UM PAI CARIOCA MUITO CRIATIVO

Pais CaRiocas, 2016
CrôniCaRioca
O Pai CaRioca e eu
Formatura Ginasial, dez. 1967, ainda nos Anos Dourados

Tinha manias, sim, e quem não as tem?

Algumas das muitas manias do meu Pai CaRioca e Criativo eram curiosas, motivo de risadas das crianças, e piadas que só um pai paciente toleraria sem apelar para uma ou outra chinelada suave, expediente então permitido. A expressão “politicamente correto” não existia, e pediatras até concordavam que a natureza havia destinado um lugar especial para aquele corretivo moderado que, em tese, não deixava danos: o bumbum!

“A lua é um Coco da Bahia”, ele dizia, “duro por fora e com água dentro, um pedaço que se soltou da Terra moldado e soldado, a água escondida no centro! Nós, os filhos, morríamos de rir! “A lua não tem água, paizinho, todo mundo sabe! É seca, toda esburacada”. Sei lá de onde ele tirou essa teoria, mas não é que tempos depois os cientistas concluíram algo parecido?


O console de jacarandá, um dos xodòs do Pai CaRioca



Jacarandá era a melhor madeira, a mais elegante, bonita e indestrutível. Assim era que a casa toda tinha móveis e até lambri em algumas paredes, tudo de jacarandá. Um dia a Mãe CaRioca se rebelou e disse: “Meu Deus, como eu amava o seu pai! Só muito amor para deixar a casa nesse pretume e ele ficar feliz! Quero mudar, não aguento mais o ‘Pelé’!”. Nos anos 1970 “Pelé” era o apelido carinhoso de um ‘buffet’ que fazia par com a mesa de jantar, ambos de jacarandá igual a sofás, carrinho de chá, molduras de quadros, console, camas, penteadeiras, mesinhas, armário embutido no corredor, armários no banheiro… Um dia, eu não morava mais na Tamandaré, encontro uma arca modernosa forrada com madeira clara e chapas metálicas, conjunto com uma enorme mesa, tampo de vidro transparente! Não eram muito bonitas, mas o ambiente ficou mais leve, é verdade. Anos depois, já sem o Pai e a Mãe CaRioca por aqui, tentei reaver o “Pelé”, uma peça clássica, bonita e forte igual ao Edson de ébano que inspirara o apelido. Ficaria um charme em outro ambiente misturada com peças contemporâneas. Ela havia dado o móvel para a amiga Lelé, que se mudara do Rio para a Região dos Lagos. Apesar de muita busca nunca localizei nem a Lelé nem o ‘Pelé’. A essa altura Lelé deve estar o Céu das Amigas jogando pontinho com a minha mãe. O Pelé verdadeiro, a lenda do esporte, continua por aqui, graças a Deus! Já o rejeitado ‘buffet’, alguém sabe?


Internet
Bombril tinha 1002 utilidades, a principal, consertar a imagem da televisão que insistia em pular feito pipoca, linhas horizontais e verticais dançantes.

Uma bolinha de Bombril na ponta da antena, vira pra cá, vira pra lá, um jeito na posição da televisão que só o Pai Carioca conseguia encontrar, e, Voilà

Tínhamos imagem!





Na saída do trabalho minha mãe custava a encontrar o ‘fusquinha’ em meio a um mar de ‘fuscas’ que esperavam seus donos no estacionamento da Avenida Presidente Antônio Carlos. A criatividade do Pai CaRioca resolveu o problema: Pintou uma bolinha de isopor de cor-de-abóbora – hoje é “laranja” – e espetou o artefato na antena do rádio. Nós ríamos e achávamos cafona, filhos desalmados! A Mãe CaRioca ficou satisfeitíssima, até que alguém gostou da ideia e levou a bolinha. Quantas ele pintava, quantas sumiam. O jeito foi memorizar o lugar da vaga… Hoje os carros não têm mais antena externa, e as chaves eletrônicas que fazem o carro piscar e apitar – então a anos-luz de distância – dispensam as bolinhas coloridas.


Internet
Leite-de-Colônia, latão*, e Cola Araldite, um trio imbatível!

Leite-de-Colônia servia para tudo. Desodorante, limpeza da pele, pós-barba… “Um machucadinho? Picada de mosquito? Passa Leite de Colônia que passa! O que arde, cura!”.

“Se fosse de latão não teria problema, adeus ferrugem!” Assim foi que mandou fazer protetores de calota para o Ford 50, de latão! (Obs: Esclarecimento precioso trazido pelo meu irmão Alexandre: *A pedido do pai Albuquerque, foi feita pelo excepcional lanterneiro Jorge Marques, em Petrópolis, uma lanternagem completa no saudoso Ford 1950 Crestliner, em “metal amarelo”, como ele dizia, i.e., uma liga de Cobre + Zinco, abrangendo todo o perímetro do carro, evitando assim o enferrujar nas partes mais sensíveis do apelidado “Mustang”.)

O escudo cheio de charme. NOTA: Este é o Ford 50 que foi do Pai CaRioca.
Foto: Blog dos Carros Antigos

“Não está firme? Quebrou? Araldite resolve!”. Quadros não ficavam bambos na parede, cola neles! Síndico, comprou uma jarrinha de Murano para enfeitar a portaria e a colocou sobre o aparador que tinha um espelho em cima, peça e moldura de jacarandá, é claro! Uma semana depois a jarrinha teve o mesmo destino das bolinhas de isopor coloridas. O Pai CaRioca não hesitou. Comprou outra jarrinha e colou-a no aparador com Araldite. Ainda deve estar lá, salvo tenham carregado o móvel junto! Ríamos todos imaginando a decepção dos gatunos ao puxarem o enfeite, sorrateiramente, e nada conseguirem!

O que ele inventaria hoje usando a criatividade engraçada para melhorar sua querida Cidade do Rio de Janeiro?

Talvez plantasse jacarandás nas Paineiras e em outras áreas desmatadas na Floresta da Tijuca, em praças e ruas cariocas, nestas em vez de um paliteiro de palmeiras que viraram lugar-comum. Talvez mandasse passar Leite-de-Colônia nas feridas superficiais causadas por balas perdidas, aquelas de “raspão”, e colasse bandidos nos bancos escolares onde ficariam até aprender que furtar, roubar e matar é proibido!

Quem sabe colaria os políticos corruptos em bancos de escolas de recuperação? Afinal, a corrupção também é proibida. E também mata.

Ao pai amoroso que não gostava de brigas.
A todos os pais amorosos, presentes e ausentes.

Andréa Albuquerque G. Redondo

  

Flor do Jacarandá
Wikipedia

Comentários:

  1. Puxa, Que linda crônica do nosso pai.
    Onde ele estiver, no céu ou na lua esburacada, deve estar ainda saboreando a leitura e satisfeito em ter passado para a sua primogênita o dom da escrita.
    Também tinha outra história da Lua.Quando pequenininha pensava que ela era da minha mãe. Soube que em um momento bem romântico ele tinha dado a ela.E assim acreditei por anos….
    Parabéns pela linda homenagem! Bjs

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