DEPOIS DO FORD 50, PAIS CARIOCAS 2014

CrôniCaRioca

Andréa Albuquerque G. Redondo




Se você estivesse aqui hoje, em setembro faria cem anos!

Se não pudesse se locomover estaria triste por não poder ‘rosetar’, de terno e gravata flanar faceiro até o Metrô do Largo do Machado e ir ao Jockey do Centro jogar biriba com a turma dos aposentados. Não o prédio lindo que ficava na esquina da Avenida Rio Branco com Rua Almirante Barroso, demolido há tempos. O carteado era no edifício moderno, projeto do Lúcio Costa, o mesmo que fez os Planos Pilotos de Brasília e da Barra da Tijuca. O arquiteto não gostava de velharia, quem diria… Deu parecer favorável à demolição do Monroe, sabia? Coisa ultrapassada! No entanto, morreu velhinho, velhinho… Mas, como o mundo dá muitas voltas, agora estão destruindo a Reserva Marapendi que ele protegeu, e as áreas na Barra que pediu para ficarem intocadas durante muito, muito, muito tempo!

Tudo por causa de um Campo de Golfe inexplicável, e do PEU Vargens, lei feita sob medida para o mercado imobiliário. Que ironia! Mas isso é uma história muito complicada, não dá para explicar, pai, deixa pra lá…



Voltando ao Metrô, nem sei se daria para você usar, anda lotadíssimo, difícil para quem já saiu da adolescência faz tempo. Um aperto, dizem por aí que idosos e grávidas dão sono, pois sempre que entram nos vagões quem está sentado começa a dormir.

Por que lotado? Ora, por causa da gambiarra! Juntaram a Linha 1 com a 2… Não, não, não terminaram o pedaço que faltava do Estácio até o Largo da Carioca… Sei, me lembro, já tinham até cavado o buraco pra Estação na Cruz Vermelha, mas tamparam tudo. Sei lá porque não fazem, pai! E ainda estão esticando a Linha 1 até à Barra, chamando de Linha 4, a maior enganação! Coisa de governante – vai entender… Sei, sei, sei que a Companhia construiu um pedaço do Metrô, mas isso é passado distante…

O Rio está mais mudado ainda do que há dois anos, quando fizemos aquele passeio lindo, lembra? Com a Copa do Mundo e as Olimpíadas a cidade está cheio de novidades… Teve Copa, sim, não estou falando de 1950 não, foi agorinha, no mês de junho! Até o Grande Prêmio Brasil foi antecipado, por causa da bola rolando. Olimpíada, ainda não, só em 2016… Pois é obra pra todo lado, “tudo é pra Olimpíada”!


Vou contar um segredinho.


http://www.cbnfoz.com.br/


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Em 2012 eu não quis te mostrar o Maracanã, ou melhor, o que havia sobrado dele, só o anel. Estou falando sério, só o anel! A marquise? Não, pai, não tem mais, demoliram. Sei, sei, a Construtora também esteve lá antes do gol do Uruguai. Sei, paizinho, a Construtora fez o Edifício A Noite, o Copacabana Palace, o Hotel Glória, você já me contou… Como estão o Glória, o Nacional? Hummm… Depois eu conto, tá?


Companhia Construtora Nacional
Acervo Urbe CaRioca

Mas o estrago no Gigante está feito, não tem jeito. Fui conferir o Maraca e a cobertura nova. Todos dizem que está lindo. Tenho minhas dúvidas, mas sou suspeita. Foi um choque não encontrar a marquise de concreto, reta, lisa, discreta, elegante e vigorosa ao mesmo tempo, metros mais e metros em balanço, um voo estático. Olhares eram só para campo, jogadores, e a bola. 

Agora, não, tudo é feérico, a cobertura tem estrutura metálica aparente, luzes e cores que dançam, antes do jogo tem música ensurdecedora e de mau gosto – será que foi escolha da FIFA, também? – a parte descoberta diminuiu – será que por isso fazia tanto calor em julho? O número de espectadores também minguou, mas as torcidas na Copa estavam animadíssimas, um show à parte, tomara que o povo carioca também volte lá.




Não, o povo não vai para a “Geral”, a “Geral” acabou. As colunas? Não são mais azuis, aquele jeito de Anos Dourados, pintaram tudo com tinta cor de concreto. É isso mesmo, paizinho, demoliram a marquise de concreto e pintaram todo o resto justo de cor de concreto, terá sido um mea-culpa?



Foto: Daniel Ramalho / Terra

Tem mais, você nem pode imaginar! A vingança veio a cavalo! Queriam que fosse jumento, mas o jegue é meio devagar, veio mais rápido, a cavalo, mesmo. Pois a tal cobertura nova tem design e tecnologia alemãs, sabe? E foram eles, justo eles, os “tedescos”, que meteram um 7 x 1 no Brasil na semifinal da Copa, lá em Belo Horizonte! Verdade! Muito pior do que o 2 x 1 com gol do Ghiggia na final que fez você chorar, o Maraca ainda cheirando a tinta! Os alemães jogaram a final embaixo da cobertura branquinha conterrânea e levaram a Taça! Acho que a marquise esfacelada, mas inteirinha lá no Céu do Patrimônio Cultural demolido, pensou “Se eu não vou ver o Brasil ganhar sob a minha sombra ninguém vai!”. Dizem que tem praga de madrinha, deve ter praga de marquise também.



