitetos do Brasil RJ, e Lote 3 com frente para as ruas Machado de Assis e do Pinheiro. O desenho mostra a faixa de recuo que deu origem às ruas Arno Konder (apenas um trecho) e Irineu Bornhausen, com área de 3.703,65m2, espaço regularizado com Termo de Recuo assinado em 29/09/2011, embora as ruas tenham sido construídas no início dos anos 1990.

Provavelmente a rua que recebeu o nome Irineu Bornhausen foi criada para garantir o acesso de veículos à parte posterior do edifício construído no terreno do antigo Cinema São Luiz através da Rua do Catete, ou todo o trânsito seria feito via Praia do Flamengo e Machado de Assis.

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PAL 49129 (26/09/2017) – remembra os lotes 1 e 3 do PAL 47855, ou seja, exclui da totalidade do terreno original a parte correspondente ao prédio da antiga Cia. Ferro-Carril Jardim Botânico, atual sede do IAB-RJ. O prédio da antiga Companhia Telefônica Brasileira está indicado como “propriedade de terceiros”.

O histórico demonstra que pelo menos a partir de 2011 a configuração do terreno passou a ser moldada com objetivo definido de obter a metragem máxima o mais próximo possível da original, para receber a construção de um conjunto de edifícios.

Quanto à altura dos edifícios projetados, cabe observar que um decreto de 1981 (Dec. n. 3155) liberou gabaritos mais altos para os terrenos onde as novas licenças de construção, conforme padrão então vigente, haviam sido suspensas durante as obras do Metrô, na área classificada provisoriamente como ZE-9. Curiosamente, a medida gerou um estoque de imóveis que passaram a receber edifícios de maior altura afastados das divisas em algumas  ruas situadas ao longo da Linha do Metrô. Para o terreno em questão, a previsão foi de 12 e 18 andares para prédios não afastados e afastados das divisas, respectivamente, mais andares de uso comum, de garagem, e coberturas. Portanto, em princípio, o projeto atenderia ao parâmetro altura.

Há, porém, outros aspectos a serem considerados. Serão tratados em nova postagem.

Urbe CaRioca

Exemplos de edifícios mais altos construídos com os benefícios do Decreto n. 3155/81, que liberou gabaritos quando da liberação para construir na antiga ZE-9. Nota: as imagens mostram quadras sem formação de área coletiva.

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