O geógrafo Hugo Costa já nos brindou com o artigo BRT TRANSCARIOCA, UM LEGADO PARA QUEM?, de enorme repercussão neste blog, com mais de 2000 visualizações em apenas 48 horas, e ainda o mais lido dos últimos 30 dias.
Em novo texto, o autor traça um panorama da Zona Norte da Cidade, região que precisa da atenção dos gestores públicos para além das falhas encontradas nos (des)caminhos do BRT.
Boa leitura.
Urbe CaRioca
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UM RETRATO DA ZONA DA LEOPOLDINA
NA GEOGRAFIA CARIOCA
Hugo Costa
A região assim chamada por seus bairros serem cortados pela Antiga Estrada de Ferro Leopoldina, tem forte identificação cultural e geográfica com uma parcela de moradores da Zona Norte. Também é conhecida como a terra do samba e do choro (lar do Bloco Carnavalesco Cacique de Ramos, da Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense e do saudoso Pixinguinha), possui um dos mais antigos pontos turísticos da Cidade do Rio de Janeiro, a Igreja da Penha. Foi famosa também pelas suas calmas e cristalinas praias na Baía da Guanabara, e referência na Belle Époque carioca como um local de moradia abastada. No entanto, sua franca decadência nos últimos 40 anos assusta uma geração inteira que a viveu.
Nem tudo pode ser apenas nostalgia: indicadores mostram as carências e as oportunidades de reversão deste cenário, o que pode impedir enorme dispêndio – áreas e serviços públicos – decorrente do crescimento rumo à zona oeste ditado meramente por especulação imobiliária e lucro privado ou intencional isolamento , que lembra a reprodução de procedimento usado no passado com Zona da Leopoldina para a “higienização” da Zona Sul do Rio.
Quando se trata da Zona da Leopoldina, o mais importante é conhecer a região além do estereótipo de violência de seus bairros vizinhos (Bairro Complexo do Alemão e Bairro Maré). Engana-se quem acha que conhecê-la seria apenas andar por suas ruas e conversar com os moradores sobre passado e presente. A própria internet já disponibiliza dados sobre o cenário atual da Zona da Leopoldina e de todo o Rio de Janeiro, dados que serão comentados principalmente sobre os bairros da X e XI Regiões Administrativas – Bonsucesso, Brás de Pina, Olaria, Penha, Penha Circular e Ramos -, que compõem a área em questão.
Apesar do dito histórico de violência do entorno da região, os indicadores do ISP (Instituto de Segurança Pública) mostram que a Zona da Leopoldina apresenta dados condizentes com outros bairros da Zona Norte, inclusive inferiores a alguns bairros considerados nobres.
Além do ISP, os ambientes pesquisados foram: IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o IPP (Instituto Pereira Passos), e documentos da própria Prefeitura do Rio.
Chama a atenção, com base no RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) 2013, a distribuição geográfica da Massa Salarial – valor total de salários pagos em empregos formais do local – no território carioca. A Área de Planejamento 1 (Centro do Rio mais alguns bairros próximos) indubitavelmente ocupa o primeiro lugar, mas cabe à AP3 (Regiões Administrativas do Méier, Madureira, Maré, Inhaúma, Irajá, Anchieta, Ramos, Penha e Ilha do Governador) o segundo lugar. A Zona da Leopoldina representa a maior parcela com 30% (RA de Ramos e Penha) desta renda formal na AP3, sendo seguido pela RA Ilha do Governador com 21%, ou seja, a Zona da Leopoldina ainda tem representação importante na geração de salários no município do Rio.
Outro indicador que chama atenção na AP3 é o uso do solo: 83,87% da área útil (excluindo afloramentos rochosos, hidrografia e áreas sedimentares) é utilizada, mais até que a AP1 com 82,38%. Na AP3 predomina o uso residencial com 62,1%, sendo, portanto, a área de planejamento com maior uso de solo para fins residenciais do Rio de Janeiro, como ratifica o IBGE: conforme o Censo 2010, 38% da população carioca lá residem.
Dois indicadores combinados geram um quadro positivo: a alta utilização do solo para residências e a renda disponível. Mas a realidade é diferente. Apesar da boa geração de renda, os anos de degradação do espaço público da região estimularam a população a migrar seletivamente,principalmente famílias de maior renda que escolhem outro lugar para morar, mantendo sua fonte de renda em uma região e levando o seu consumo em bens e serviços para outra, transformando a cidade em um constante caos para a mobilidade urbana, com engarrafamentos, e dificultando o planejamento de logística de abastecimento e o planejamento da oferta de serviços particulares e públicos.
