A Prefeitura do Rio amanheceu mais rica. A Cidade do Rio amanheceu mais pobre, de Leila Marques da Silva

Crédito: TV Globo

Neste artigo, a arquiteta urbanista Leila Marques da Silva destaca a aprovação do famigerado Projeto de Lei Complementar nº 174/2020 pela Câmara de Vereadores do Rio, nesta terça-feira, dia 28. Conforme bem ratificamos, mais uma desfaçatez perante as tentativas de buscar boas normas de uso e ocupação do solo para a Cidade do Rio de Janeiro.

“Não é novidade alguma da parte de nossos digníssimos prefeitos, adotarem medidas para legalizar algo que é contra a lei, a fim de faturar um qualquer. Uma espécie invertida de anistia”, destaca.

Urbe CaRioca

A Prefeitura do Rio amanheceu mais rica. A Cidade do Rio amanheceu mais pobre

Leila Marques

Crédito: Agência O Globo

Era quase meia-noite de ontem, quando encerrou-se a votação do PL 174/20, na Câmara de Vereadores do Rio. O Projeto de Lei entra pro meu rol de “Apelidos Urbanos” com a alcunha equivocada de “Lei do Puxadinho”.

O PL foi aprovado por 29 votos a favor, diante de outros 19 votos de vereadores contrários a esse estratagema arrecadatório, fantástico por sinal, porque, afinal, nada será mais lucrativo para os cofres de uma Prefeitura, que já chafurdava no fundo do poço, bem antes do advento da pandemia, do que essa sacada de mestre.

Quem tiver interesse em anotar o nome dos “especialistas em urbanismo” que vociferaram que o projeto é bom para a cidade, dá uma busca no Google, porque todos os jornais já anunciam os algozes do Rio por aí. Agora, para quem não sabe sequer do que se trata esse Projeto de Lei complementar, sugiro trocar um pouco das Lives, séries ou outras atividades da pandemia, e dar um UP nos noticiários, para saber o que tá rolando…

Como já sabem nossos colegas, e replicam seus defensores, esse tipo de abertura de porteira já está na sua enésima edição. De fato, não é novidade alguma da parte de nossos digníssimos prefeitos, adotarem medidas para legalizar algo que é contra a lei, a fim de faturar um qualquer. Uma espécie invertida de anistia, pois, em geral, libera-se o pagamento de taxas e impostos ao anistiado, desde que ele esteja em acordo com a Lei, a fim de obter algum título. Nesse caso, o título, comumente chamado de mais-valia, é dado justamente a quem está em desacordo com a Lei; e a grana, que é o objetivo do projeto, vai para o bolso da Prefeitura que tá legalizando obra até no Reino de Deus- considerando sua vocação religiosa, por que não? Pagando bem, que mal tem?

Tá complicado, tá confuso? Não se preocupe. Pode piorar ainda mais.

Imagina amanhã vc acordar e descobrir que naquela rua tranquila onde vc morava, meteram uma academia ruidosa na portaria do prédio em frente, um boteco no predio “ex-residencial” ao lado esquerdo, teu vizinho de fundos plantou mais dois pavimentos no predio dele (acabou aquele banho de sol na janela) e o do lado direito, colaram o predio na divisa, tirando aquela corrente de ar simpática que passava por ali… É por aí. O PL é para aprovar coisas como essa, acredite se quiser. Mesmo que seu prédio seja o herói da resistência, e nao se submeta e essa plástica deturpadora, outros poderão fazer em seu entorno, e, com isso, o valor do SEU imóvel, a qualidade de vida da sua rua, do seu bairro, da nossa cidade, descendo a ladeira… de salto quebrado.

Nas versões antecessoras deste PL, a ideia era aprovação de certas obras irregulares, já existentes, com baixo impacto na vizinhança, daí ter recebido nome de Lei de Puxadinho. Mas essa versão é mais completa. Vem com todos os ítens de fábrica. Aceita as obras existentes e admite que outras irregulares venham a ser feitas nessas mesmas condições. Ou seja, “puxadinho” é apelido de mau gosto. Lei do MMA (quase vale-tudo) estaria muito mais adequado.

Mas tem um lado “bom”. Os defensores alertam que o PL terá uma duração curta (ué, mas não era bom pra cidade? por que então não deixam para sempre?). Mas aviso, quando a validade expirar, as sequelas que ele deixará pela cidade, não se extinguirão junto… ao contrário, serão para sempre.
Convenhamos que Lei com dia pra começar e pra acabar, só mostra o quão danosa ela pode ser, quanto mais o tempo passar. É como se dissesse que vc pode pegar uma Covidizinha, só vai durar um tempinho. Para vida toda não, porque pode te fazer mal, entende?

Sr. Prefeito, doença é ruim sempre; e pode matar seja qual for o tempo que durar! E se não for pedir demais, desvie esse dinheiro a ser arrecadado e vá viver sua aposentadoria numa das Ilhas Cayman. Isso a gente até esquecerá, junto com a Lei! Só não use para sua recondução à Prefeitura, por favor. Não suportaremos outro PL que nos leve a substituir o título passageiro do Rio, Capital Mundial da Arquitetura, para algo tipo Rio, Capital Mundial de Puxadões!

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