Publicado originalmente no Diário do Rio, artigo do arquiteto Roberto Anderson, no qual destaca que, salvo algumas intervenções no espaço público exterior, a maior parte dos recursos auferidos pela Operação Urbano Consorciada Vasco da Gama (Projeto de Lei Complementar nº 142/2023) serão usados para a ampliação do estádio do clube, uma entidade privada, e na melhoria do seu parque aquático. “Vale lembrar que, atualmente, o Vasco da Gama é controlado pela 777 Partners, um grupo norte-americano”, afirma.
Conforme destacou a professora e jurista Sonia Rabello em suas redes sociais, o artigo mostra como a manipulação dos instrumentos do Estatuto da Cidade vem sendo usada para piorar e deteriorar o planejamento urbano da Cidade do Rio.
“O Rio é o símbolo do atraso em matéria de planejamento urbano. Uma das poucas capitais do Brasil que não tem a outorga onerosa do direito de construir, deixando de recuperar milhões de reais para a cidade, em prejuízo não só de financiamento de novas intraestruturas de saneamento, transporte, áreas de lazer, como também de uma política viável de habitação social. Ao invés disto, presenteia clubes de futebol com os recursos públicos urbanísticos, transformados em dinheiro, como fez também com o América, na Tijuca. Depois, os cariocas ficam colocando a culpa na fusão, de 50 anos atrás, mas não fazem o dever de casa!”, acrescenta.
Urbe CaRioca
Roberto Anderson: Ao clube do coração, tudo
Não está no Plano Diretor a indicação de que a ampliação do estádio do Vasco da Gama é benéfica para a cidade
Durante muitos anos, os arquitetos e urbanistas, e todos que se interessam pelos destinos das cidades brasileiras, lutaram pela melhoria das legislações incidentes sobre os espaços urbanos. Isto porque os interesses do capital imobiliário sobre o solo urbano impediam que predominasse uma ótica mais voltada para o bem comum, a justiça social, a preservação do Patrimônio e do meio ambiente. Finalmente, com o Estatuto das Cidades, a Lei n° 10.257, de 10 de julho de 2001, abriu-se a possibilidade de que tais princípios fossem incorporados ao direito urbano nacional.
O Estatuto das Cidades trouxe a definição da função social da propriedade, relativizando um pouco o conceito de propriedade e exigindo que o solo urbano, não importando quem seja seu proprietário, deva servir ao bem dos cidadãos que compartilham o mesmo espaço urbano. Assim, por exemplo, terrenos eternamente vazios, à espera de uma futura valorização deixam de ser aceitáveis. Os municípios passaram a ter instrumentos para induzir o seu aproveitamento.
O Estatuto das Cidades instituiu, ainda, diversos novos instrumentos de legislação urbana, como o usucapião urbano, a outorga onerosa do direito de construir, o IPTU progressivo, o parcelamento ou edificação compulsórias, o Estudo de Impacto de Vizinhança, e as operações urbanas consorciadas, as OUCs. Estas últimas devem estar de acordo com as definições do Plano Diretor, e devem ter como finalidade “alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental”. Visam, portanto, obras públicas e melhorias no espaço público.
As intervenções conhecidas como Porto Maravilha são uma típica OUC. Os gabaritos dos terrenos daquela área foram elevados, gerando um novo potencial construtivo, o qual foi posto à venda para financiar as intervenções na estrutura urbana da Área Portuária. É possível discutir se a elevação dos gabaritos foi excessiva, se houve pouco cuidado com o Patrimônio e a paisagem local, e se as obras realizadas foram de qualidade. Mas, os recursos advindos das alterações nos gabaritos geraram recursos que vêm sendo investidos naquela própria área.
Tome-se agora o projeto de lei enviado pelo prefeito carioca à Câmara de Vereadores, que institui a OUC do Vasco da Gama (Projeto de Lei Complementar nº 142/2023). Ela é voltada para beneficiar um clube esportivo, que, por coincidência, é o clube do coração do prefeito. E ela tem vários senões que a caracterizam como uma operação não aceita pela legislação.
