O Gigante Apunhalado
Chico Fonseca
Como um paquiderme mergulhado em sono
Que da água assoma em susto despertado
Ergue-se em pedra o monumento soberano
Com cinzel divino em rocha esculturado
Do alto do seu pináculo imponente
Rasgando flocos de nuvens desgarradas
Observa a baía em vigília permanente
Destes mares hoje e dantes navegados
Viu barcos, brigues, caravelas seculares
Do índio primitivo ao conquistador lusitano
E outras tantas embarcações milenares
Viu piratas e corsários, o virtuoso e o profano
O seu olhar não vai além da Taprobana*
Mas mantém todo o contorno da baía vigiado
De lá ele toma conta da praia de Copacabana
Com Niterói à frente e ao fundo o Corcovado
Mas cesse tudo que a antiga musa canta
Que chegou o agressor em atitude sorrateira
Como a mão assassina do punhal que se alevanta
Subiu o morro decidido e armado de britadeira
Usando de Camões o poema, engenho e arte
Chamo a atenção das gentes de toda parte
É que o intruso perigoso, em ganância disfarçada
Já desferiu vários golpes contra a nossa pedra sagrada
Que se apague o brilho cortante da lâmina infame
Que se tome do assassino o punhal envenenado
Que se estanque do herói o sangue do derrame
Pra que se mantenha firme o gigante apunhalado
Poetas, compositores, turistas e toda a população
Uni-vos em manifesto contra a traiçoeira agressão
Mostremos para o mundo que esse ataque covarde
Desrespeita nosso ícone com o apoio da autoridade
Lutemos juntos pelo nosso patrimônio tombado
Comparem com Paris, Roma e Veneza
Que mais graça tem nosso morro venerado
Sem essa infame e mal-amada tirolesa
*Denominação antiga do atual Sri Lanka, país em forma de lágrima, mencionado em Os Lusíadas
Chico Fonseca nasceu em São Luís, Maranhão, em 1949. É arquiteto e urbanista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, cidade onde exerceu sua profissão e mora até hoje. Casado, tem um casal de filhos e duas netas. Sempre dedicado à escrita, à literatura e à história do Maranhão, publicou crônicas, contos e poemas em blogs e outras mídias.