CrôniCaRioca
Andréa Albuquerque G. Redondo
Se você estivesse aqui hoje, em setembro faria cem anos!
Se não pudesse se locomover estaria triste por não poder ‘rosetar’, de terno e gravata flanar faceiro até o Metrô do Largo do Machado e ir ao Jockey do Centro jogar biriba com a turma dos aposentados. Não o prédio lindo que ficava na esquina da Avenida Rio Branco com Rua Almirante Barroso, demolido há tempos. O carteado era no edifício moderno, projeto do Lúcio Costa, o mesmo que fez os Planos Pilotos de Brasília e da Barra da Tijuca. O arquiteto não gostava de velharia, quem diria… Deu parecer favorável à demolição do Monroe, sabia? Coisa ultrapassada! No entanto, morreu velhinho, velhinho… Mas, como o mundo dá muitas voltas, agora estão destruindo a Reserva Marapendi que ele protegeu, e as áreas na Barra que pediu para ficarem intocadas durante muito, muito, muito tempo!
Tudo por causa de um Campo de Golfe inexplicável, e do PEU Vargens, lei feita sob medida para o mercado imobiliário. Que ironia! Mas isso é uma história muito complicada, não dá para explicar, pai, deixa pra lá…
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Por que lotado? Ora, por causa da gambiarra! Juntaram a Linha 1 com a 2… Não, não, não terminaram o pedaço que faltava do Estácio até o Largo da Carioca… Sei, me lembro, já tinham até cavado o buraco pra Estação na Cruz Vermelha, mas tamparam tudo. Sei lá porque não fazem, pai! E ainda estão esticando a Linha 1 até à Barra, chamando de Linha 4, a maior enganação! Coisa de governante – vai entender… Sei, sei, sei que a Companhia construiu um pedaço do Metrô, mas isso é passado distante…
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O Rio está mais mudado ainda do que há dois anos, quando fizemos aquele passeio lindo, lembra? Com a Copa do Mundo e as Olimpíadas a cidade está cheio de novidades… Teve Copa, sim, não estou falando de 1950 não, foi agorinha, no mês de junho! Até o Grande Prêmio Brasil foi antecipado, por causa da bola rolando. Olimpíada, ainda não, só em 2016… Pois é obra pra todo lado, “tudo é pra Olimpíada”!
Vou contar um segredinho.
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Em 2012 eu não quis te mostrar o Maracanã, ou melhor, o que havia sobrado dele, só o anel. Estou falando sério, só o anel! A marquise? Não, pai, não tem mais, demoliram. Sei, sei, a Construtora também esteve lá antes do gol do Uruguai. Sei, paizinho, a Construtora fez o Edifício A Noite, o Copacabana Palace, o Hotel Glória, você já me contou… Como estão o Glória, o Nacional? Hummm… Depois eu conto, tá?
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Companhia Construtora Nacional Acervo Urbe CaRioca |
Mas o estrago no Gigante está feito, não tem jeito. Fui conferir o Maraca e a cobertura nova. Todos dizem que está lindo. Tenho minhas dúvidas, mas sou suspeita. Foi um choque não encontrar a marquise de concreto, reta, lisa, discreta, elegante e vigorosa ao mesmo tempo, metros mais e metros em balanço, um voo estático. Olhares eram só para campo, jogadores, e a bola.
Agora, não, tudo é feérico, a cobertura tem estrutura metálica aparente, luzes e cores que dançam, antes do jogo tem música ensurdecedora e de mau gosto – será que foi escolha da FIFA, também? – a parte descoberta diminuiu – será que por isso fazia tanto calor em julho? O número de espectadores também minguou, mas as torcidas na Copa estavam animadíssimas, um show à parte, tomara que o povo carioca também volte lá.
Não, o povo não vai para a “Geral”, a “Geral” acabou. As colunas? Não são mais azuis, aquele jeito de Anos Dourados, pintaram tudo com tinta cor de concreto. É isso mesmo, paizinho, demoliram a marquise de concreto e pintaram todo o resto justo de cor de concreto, terá sido um mea-culpa?
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Foto: Daniel Ramalho / Terra |
Tem mais, você nem pode imaginar! A vingança veio a cavalo! Queriam que fosse jumento, mas o jegue é meio devagar, veio mais rápido, a cavalo, mesmo. Pois a tal cobertura nova tem design e tecnologia alemãs, sabe? E foram eles, justo eles, os “tedescos”, que meteram um 7 x 1 no Brasil na semifinal da Copa, lá em Belo Horizonte! Verdade! Muito pior do que o 2 x 1 com gol do Ghiggia na final que fez você chorar, o Maraca ainda cheirando a tinta! Os alemães jogaram a final embaixo da cobertura branquinha conterrânea e levaram a Taça! Acho que a marquise esfacelada, mas inteirinha lá no Céu do Patrimônio Cultural demolido, pensou “Se eu não vou ver o Brasil ganhar sob a minha sombra ninguém vai!”. Dizem que tem praga de madrinha, deve ter praga de marquise também.