Salvo algumas intervenções no espaço público exterior, a maior parte dos recursos auferidos pela operação serão usados para a ampliação do estádio do clube, uma entidade privada, e na melhoria do seu parque aquático. Vale lembrar que, atualmente, o Vasco da Gama é controlado pela 777 Partners, um grupo norte-americano. Nada mais distante do estereótipo de clube de origem popular cultuado pelos torcedores.
Para gerar esses recursos, é definido um potencial construtivo sobre um terreno já edificado. Tal edificação, por ser um estádio de futebol, tem uma área gramada, naturalmente livre. O que a operação proposta faz é imaginar que essa área gramada, e alguns espaços livres no entorno do estádio, seriam passíveis de receber edifícios, o que geraria um valor adicional ao complexo.
Como, obviamente, não se pode edificar no gramado do estádio e nem no seu entorno imediato, o projeto de lei propõe a transferência desse potencial construtivo, artificialmente criado, para outros bairros. Isto é denominado transferência do potencial construtivo, instrumento também previsto no Estatuto das Cidades. No entanto, a associação desses dois instrumentos numa mesma operação é perversa, porque um bairro fica com os recursos auferidos, e seus possíveis benefícios, enquanto outros recebem a pressão de um maior adensamento.
A venda dessa metragem quadrada virtual irá impactar alguma outra área da cidade e os lucros serão transformados num estádio maior, capaz de gerar mais renda para o clube. Não está no Plano Diretor a indicação de que a ampliação do estádio do Vasco da Gama é benéfica para a cidade. Não há previsão no instrumento Operação Urbana Consorciada que outras áreas fora do perímetro da mesma sejam impactadas por pretensas melhorias na área da OUC. Não há no projeto de lei previsão de controle compartilhado com representação da sociedade civil, como previsto no Estatuto das Cidades.
Se houver uma expansão da moda de beneficiar clubes de futebol com a admissão de um potencial construtivo sobre seus gramados, poderemos ver os bairros da cidade impactados pelo que poderia ser construído no gramado do Flamengo, do Fluminense, do Bonsucesso, e de outros tantos que existem por aí. Além disso, é possível que venha aí o novo estádio do Flamengo, no terreno do antigo gasômetro, pertencente à Caixa Econômica, sobre construções que mereceriam ser preservadas. E depois, quem sabe a venda do potencial construtivo do gramado do novíssimo estádio.
A verdade é que o Estatuto das Cidades, elaborado com tantas esperanças positivas, está sendo torcido e retorcido para abrigar operações fora do interesse geral. Por maior que seja a torcida de um clube de futebol, ela não é o conjunto da população, fator que deveria nortear os projetos urbanos.
Vale lembrar que, quando dois botafoguenses ocuparam o governo do estado e a prefeitura, respectivamente Marcelo Alencar e Cesar Maia, um terreno na Praia de Botafogo, ganhou a possibilidade de receber um edifício. Isso permitiu que a mineradora Vale devolvesse ao Botafogo a sede de General Severiano, que ela havia adquirido do mesmo clube, e aceitasse em troca o terreno então valorizado no Mourisco. Como se vê, a paixão pelos clubes do coração opera milagres na legislação urbana.
Roberto Anderson
Roberto Anderson é professor da PUC-Rio, tendo também ministrado aulas na UFRJ e na Universidade Santa Úrsula. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ, onde também se doutorou em urbanismo. Trabalhou no setor público boa parte de sua carreira. Atuou na Fundrem, na Secretaria de Estado de Planejamento, na Subprefeitura do Centro, no PDBG, e no Instituto Estadual do Patrimônio Cultural – Inepac, onde chegou à sua direção-geral.
É realmente muito boa a utilização destes recursos para a ampliação do estádio do clube, uma entidade privada, e na melhoria do seu parque aquático.
Mas REVITALIZAÇÃO DO ENTORNO DO ESTÁDIO DE SÃO JANUÁRIO – que é bom, nem pensar… ninguém fala sobre isso !!!
Extraído do texto de Marcelo Paiva.
