Neste artigo, publicado originalmente no site “A Sociedade em Busca do seu Direito”, a professora e jurista Sonia Rabello aborda o anúncio feito pelo prefeito do Rio há poucos dias sobre a intenção de armar a Guarda Municipal da Cidade, sem apresentar à sociedade carioca o estudo no qual se baseia e que demonstre como, em que circunstâncias, e com que custo alcançará resultados positivos na melhoria da segurança pública.
“Armar uma guarda municipal não pode e não deve ser somente um gesto político. A simples remessa de um projeto de lei à Câmara Municipal, sem apresentação de estudos, debates e consultas à sociedade civil, não atenderá ao amadurecimento civil que um assunto de tamanha importância requer”, destaca Sonia Rabello.
Rio: armar a Guarda Municipal ajudará a Segurança Pública ou não?
Sonia Rabello
A Prefeito do Rio – E.Paes – anunciou há poucos dias que quer armar a Guarda Municipal da Cidade. Contudo, não apresentou à sociedade carioca o estudo no qual se baseia (se é que existe), e que demonstre como, em que circunstâncias, e com que custo armar a Guarda Municipal da Cidade alcançará resultados positivos na melhoria da Segurança Pública.
Armar uma guarda municipal não pode e não deve ser somente um gesto político, a simples remessa de um papel – projeto de lei – para a Câmara Municipal. A Cidade do Rio, com gravíssimos problemas de Segurança Pública, com forte presença de milícia armada e de “escolas” do tráfico de drogas, armas e munições, não pode se dar ao luxo de tratar este assunto só politicamente. E, a remessa de um projeto de lei à Câmara, sem apresentação de estudos, debates e consultas à sociedade civil, não atenderá ao amadurecimento civil que um assunto de tamanha importância requer.
E mais, num momento em que o Governo Federal – contrariando grande parte da vontade da população civil – está facilitando enormemente o acesso às armas privadas e munições, seria este o momento de reagir à violência com mais armas ? Seria plausível o argumento de que, num primeiro momento, o armamento seria apenas dirigido ao uso em circunstâncias especiais, e por alguns guardas treinados? Quem acredita que, depois da porta arrombada, a Prefeitura, que não consegue nem fiscalizar mesa de bar em calçada e nem iluminá-las decentemente, conseguirá conter o fascínio de uma corporação (não de toda) por uma pistola na cintura?
A lei orgânica (LOM) da Cidade, de 1992 – feita logo após a retomada da democracia no país – ainda é o retrato do desejo do cidadão da Cidade. É por isso que, no seu art.30, VII da LOM a previsão de instituição da Guarda Municipal era (e ainda é) condicionada à “desde que não façam uso de armas”.
Há um perigoso, porque amplo, projeto de lei tramitando na Câmara Municipal do Rio que permitiria o uso de armas pela Guarda em qualquer patrulhamento preventivo na Cidade; e, claro, este projeto foi proposto, em 2018, sem qualquer estudo ou debate com a sociedade civil. Seria mais um palpite dos vereadores proponentes querendo mostrar serviço com produção de papel?
Armar a Guarda Municipal pode ser um erro fatídico para esta combalida cidade. Os governos anteriores já erraram muito, por falta de estudos, diagnósticos, e planejamento de ações que efetivamente relacionem causa e efeito das propostas de governo com o que pretendem corrigir com suas ações.
Erros na mobilidade urbana, no urbanismo, na construção de elefantes brancos, nas isenções, entre outros. Mas, na já precária segurança dos cidadãos, aí a improvisação e os palpites políticos podem ceifar vidas, e causar desastre e mais insegurança por décadas. Por isso, os estudos, os diagnósticos, e a relação de causa e efeito de uma proposta tão delicada não deve prescindir de amplo debate prévio com a sociedade civil. É esta sociedade civil que, em relação a este assunto, tem as suas preocupações e reticências, como mostra a nota técnica preparada pela Rio+, ou a Manifestação da “Justiça Global”.
Quem sabe se, a partir deste assunto, a Cidade do Rio comece exigir uma participação mais ampla da sociedade civil nas grandes propostas de governo na Cidade? Quem sabe passe a considerar ter um Conselho da Cidade, amplo, democrático, participativo? Quem sabe assim, os Governos consigam repartir, com a sociedade civil, a responsabilidade pelos acertos e pelos erros? Quem sabe…
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