Artigo: PROJETOS PARA O CENTRO DO RIO FICÇÃO OU REALIDADE? por Cleia Schiavo Weyrauch

Na última segunda-feira foi realizada, na sede do Instituto de Arquitetos do Brasil – RJ a anunciada apresentação de projetos públicos municipais para o Centro do Rio de Janeiro, seguida de debate. Conforme site do instituto divulgou após a reunião, haverá a criação de comissões propositivas para aperfeiçoar os projetos.
No artigo abaixo Cleia Schiavo Weyrauch, professora de Sociologia Urbana da Universidade do Rio de Janeiro até 2009, tece considerações e reflete sobre o significado das mudanças que podem estar a caminho, com o olhar crítico norteado por sua formação acadêmica e profundos conhecimentos sobre a História do Rio.
A polêmica suscitada por pelo menos um dos itens apresentados já veio ao grande público através da imprensa: a ideia de implantar faixa de BRT na Rua Primeiro de Março.

Boa leitura.**
URBE CARIOCA
Skyscrapercity
PROJETOS PARA O CENTRO DO RIO: FICÇÃO OU REALIDADE?
*Cleia Schiavo Weyrauch
No dia 10 de junho de 2013, na sede do IAB/RJ a Prefeitura do Rio de Janeiro representada pelo Senhor Washington Fajardo, Presidente do Instituto Rio Patrimônio Cultural da Humanidade e Assessor Especial do Prefeito para Assuntos Urbanos, apresentou projetos para modificações urbanas do Município do Rio de Janeiro com foco no Centro Histórico da cidade.
Segundo Fajardo sua presença no IAB representava o desejo da Prefeitura de um diálogo com a sociedade civil, com vistas à melhoria dos projetos a serem implementados. Havia uma contradição, já que o material apresentado mostrava-se em fase de conclusão, embora a explicação do representante da Prefeitura manifestasse o contrário.

Veículo Leve sobre Trilhos – VLT
Avenida Rio Branco na altura do Teatro Municipal, Centro do Rio
Imagem: O Globo
De início, pensei estar no cinema. Foram exibidas imagens surreais com projetos a serem concretizados sobre território com rica história acumulada, ali desprezada:  BRTs, VLTs (Veículo Leve sobre Trilhos) e paisagens conexas a desfilar frente aos olhos do público como se fosse um filme de ficção científica! Quem sabe era apenas um exercício acadêmico para testar a imaginação de alunos de urbanismo?

Até o céu ganhou ares urbanos!

Mas era uma proposta real. Pobre cidade! – pensei, quando vi o projeto do túnel sob o morro do Mosteiro de São Bento. Alguém da plateia lembrou que ‘centenas de milhares de veículos tirariam sono dos monges que até hoje preservam aquele valioso monumento, com o trepidar dos carros’. Será? Não sabemos…

riofotografico.com.br

O senhor Fajardo inicialmente ratificou que o novo modelo de transporte usado no Centro será o BRT (Bus Rapid Transit), conforme traduzido nas vias expressas nomeadas Transoeste – já concluída -, Transcarioca, Transolímpica e TransBrasil.  Pelo que se viu o projeto de Revitalização e Mobilidade urbana do Centro da Cidade tem como objetivo neutralizar os automóveis da área e substituí-los por BRTs e VLTs.

Outro ponto destacado foi a criação de passeios públicos com ênfase em vias largas para os pedestres. Curiosamente, experientes profissionais do urbanismo que lá estavam levantaram a incoerência entre espaço pedonal e transporte de alta capacidade, e o foco no centro histórico frente à questão da precária mobilidade geral da cidade, entre outros aspectos.

Cinelândia
Imagem: Flickr

E o que dizer do fechamento de parte da Avenida Rio Branco, complementado por túneis subterrâneos com vistas a substituir o tráfego pela superfície, fato que, segundo uma competente profissional, afastaria os passageiros da bela paisagem da região?