“… Todos sabemos que estas reformas já teriam acontecido, caso o evento olímpico “Rugby Rio 2016” tivesse acontecido no estádio de São Januário, cujo evento demandaria obras de Acessibilidade e Mobilidade Urbana em seu entorno, em conjunto com o Programa “Morar Carioca” da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Obras pontuais de modernização também seriam feitas dentro do estádio, de modo a se realizar este Esporte, que retorna ao cenário olímpico após noventa e dois anos.
Este evento olímpico nos proporcionaria uma imensa visibilidade ao Clube Vasco da Gama para o mundo, além das benfeitorias que viriam com essa linha de ação.
Mesmo com a perda do Rugby Rio 2016 em São Januário, o Programa “Morar Carioca” se manteve ativo e a Revitalização do Entorno do Estádio de São Januário foi novamente apalavrada, pelo então prefeito da Cidade do RJ, em Julho de 2014.
Tal revitalização contemplava uma verba prevista no valor de R$ 31.000.000,00 (trinta e um milhões de reais, valor pequeno para tais benfeitorias) para obras de Acessibilidade, Habitação, Regularização Fundiária, Saneamento, Iluminação, Lazer, etc …
Como podemos ver, independente da perda do Rugby Rio 2016 em São Januário, a revitalização do entorno do estádio está em aberto, no compasso de espera em seu modo macro, embora algumas pequenas intervenções estejam sendo feitas até aqui.
Lembramos também, que está prevista a construção da estação São Januário do BRT Transbrasil, na Av. Brasil, em frente ao novo acesso previsto ligando a mesma ao Estádio de São Januário, e uma nova praça em frente a portaria principal do Estádio de São Januário.
Quanto ao projeto inicial orçado em R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) previsto para aquela região, ele beneficiará não somente o Clube Vasco da Gama, mas como todos os moradores, trabalhadores, comerciantes e até mesmo a população da Cidade do Rio de Janeiro, que ganharão novas portas de entrada para aquela região do Bairro de São Cristóvão e adjacências.
Essa iniciativa de revitalização conta com o apoio de moradores, comerciantes, empresários da região e autoridades do Bairro Imperial de São Cristóvão e seus arredores, pois irá alavancar o potencial de investimentos naquele Bairro ao revitalizá-lo, abrindo a possibilidade de novos imóveis habitacionais, comerciais, industriais, culturais, tais como: shoppings, lojas, cinemas, áreas de lazer, postos médicos, entre outros, que mudarão a situação atual de “REGIÃO ESTAGNADA” para “REGIÃO POTENCIALIZADA”!
Outro argumento interessante, que podemos passar dentro do contexto, é o fato de aquela região possuir o apelo Histórico e Cultural.
Pois é uma região que fica a cerca de 2 km da “QUINTA DA BOA VISTA” com seu Museu Histórico e do BioParque, assim como a proximidade do CENTRO DE TRADIÇÕES NORDESTINAS (Popular Feira de São Cristóvão), da CADEG (Centro de Abastecimento Alimentício do RJ), do Museu de Astronomia e Ciências Afins (o MAST), do POLO RIO DE LUSTRES DE BENFICA (o maior polo de Iluminação do Rio), como também do OBSERVATÓRIO NACIONAL, da RÁDIO TUPI RJ (1280 AM/ 96,5 FM), entre outros atrativos daquela Região Histórica e Cultural do Rio. E está é uma das regiões mais centrais da cidade do Rio de Janeiro.
Quanto o Município do Rio de Janeiro, o CRVG e a Iniciativa Privada não perdem, assim como os moradores e turistas da Cidade, em não se PROMOVER um CIRCUITO ESPORTIVO, CULTURAL E HISTÓRICO, aproximando e integrando estes equipamentos com a População ?
Como Vascaínos visionários que somos devemos nos empenhar em cobrar do CRVG, como “carro chefe” de quaisquer linhas de ações naquela região, providências perante o Poder Público, reivindicando tais benfeitorias explanadas nesta matéria. Assim como massificarmos na mídia em geral, este apelo…”