Matéria publicada originalmente no Diário do Rio revela que ofício do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) alerta que a Igreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo, fundada em 1750, na Praça XV (antigo Largo do Paço) corre risco iminente de incêndio, além de estar à beira de um colapso estrutural. Mais um tesouro da memória do Rio de Janeiro e do Brasil que entra para as estatísticas do do descaso e do abandono, justamente em um dos corredores históricos mais famosos do centro da cidade.
Urbe CaRioca
Risco de incêndio ameaça igreja do século XVIII no Centro, alerta Iphan
O imóvel poderia estar à beira de um colapso, com diversos danos constatados na fachada e em seu interior. O templo é vizinho da Antiga Sé, que foi restaurada, e o isolamento externo que protegeria os transeuntes já está totalmente deteriorado.
Mais um tesouro da memória do Rio de Janeiro e do Brasil vem sofrendo com o descaso e o abandono, justamente em um dos corredores históricos mais famosos do centro da cidade. A Igreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo, fundada em 1750, na Praça XV (antigo Largo do Paço) corre risco iminente de incêndio, além de estar à beira de um colapso estrutural. É o que revela um ofício do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) encaminhado à Defesa Civil do RJ, ao Corpo de Bombeiros e à própria Ordem Terceira do Carmo, proprietária do imóvel, localizado na Rua Primeiro de Março. O DIÁRIO DO RIO teve acesso ao alarmante ofício, que cita vistorias realizadas no histórico templo que é vizinho de parede de uma das mais importantes Igrejas do país, a Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, que foi restaurada e é de propriedade da Arquidiocese do Rio de Janeiro, onde foram coroados um Rei de Portugal e dois Imperadores do Brasil e em cuja cripta estão restos mortais de Pedro Alvares Cabral.
O documento federal foi produzido com o objetivo de solicitar imediatas vistorias dos órgãos competentes na esfera estadual e municipal, a partir de uma fiscalização realizada por agentes do Iphan, onde foi constatada uma série de problemas que colocam o bem cultural em grave risco. Entre estes problemas; infiltrações, falta de equipamentos completos de detecção e combate a incêndios, falta de sinalização contra incêndio e pânico, fissuras, trincas e rachaduras na fachada, que se encontra isolada por grades de ferro enferrujadas e amassadas, largadas pela calçada como se fossem lixo (foto abaixo). A fiscal Catherine Gallois, do Iphan, qualificou o estado do imóvel, após vistoria, como “Péssimo“: o laudo é um filme de terror.
Ainda segundo o relatório do Iphan, o interior da construção também apresenta problemas generalizados de conservação, com estado avançado de deterioração de diversos materiais e elementos construtivos, além de acervos em péssimas condições ambientais se deteriorando. Haveria também indícios de infestação de cupins, segundo fontes do DIÁRIO DO RIO, que também mencionaram gambiarras elétricas e o iminente risco que apresenta à Igreja vizinha, que está em ótimo estado e onde repousam restos mortais do descobridor do Brasil.
O cenário de negligência registrado pelo Iphan contrasta com os eventos históricos que tiveram a Igreja da Nossa Senhora do Monte do Carmo como pano de fundo, como a coroação do rei Dom João VI e dos imperadores Dom Pedro I e Dom Pedro II, batismos e casamentos da realeza, como o da princesa Isabel. Vale notar que a própria Igreja que ameaçaria ruir sempre foi uma das mais reputadas para a realização de faustosos casamentos da elite carioca, e é um dos mais importantes monumentos religiosos da segunda metade do século XVIII, sendo a única igreja colonial que apresenta sua frontaria totalmente revestida de pedra.
Em vistoria do dia 7/10/2022, o Iphan afirma: “As fissuras que ‘cortam’ a igreja num plano vertical paralelo à fachada passando no alinhamento do primeiro módulo da galeria lateral / tribuna deverão ter suas causas investigadas. Este mesmo plano de fissuração também atinge a igreja vizinha (Antiga Sé). As fissuras estariam estabilizadas; porém, não nos constam documentos que atestem as causas, descrevam detalhadamente a extensão e características das fissuras e nem laudos que afirmem que elas estão de fato estabilizadas“.
Um eventual incêndio pode destruir não só a igreja, mas também colocar em risco a vida de centenas de pessoas que trabalham nos muitos empreendimentos comerciais que são vizinhos do monumento, assim como quem transita diariamente pela área, e a própria Igreja vizinha, que foi a Catedral do Rio até 1976 e cujo restauro recebeu milhões de reais dos cofres do BNDES e de outros doadores, além da própria Arquidiocese.