Devo registrar que não sou arquiteta, mas, apenas uma professora de sociologia urbana, militante da luta pela democracia do espaço urbano. A experiência leva-me a crer que os projetos urbanos devem sempre ser compartilhados por uma série de instituições afins: conselhos, universidades, associações de moradores, etc. Conheço razoavelmente a história da minha cidade e do Centro, entre vários motivos porque trabalhei no Instituto Central do Povo integrando a equipe que elaborou pesquisa sobre os 80 anos dessa instituição.

Infelizmente, diante da exposição no IAB  tive o sentimento de negação da história do Rio de Janeiro. Em verdade parecia um plano elaborado por seres alienígenas que, vindos de outros mundos, tinham como objetivo aniquilar o passado da terra aonde chegaram. Imaginei um grupo de dirigentes do Município que, envergonhados de sua cidade, tentam apagá-la de forma radical…

Vivemos hoje em uma sociedade de massa, de escala, que precisa adotar outros cânones, o que não significa ignorar a gênese das cidades e a população que por ali passou, passa e passará. No mundo global, as cidades têm a função de levar a memória urbana aos moradores, tratar seus bens históricos como CULTURA, e não operar simplesmente no plano da economia, como se a urbe fosse um produto para ser vendido a quem passa.

Dentre as muitas perguntas e críticas que foram lançadas vejamos algumas demandas de respeitáveis arquitetos e do público em geral sobre o projeto da Prefeitura.
§   De quem é a autoria dos projetos em exibição;
§   Por que a ausência de uma clara política de habitação no Centro – levantou-se inclusive a questão da exclusão branca;
§   Quem, de fato, serão os grandes beneficiários dos projetos;
§   Qual será o papel da Prefeitura frente às empresas concessionárias em atuação na área;
§   Qual será a política com relação aos veículos em geral;
§   Por que demolir Elevado da Perimetral, se há alternativas?

O desmonte do Morro do Castelo, em foto de 1922 feita por Luciano Ferrez: topografia original do Rio foi arrasada
veja.rio

Nossa cidade possui uma tradição de modernidade e renovação urbana que muitas vezes esteve equivocada. Naturalmente, os gestores do momento sempre querem deixar suas marcas, porém, isso não pode ocorrer a qualquer custo. Novidades positivas serão benvindas, desde que haja coerência em relação às demandas prioritárias e seja respeitada a memória urbana do Rio.

A sociedade carioca está pronta a opinar e colaborar.
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*Cleia Schiavo Weyrauch é Professora Colaboradora do Programa de Pós-graduação de Políticas Públicas e Formação Humana. Também é autora dos livros PIONEIROS DE NOVA FILADÉLFIA: RELATO DE MULHERES. EDCUS; e DEUS ABENÇOE ESTA BAGUNÇA: imigrantes italianos na cidade do Rio de Janeiro.


**NOTA ACRESCENTADA EM 13/06/2013:

Hoje a imprensa noticiou que a Prefeitura deve mudar projeto viário para o Centro.
Parabéns ao IAB pela promoção do debate, e a todos que se manifestam em defesa da cidade do Rio de Janeiro.

  1. PARA JUSTIFICAR O ALTO CUSTO DO PROJETO, SERIA INTERESSANTE TER UMA LINHA PARA BOTAFOGO, ALEM DE AUMENTAR O FLUXO DE FREQUENTADORES NA ZONA PORTUÁRIA NOS FINS DE SEMANA, SERIA OUTRA OPÇÃO PARA O ACESSO AO CENTRO E AO AEROPORTO.

  2. O custo do projeto do VLT, não justifica as 6 linhas que serão feitas, o mais justo, seria leva-lo até Botafogo(próximo a estação do Metrô) ai sim a zona portuária seria mais frequentada principalmente nos fins de semana, alem de ser nova opção para zona sul acessar o centro e ao aeroporto.

  3. É correta a preocupação com os BRTs, pois de que forma será feita as travessias: Onde, como e quantas passarelas ou "sinais" haverão? Na minha experiência de uso da cidade na parte suburbana, que terá esta modalidade de transporte, como no Largo de Vaz Lobo( Largo do Tombador de priscas eras…)me preocupo com estes "detalhes", pois a cidade se faz no processo de seu uso e fruto… A mudança é válida tanto mais participativa for!!! Mª Celeste.

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