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Mas o que evitaria esta polarização da cidade do Rio de Janeiro? De início, poderia ser o balanceamento de oferta de espaços e serviços municipais entre as regiões de forma a motivar a reocupação da área. No Plano Estratégico da Prefeitura do Rio 2009 – 2012 lê-se:
“Há um grave desequilíbrio no nível e dinamismo econômico entre as diversas regiões da cidade (Barra x zona da Leopoldina, por exemplo)”.
Há desequilíbrio também quanto à oferta de áreas de lazer: a análise geográfica com dados de 2013 mostra que a AP3 tem o menor percentual de áreas de lazer da cidade (12%), embora lá resida mais de um terço dos cariocas. Em comparação, a AP2 (Zona Sul e Grande Tijuca) possui 20% das áreas de lazer e tem apenas 16% da população. A Zona Oeste (AP 4 e AP 5 juntas) tem 60% das áreas de lazer com um pouco mais de habitantes que a AP3. Como agravante triste, as praias da AP3 enquanto áreas de lazer se tornaram inúteis nos anos 80 devido ao nível de poluição registrado.
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O plano que poderia alterar esta situação previa a construção do Parque Olímpico na Área de Planejamento 3, próximo à Zona da Leopoldina, mas seria necessário resolver a questão do esgoto lançado in natura na região. A decisão foi não tratar o esgoto e construir a estrutura na Baixada de Jacarepaguá, aumentando a disponibilidade de áreas de lazer na Zona Oeste para além dos 60%. O Parque Madureira, com as expansões e sua área total, aumentou essas áreas em apenas 1% na AP3, crescimento anulado no quadro geral devido à concomitante destruição das praças na Zona da Leopoldina.
A questão ambiental é um aspecto também discrepante na região: toda área da AP3 dispõe apenas 7,74% de cobertura vegetal, perdendo até para a AP1, que possui 14,83%. Em comparação, áreas de planejamento ditas mais nobres da Cidade possuem entre 40% e 50% de seus territórios cobertos por área verde. Os piores indicadores dentro a AP3 recaem, mais uma vez, sobre a Zona da Leopoldina, com destaque para a inexpressiva contribuição da Região Administrativa de Ramos, o que afeta diretamente a saúde e conforto ambiental da população desta região.
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Com base em estatísticas, verificamos onde a gestão municipal precisa atuar em benefício da Zona da Leopoldina para que não se perpetue o estigma de uma região da cidade “perdida”. Números e estatísticas são gerados para que auxiliem a administração pública: não cabe ao gestor público ignorá-los, mas, sim, utilizá-los para identificar as necessidades da população e melhorar a qualidade de vida em toda cidade e levar à economia na máquina municipal com maximização do uso dos serviços e estruturas já disponíveis.
A possibilidade de resgate fica claro nas oportunidades que surgem da própria degradação da área: grandes prédios e enormes lotes abandonados na região, que já foram indústrias e empresas de prestação de serviços, estão disponíveis para desapropriação e conversão em espaços verdes e de lazer. Estes investimentos públicos seriam acompanhados de outros, privados, para adensamento do território, aumentando a diversidade da população. Ao aumentar o número de moradores em um bairro, vivendo o que o mesmo tem a oferecer, aumenta-se a percepção de segurança devido à permanente circulação de pessoas e vizinhos nas ruas, transformando o círculo vicioso de esvaziamento em um círculo virtuoso de desenvolvimento para a recuperação desta parte da cidade. O efeito colateral positivo é que este investimento em áreas de lazer e verdes impactarão positivamente a saúde dos residentes locais, reduzindo necessidade de investimento em “saúde” (usado politicamente para mais hospitais e OS). O que não se deve é reproduzir o erro histórico, apenas incentivando a construção de prédios mais altos e a verticalização em determinados locais, sem o respectivo investimento na infraestrutura necessária para a população viver e ter direito à cidade.
Hugo Costa é geógrafo
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Ótima reflexão (ainda atualíssima, infelizmente) sobre a ocupação urbana na área da Leopoldina. Cresci no Cachambi, e tenho boas lembranças da Zona Norte. Me entristece ver o abandono, cada vez maior, dessa região tão residencial e que já foi tão agradável.
Belo trabalho jornalístico que, com certeza, nos levará a refletir sobre o número de monumentos históricos que vem sendo destruídos em nome do “progresso”. Vivi parte de minha juventude na Tijuca e lembro-me de que só na Praça Sáenz Peña havia sete cinemas. Alguns foram transformados em lojas comerciais, outros em igrejas protestantes e outras literalmente demolidos.