Não há a menor dúvida sobre a importância de manter o Edifício A Noite como parte viva do Centro do Rio de Janeiro, ícone que é, primeiro “arranha-céu” e prédio mais alto da cidade, palco de (Rádios que funcionaram lá), primeiro a ser construído com a técnica do concreto armado e, ainda, seguindo o estilo da época, art-déco.
Infelizmente as tentativas do Governo Federal para se desfazer do imóvel não se concretizaram.
A notícia de que o Prefeito do Rio pretende adquirir o imóvel (leia-se: o município) pode ser alvissareira para o fabuloso A Noite, caso a triangulação anunciada prospere.
Ainda assim, causa estranheza que, outra vez, sejam carreados mais recursos públicos – além das benesses urbanísticas questionáveis e de isenções de impostos – para fazer o Reviver Centro reviver, do mesmo modo que as CEPACs da Zona Portuária foram comprados pela Caixa Econômica Federal depois do desinteresse demonstrado pelo mercado.
É papel do Poder Público agir e investir por melhorias para a cidade e para a população. Comprar um imóvel para “oferecê-lo à iniciativa privada em condições mais favoráveis para quitar o custo do investimento” requer esclarecimentos.
Paes formaliza pedido para comprar edifício A Noite, no Centro, por R$ 29 milhões
Prédio foi o primeiro arranha-céu da América Latina, construído em 1929 em estilo art déco. Prefeito frisa que o imóvel ‘se encontra fechado há anos, deteriorando e depreciando o espaço urbano’
Por Luiz Ernesto Magalhães — O Globo
Em meio ao impasse sobre o futuro do icônico edifício A Noite, na Praça Mauá, o prefeito Eduardo Paes informou à ministra da Gestão e da Inovação, Esther Dweck, que o município tem interesse na aquisição definitiva do imóvel, pelo valor do bem fixado em R$28,9 milhões. Em setembro, Paes já havia revelado que pretendia arrematar o prédio. O edifício foi o primeiro arranha-céu da América Latina, construído em 1929 em estilo art déco. Paes frisa que o imóvel “se encontra fechado há anos, deteriorando e depreciando o espaço urbano, e se apresenta como importante ativo para o desenvolvimento daquela área da cidade”.
No documento, Paes diz que o interesse pelo prédio se justifica pelos esforços pela recuperação da região, com “objetivo a melhoria da qualidade de vida dos atuais e futuros moradores, bem como a sustentabilidade ambiental e socioeconômica da região portuária, tendo, como parte de suas diretrizes e princípios, a valorização da paisagem urbana, o aproveitamento de espaços ociosos e o estímulo à renovação urbana e às atividades de geração de trabalho e renda da região”.
O prefeito acrescenta que “políticas urbanas visando ao desenvolvimento econômico e social têm sido implantadas no Centro do Rio de Janeiro, como o Reviver Centro, benefícios para oferta de empreendimentos residenciais e subsídios para o estímulo do comércio na região”.
A decisão de Paes ocorre a duas semanas do término do prazo de validade de um laudo da Superintendência do Patrimônio da União que serve de base para a venda do imóvel. Depois de dois leilões fracassados, o edifício foi colocado em sistema de venda direta pelo valor de R$ 28,9 milhões. A data limite para apresentação das propostas é o próximo dia 18.
Desde então, foram feitas três propostas para a compra do prédio. Duas de pessoas físicas que no entanto não depositaram o sinal. Há outra proposta em análise nesse momento no governo federal da empresa Prosperita Incorporadora e Construtora Ltda, de Brasília.
— Ainda temos interesse no prédio. Desconhecíamos a iniciativa da prefeitura. A área jurídica da empresa vai avaliar — disse Bruno Caixeta, um dos sócios da Prosperita.
Pelas regras da compra direta, a Prosperita ainda tem a preferência da aquisição. Mas o presidente da Companhia Carioca de Parcerias e Investimentos, Gustavo Guerrante, diz que historicamente outras ofertas da construtora não foram à frente, segundo o governo federal. E a prefeitura tomou a iniciativa de entrar na disputa em razão do fim da validade do laudo de avaliação estar próximo.