O imóvel é patrimônio cultural do país e pertence à Venerável Ordem Terceira do Monte do Carmo, cujas propriedades em geral se encontram em estado preocupante e são objeto de diversos processos judiciais que tentam obrigar a associação ‘católica’ a tomar conta de seu patrimônio histórico. Um destes processos, movido pelo próprio Iphan contra a Ordem, data de mais de 23 anos atrás, e até o momento não surtiu qualquer efeito. Aliás, essa é uma triste realidade desse tipo de imóvel na área central do Rio. As ruínas e quase-ruínas que pertencem a algumas ordens religiosas particulares têm aumentado ano após ano.
É o caso do último oratório setecentista do Centro, um monumento do século XVIII, bem tombado federal e que se encontra destruído, após anos de descaso. Só sobrou ele, de 73 oratórios que existiam pela cidade e serviam de referência numa época em que apenas estes pequenos santuários tinham iluminação noturna, na cidade. O oratório e sua armação provisória de madeira que já tem mais de 15 anos foi vistoriado pela Prefeitura na manhã de hoje.
Caso semelhante pode se aplicar à pequena Igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, também tombada pelo Iphan, mas que recentemente foi interditada pela Defesa Civil. Ela também pertence a uma irmandade que transformou o descuido em política. O edifício padece dos mesmos problemas de desprezo e descuido pela arquitetura histórica da cidade, mas pode ter novas esperanças pois em Outubro de 2022 a Arquidiocese do Rio conseguiu intervir na Irmandade por ele responsável, e nomeou um interventor, possivelmente com o intuito de dar destino mais faustoso ao belíssimo templo, que fica na Rua do Ouvidor, 35. Oxalá, mas ele ainda se encontra fechado.
Os gestores responsáveis por esse panorama até recebem multas exorbitantes pelo descumprimento consecutivo de notificações, mas a situação não muda, nem com os diversos processos judiciais contra eles ajuizados, mesmo na esfera federal. A omissão com a paisagem urbanística, o valor histórico e cultural e, sobretudo, a integridade das pessoas, segue não sendo levada em consideração. Vale destacar que tais imóveis centenários são isentos de IPTU por pertencerem a estas instituições, consideradas filantrópicas.
Essas irmandades são ordens religiosas leigas, que apesar de professarem – ao menos em tese – a fé católica, são independentes da Igreja e não estão sob o comando da Arquidiocese do Rio, que não tem responsabilidade nem ingerência sobre os templos que têm administração independente. São como associações de pessoas que não são padres nem freiras mas que mantinham igrejas particulares. Teoricamente, a Arquidiocese poderia interferir e intervir nas ordens ou irmandades que se encontram em dificuldades ou que enfrentam administrações danosas a seu patrimônio, porém ao fazê-lo a Igreja arriscaria ter responsabilidade sobre suas dívidas, inclusive trabalhistas.
Em contato com o DIÁRIO DO RIO, a administração da Ordem Terceira do Carmo não quis entrar em detalhes, alegando que havia acabado de receber o ofício do Iphan, alertando para o risco de incêndio. Contudo informou que o espaço encontra-se desativado desde 2019, justamente por conta das ameaças à estrutura do local. Não deu explicações acerca do que fazer caso o imóvel sofra um sinistro que afete todo o patrimônio histórico vizinho, e nem a antiga catedral carioca, recém restaurada.
Questionada sobre as providências que serão tomadas frente ao perigo que o prédio representa, a ordem informou que possui um imóvel comercial, na Rua Primeiro de Março, que está à venda. Averiguamos e o imóvel é o número 11 da antiga rua Direita. O valor (não revelado) seria destinado exclusivamente para a reforma da paróquia. O DIÁRIO consultou corretores de imóveis atuantes no Centro. O Corretor Nelson Borges estimou o valor do prédio em menos de 3 milhões de reais, e citou como exemplo o edifício da rua da Assembléia, numero 11, com cerca de 4.000m2 e 13 andares, vendido ao SESCOOP por 11,5 milhões de reais, em estado totalmente reformado.
Procurados pelo DIÁRIO DO RIO, Defesa Civil e Corpo de Bombeiros não se manifestaram ainda sobre o grave risco que corre o histórico templo setecentista. O espaço segue aberto para as considerações de ambos os órgãos. Todas as fotos internas desta reportagem foram retiradas do Laudo do Iphan.