MARACANÃ, junho 1950
Internet



Por falar em Anos Dourados, o JK voltou. Não, pai, claro que não, são as quitinetes na Zona Portuária, é, lá onde a gente parava na Rodrigues Alves para o trem de carga passar, lembra, antes de pegar a Avenida Brasil e a Washington Luis? Pois é, os conjugadinhos dos anos 1960 é que vão ressuscitar, o presidente Bossa Nova, não, coitado… Querem consertar a besteira que fizeram no projeto do Porto Maravilha, mas a emenda está pior do que o soneto!


E os engarrafamentos cariocas, meu Deus! Pioram a cada dia, ninguém explica o motivo. Uns dizem que é por causa das obras, outros porque carro está barato e todo mundo agora tem. Barato nada, barata é a prestação pra comprar carro, poucos reais por mês. É paizinho, nossa moeda agora é o “Real”, muito chic – e todo mundo compra carro porque ninguém aguenta mais o transporte público terrível. É sofrimento no ônibus, no carro, no trem… Carro, carro, carro, gente, gente, gente, barulho, poluição… Até no Metrô tem engarrafamento! Não é piada, não! O trem para – ah! esse para não tem mais acento, tá? Um ex-presidente mandou tirar – e uma voz suave diz “Senhores passageiros, estamos aguardando a liberação do tráfego à frente”. Verdade, pai, engarrafa até no túnel do Metrô. Se embaixo da terra tá assim, imagina em cima! E você há mais de vinte anos dizia que quando havia algum problema o trânsito no Rio parecia uma “couve-flor”. 

Agora é “couve-flor” todo dia, uma horta na cidade inteira! Um transe! Qualquer trajeto mixuruca e lá se vão duas horas. O Ford 50 ia ferver direto! Trabalhador sai cada vez mais cedo de casa para chegar a tempo no emprego…


MEU PAI E O FORD 1950

O escudo cheio de charme.
Foto: Blog dos Carros Antigos



Eu queria contar alguma coisa boa, então nem me pergunte sobre política! Quem já alcançou o Reino dos Céus não merece saber o que se passa em terras brasileiras, fluminenses e cariocas. Aliás, cada um que veja como quiser, afinal, até aqui estamos numa democracia… Uns estão satisfeitos, outros nem tanto… Ué, você não sabe de nada? Como? Tantos já se foram daqui e ninguém te conta? O quê? Nenhum político aí no Céu? Não é possível! Quem sabe alguém já está saindo do Purgatório, pelo menos lá deve ter algum…



Olha, haja concreto nessa cidade! O Centro e a Barra estão bem diferentes. Muitos edifícios, muitos, os construtores rindo até às orelhas, é um tal de dar gabarito aqui, jogar mais prédios ali, transferir área invisível, leizinha pra cá, leizinha pra láSempre o Gabarito! Saneamento? Hummm… fraco, tudo poluído, as lagoas, a praia, difícil. Pra tentar diminuir engarrafamento em vez de mais Metrô ficam juntando um monte de letrinhas. Tem BRT, BRS, VLT, e nada adianta. 

Sabe a Perimetral? Também foi abaixo. Sei, sei, feiosa, sim.. E o mais esquisito é que continuam a construir dezenas de viadutos por aí. Ainda tem a novidade das pontes estaiadas, coisa de país rico lá na Europa. Aqui, um vão à toa pra vencer e já vem uma ponte estaiada, ô vontade de ser primeiro mundo!



Fico pensando se tanto viaduto novo vai ser demolido também daqui a meio século feito a Perimetral, mas só vamos saber se, quando estivermos papeando aí em cima, e a neném, já crescida, mandar uma cartinha para o Céu no dia dos pais, avós e bisavós, contando como anda o Rio de Janeiro…

Que neném?

Claro! Esqueci a melhor de todas as notícias aqui desta terra redonda-albuquerquiana! Você é “biso”! Ela chegou há quase um ano e é uma graça!

E tem mais! Acho que vai ser urbanista! Quer saber por quê? Vou explicar:

A primeira palavra que disse foi “água”, que para mim é a palavra mais linda da língua portuguesa! 

A segunda foi “luz”.

Já estou esperando “casa”, “rua”, “pracinha” e “cidade” antes de “mamãe”, “papai”, “vovó” e “vovô”!


Saudades, beijos e abraços apertados para você e mãezinha.

Com amor,

Miss Berçário




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CrôniCaRioca de Andréa Albuquerque G. Redondo,
Uma homenagem a todos os pais amorosos: biológicos, adotivos, “adotados” ou escolhidos, presentes e ausentes. E ao Rio de Janeiro.
Agosto, 2014.

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