— A intenção do município não é ficar com o imóvel, mas depois da aquisição oferecê-lo à iniciativa privada em condições mais favoráveis para quitar o custo do investimento — explicou Guerrante.
Ele acrescentou que, concretizado o negócio, o município primeiro assumiria a manutenção e a segurança patrimonial do prédio. O passo seguinte seria fazer uma avaliação sobre as condições estruturais. Essas informações vão fundamentar a revenda para a iniciativa privada.
— Nós não vamos reformar o prédio e revendê-lo depois. Isso seria antieconômico. Mas ter elementos que fundamentem a nova venda. Ainda avaliamos com o prefeito como seria essa transação futura. Uma das hipóteses é incorporar o prédio ao patrimônio da CCPAR. A outra seria fazer uma venda em leilão — detalhou Guerrante.
No primeiro caso, o imóvel poderia ser vendido em 60 dias após a conclusão das avaliações estruturais. Se a opção for leilão, esse prazo aumentaria para cerca de 90 dias.
— Nossa avaliação é que, mesmo com despesas de retrofit, o metro quadrado de A Noite ainda será atraente para o mercado.
No ofício, Paes diz ter conhecimento do teor de uma ação civil pública que determina a restauração do prédio. Segundo Guerrante, a ideia é que o futuro investidor privado arque com essas intervenções, que têm o objetivo de recuperar as características originais do imóvel. Entre as intervenções previstas, estão a recuperação das fachadas e das persianas das janelas, que não podem ser substituídas por material em PVC. As escadas laterais que servem como saída de emergência também terão que ser removidas.
Fracassos em tentativas de venda
O prédio está vazio desde 2012, quando a Rádio Nacional deixou o local. Há três anos, o Ministério da Economia tenta se desfazer do imóvel: foram leilões sucessivos, mas o mercado considerou o preço elevado porque o prédio terá que passar por ampla reforma para restaurar suas características originais. O preço inicial era de R$ 98 milhões, mas teve desconto de 70%.
No início das intervenções do Porto Maravilha, e antes de uma crise no mercado imobiliário, uma construtora chegou a fazer uma oferta de R$ 120 milhões, mas não houve acordo.
O presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU\RJ), Pablo Benetti, diz que a iniciativa pode de fato garantir a preservação de um prédio de importância histórica, tombado pelo Iphan. Mas ele defende que ao se projetar seu futuro uso, haja espaço para vários modelos de ocupação:
— O edifício A Noite pode se tornar um caso paradigmático de renovação urbana. Mas o ideal é que se pense nele com uso misto em sua futura ocupação. No mesmo imóvel poderiam conviver atividades comerciais e residenciais. E parte dessas moradias poderiam ser de habitação popular. Seria uma iniciativa importante até porque o Centro ainda é um dos bairros com mais empregos da cidade — disse Pablo Benetti.
O ex-secretário municipal de Planejamento Urbano, Washington Fajardo, também considerou a decisão positiva. Ele observa que o fato do Rio de Janeiro ter sido capital federal faz com que muito mais do que outras cidades, tenha mais imóveis ociosos da União:
— O Porto Maravilha fez uma grande transformação na Praça Mauá. Mas a União não consegue ter a velocidade que deveria para dar um destino para seus imóveis. Aquele prédio tem 29 mil metros quadrados, que poderia ter uso misto, com residências e serviços de hotelaria. E a situação se agrava porque a gestão de imóveis públicos no Brasil é complexa. No Exterior é comum se vender um imóvel por valor simbólico exigindo em contrapartida sua recuperação. Aqui, o gestor fica preocupado com o fato de se oferecer o imóvel com um preço mais baixo pode ser acusado por órgão de controle que depreciou o patrimônio. Se pedir um valor mais alto, o mercado não tem interesse — observou.