Um dos hotéis mais luxuosos do Rio de Janeiro à época quando foi inaugurado em 1914, o Hotel Moderno, na Rua Cândido Mendes, em Santa Teresa, no Centro, oferecia uma vista deslumbrante da Baía de Guanabara e do Pão de Açúcar. Embora o prédio, atualmente em ruínas, ainda esteja de pé, sua história é digna de um filme.
O casarão de estilo eclético, com quatro andares, atualmente refletem um estado lastimável. Os invasores continuam no local, e argumentam ter direitos à propriedade; porém, não existe usucapião sobre imóvel público, e o prédio pertence hoje ao Governo Federal.
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Hotel Moderno, em Santa Teresa: A história do luxo, do lixo e da espionagem nazista
Por Bruna Castro – Diário do Rio
Considerado um dos hotéis mais luxuosos do Rio de Janeiro quando foi inaugurado em 1914, o Hotel Moderno, localizado na Rua Cândido Mendes, n°283, em Santa Teresa, no Centro da cidade, tinha uma belíssima vista para a Baía de Guanabara e o Pão de Açúcar. O prédio, arruinado, continua lá, e sua história é digna de um filme.
O casarão em estilo eclético, de 4 andares, contava com 65 apartamentos e tudo o que havia de mais moderno na época, como: energia elétrica, dois elevadores, água corrente fria e quente em todos os quartos, ventiladores de teto, imenso restaurante e refeitório e “nada menos” que sete banheiros com água quente e telefones. Daí, o nome Moderno.
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De acordo com a propaganda da época, o Hotel contava com uma “cozinha internacional” e todos os seus funcionários falavam fluentemente francês, inglês, espanhol e alemão. Os anúncios também destacavam como qualidades do Moderno: o silencio, o ar puro da parte alta de Santa Teresa e a ausência de “pó” (poluição no ar). Tantas qualidades faziam do Moderno – ou Moderne – praticamente uma casa francesa de primeira linha.
Nomes ilustres ficaram hospedados no Hotel Moderno, entre eles está o da bailarina e coreografa norte-americana, Isadora Duncan, precursora da dança moderna. Duncan era uma das frequentadoras do palacete da mecenas e herdeira do grupo Mate Laranjeira, a feminista Laurinda Santos Lobo, também conhecida como a “marechala da elegância”. Ela era sobrinha de Joaquim Murtinho. A então elegantérrima residência de Laurinda ficava próxima ao Largo do Curvelo, onde hoje é o Parque das Ruínas.
A passagem de Duncan foi noticiada de forma rumorosa pela imprensa da época. É possível ver um raro registro fotográfico da artista, que morreria onze depois em um acidente de carro na França, na parte externa do Hotel Moderno com a Baía de Guanabara ao fundo.
Toda a modernidade e sofisticação do prestigioso estabelecimento não resistiram às mudanças sociais e econômicas da época que levaram o Hotel Moderno a encerrar as suas atividades, deixando órfãos uma legião de hóspedes e admiradores dos tempos do Rio Antigo. Durante muito tempo, ele foi chamado também de Hotel Inglês, embora jamais tenha sido este seu nome oficial.
Na década de 1940, o Hotel Moderno voltaria a ser destaque no Rio, após o rumoroso caso do advogado brasileiro descendente direto de alemães, Otto Surerus, acusado de espionagem pelo Procurador do Tribunal de Segurança, Gilberto de Andrade, a quem ameaçou de morte por conta da denúncia, prometendo a ira do então poderoso regime nazista alemão.
Surerus fazia parte de uma rede de espionagem ligada a um grupo nazista liderado pelo austríaco naturalizado brasileiro, Ferdinand Baron Bianchi cuja missão era ajudar a Alemanha nazista na frente de guerra, além de difundir as ideias hitleristas no território brasileiro. Como estratégia de atuação do grupo, em outubro de 1940, Otto Sererus comprou o bonito prédio do Hotel Moderno, o qual era usado para fins partidários nazistas e espionagem. De lá, Otto caluniava e ameaçava autoridades e demais cidadãos, hospedando outros nazistas, e usando o local para reuniões e conspirações. Lá, foram encontrados documentos secretos do governo Brasileiro, num caso cinematográfico de espionagem internacional.
Em carta endereçada ao então procurador Gilberto de Andrade, Otto Sererus dizia: “Antes que possa saborear o prazer de ver-me preso condenado por espião, vencerá – podes estar certo – a grande e invencível Alemanha, e Hitler mandará te cortar a cabeça. O Brasil, onde, por fatalidade geográfica, fui nascido, necessita ainda de dois a três séculos de colonização sob o chicote alemão. E o terá, Deus o quer! – Um de nós”. Otto foi preso, assim como outros membros do grupo de espiões nazistas que atuavam no Brasil, no prédio do Hotel e numa outra casa, na rua Joaquim Murtinho.
Com a prisão dos simpatizantes de Hitler, que usavam as suas dependências para realizar reuniões e tramar contra pessoas e nação brasileira, o Hotel Moderno – que também chegou a chamar-se Vista Mar – teve as suas atividades novamente encerradas. Anos depois passou a ser locado por produtoras de cinema. Posteriormente, foi alugado a uma entidade católica, que por fim abandonou-o. Depois, provavelmente de forma não-oficial, passaram a ser alugados os seus quartos, como apartamentos comuns. Alguns dos moradores atuais se dizem descendentes de alguns destes últimos hóspedes.
Na década de 1990, a situação se degradou ainda mais, e o Hotel Moderno virou um verdadeiro cortiço que está de pé até os dias atuais, sem nem de longe dar uma única mostra do luxo e da sofisticação do passado. Sua fachada está degradada, e por dentro quase que totalmente destruído, ganhou o apelido de “pulgueiro chique” pelos moradores da localidade.
Segundo informações obtidas pela reportagem, o imóvel, apesar de invadido por diversos moradores, é propriedade da União Federal, desde seu confisco dos nazistas nos anos 40.
As fotos do site Rio – Casas e Prédios Antigos, de Rafael Bokor, dão a pista do estado lastimável em que hoje se encontra o belo imóvel. Que um dia seja arrematado por quem possa restaurá-lo à glória de outrora. No final do Governo Bolsonaro, a Superintendência do Patrimônio da União chegou a se movimentar para vender o imóvel através de um programa de desinvestimento, mas o negócio acabou não indo pra frente. Os invasores continuam no local, e argumentam ter direitos à propriedade; porém, não existe usucapião sobre imóvel público, e o prédio pertence hoje ao Governo Federal.