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MARACANÃ, junho 1950 Internet |
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Por falar em Anos Dourados, o JK voltou. Não, pai, claro que não, são as quitinetes na Zona Portuária, é, lá onde a gente parava na Rodrigues Alves para o trem de carga passar, lembra, antes de pegar a Avenida Brasil e a Washington Luis? Pois é, os conjugadinhos dos anos 1960 é que vão ressuscitar, o presidente Bossa Nova, não, coitado… Querem consertar a besteira que fizeram no projeto do Porto Maravilha, mas a emenda está pior do que o soneto!
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E os engarrafamentos cariocas, meu Deus! Pioram a cada dia, ninguém explica o motivo. Uns dizem que é por causa das obras, outros porque carro está barato e todo mundo agora tem. Barato nada, barata é a prestação pra comprar carro, poucos reais por mês. É paizinho, nossa moeda agora é o “Real”, muito chic – e todo mundo compra carro porque ninguém aguenta mais o transporte público terrível. É sofrimento no ônibus, no carro, no trem… Carro, carro, carro, gente, gente, gente, barulho, poluição… Até no Metrô tem engarrafamento! Não é piada, não! O trem para – ah! esse para não tem mais acento, tá? Um ex-presidente mandou tirar – e uma voz suave diz “Senhores passageiros, estamos aguardando a liberação do tráfego à frente”. Verdade, pai, engarrafa até no túnel do Metrô. Se embaixo da terra tá assim, imagina em cima! E você há mais de vinte anos dizia que quando havia algum problema o trânsito no Rio parecia uma “couve-flor”.
Agora é “couve-flor” todo dia, uma horta na cidade inteira! Um transe! Qualquer trajeto mixuruca e lá se vão duas horas. O Ford 50 ia ferver direto! Trabalhador sai cada vez mais cedo de casa para chegar a tempo no emprego…
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O escudo cheio de charme. Foto: Blog dos Carros Antigos |
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Eu queria contar alguma coisa boa, então nem me pergunte sobre política! Quem já alcançou o Reino dos Céus não merece saber o que se passa em terras brasileiras, fluminenses e cariocas. Aliás, cada um que veja como quiser, afinal, até aqui estamos numa democracia… Uns estão satisfeitos, outros nem tanto… Ué, você não sabe de nada? Como? Tantos já se foram daqui e ninguém te conta? O quê? Nenhum político aí no Céu? Não é possível! Quem sabe alguém já está saindo do Purgatório, pelo menos lá deve ter algum…
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Olha, haja concreto nessa cidade! O Centro e a Barra estão bem diferentes. Muitos edifícios, muitos, os construtores rindo até às orelhas, é um tal de dar gabarito aqui, jogar mais prédios ali, transferir área invisível, leizinha pra cá, leizinha pra lá… Sempre o Gabarito! Saneamento? Hummm… fraco, tudo poluído, as lagoas, a praia, difícil. Pra tentar diminuir engarrafamento em vez de mais Metrô ficam juntando um monte de letrinhas. Tem BRT, BRS, VLT, e nada adianta.
Sabe a Perimetral? Também foi abaixo. Sei, sei, feiosa, sim.. E o mais esquisito é que continuam a construir dezenas de viadutos por aí. Ainda tem a novidade das pontes estaiadas, coisa de país rico lá na Europa. Aqui, um vão à toa pra vencer e já vem uma ponte estaiada, ô vontade de ser primeiro mundo!
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Fico pensando se tanto viaduto novo vai ser demolido também daqui a meio século feito a Perimetral, mas só vamos saber se, quando estivermos papeando aí em cima, e a neném, já crescida, mandar uma cartinha para o Céu no dia dos pais, avós e bisavós, contando como anda o Rio de Janeiro…
Que neném?
Claro! Esqueci a melhor de todas as notícias aqui desta terra redonda-albuquerquiana! Você é “biso”! Ela chegou há quase um ano e é uma graça!
E tem mais! Acho que vai ser urbanista! Quer saber por quê? Vou explicar:
A primeira palavra que disse foi “água”, que para mim é a palavra mais linda da língua portuguesa!
A segunda foi “luz”.
Já estou esperando “casa”, “rua”, “pracinha” e “cidade” antes de “mamãe”, “papai”, “vovó” e “vovô”!
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Saudades, beijos e abraços apertados para você e mãezinha.
Com amor,
Miss Berçário
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CrôniCaRioca de Andréa Albuquerque G. Redondo,
Uma homenagem a todos os pais amorosos: biológicos, adotivos, “adotados” ou escolhidos, presentes e ausentes. E ao Rio de Janeiro.
Agosto, 2014.
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