Mais um bem tombado para a lista do obituário patrimonial carioca, de Cláudio Prado De Mello

Publicado originalmente na página do autor em sua rede social

Por Cláudio Prado de Mello

Solar Visconde de São Lourenço, na Lapa | Fabio Rossi

Recebemos hoje de manhã (13 de fevereiro de 2022) pela Brigada do Patrimônio ( 21-989131561) informações sobre o Solar do Visconde de São Lourenço ( BTF) que fica na esquina da Rua da Riachuelo com Inválidos. Tal edifício em muito se aproxima dos módulos construtivos do Paço Imperial da Praça XV e além de sua importância histórica e afetiva, o elemento arquitetônico é de grande importância para a Memória Nacional.

Da mesma forma, nosso amigo preservacionista Marconi Andrade perguntou-me de manhã se eu sabia se o imóvel havia sido destombado. Ele informa que o imovel está sendo demolido e não existe uma placa de demolição no local.

O Solar do Visconde de São Lourenço é um prédio em estilo colonial português, com três pavimentos, cuja construção foi iniciada no Século XVIII. O seu primeiro proprietário foi Antônio da Cunha, oficial das Ordenanças, que o vendeu em 1820 para Francisco Targine, Visconde de São Lourenço, conselheiro de D. João VI, o qual realizou uma grande reforma. Após a morte do Visconde sediou o Colégio Marinho, entrando em declínio no Século XX, quando foi transformado em casa de habitação coletiva com lojas no térreo.

O tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, em 1938, não o livrou da ruína, agravada por um incêndio na década de 1990 que o destruiu parcialmente. Nos anos 1990, uma parceria entre a municipalidade carioca e o IPHAN tinha como projeto a sua aquisição para restauração e revitalização, com a finalidade de nele instalar o Centro de Referência da Arqueologia Fluminense. Esse projeto nao vingou e nao foi a frente .

Descobri que há muitos anos o bem tombado tem sido alvo de estudos de faculdades de arquitetura e nao faltam projetos específicos e propostas para sua restauração :

1) Em 2016, surgiu o Projeto de Restauro Casarão da Rua do Riachuelo ( Oct 17, 2016). Projeto acadêmico de análise de ruína de um antigo casarão localizado na Rua do Riachuelo, Centro – RJ e proposta de restauro e novo uso para o espaço. Autores Lucas Davidson e Thuany Coutinho

2) Em 2018, Gisele Oliverira Alves ( aluna da UFRJ) fez um estudo aprofundado sobre a construção e nos conta que ” Na Lapa, na esquina da Rua dos Inválidos com a Rua Riachuelo, antiga de Matacavalos, principal caminho para expansão da cidade do Rio de Janeiro, o solar Visconde de São Lourenço é considerado um dos primeiros edifícios coloniais com três andares, este terceiro com uma planta em cruz que se estendia até o plano da fachada, interrompendo a cimalha e foi tombado em 20 de abril de 1938, pelo SPHAN. Na década de 1940, já estava em decadência, tornando-se casa de cômodos e na década de 1990, após um incêndio, houve um desmoronamento parcial.

Elementos marcantes da fachada, como esquadrias e guarda-corpos foram saqueados e seu interior desmontado ilegalmente ao longo dos anos.

Atualmente (2018) encontra-se escorado, com risco de ruir totalmente, já que continua sendo sub-utilizado, desta vez como estacionamento.

Durante o desenvolvimento deste projeto houve um grande debate sobre as possibilidades de recuperação do edifício. Foi através do aprofundamento nas teorias do restauro, cartas patrimoniais, pesquisa, levantamento de dados, análise iconográfica, observação do entorno imediato e legislação pertinente, que foram traçadas as linhas gerais desta estratégia de intervenção.

O artigo 5º do Decreto nº11.883 de 30/12/1992, da APAC, prevê a recuperação ou reconstrução da edificação, mantidas as características originais da fachada e telhado, como penalidade em casos como este, em que a degradação da edificação é intencional. Entende-se que embora o valor deste edifício esteja nas feições que apresentava na época do seu tombamento, seu estado de ruína atual, que já dura aproximadamente duas décadas, possui um valor memorial que deve ser valorizado e assinalado nesta intervenção. A proposta se desenvolve buscando integrar conclusões teóricas e práticas, fundamentais para a recuperação do edifício e estender sua vida útil: Quanto à teoria, a proposta se desenvolve sob os princípios da distinguibilidade, de Camilo Boito (1836-1914), teórico que embora fosse contrário a reconstrução de ruínas, mostrou-se bastante flexível quanto a forma de intervir, admitindo adições, se fossem extremamente necessárias, por motivos estéticos e se fossem realizadas com materiais diferenciados do original. Desta forma, fica estabelecido que as partes remanescentes do edifício, devido ao seu valor memorial, serão restauradas tal qual o original e que as partes faltantes serão substituídas por elemento novo – a fim de recompor as linhas originais da fachada – com materiais de tecnologia e acabamento contemporâneos – assegurando a distinguibilidade na leitura do edifício.

Quanto ao uso, a região oferece uma infraestrutura urbana privilegiada e o objeto de estudo integra a Área de proteção do Ambiente Cultural (APAC), onde há incentivo e demanda para habitação multifamiliar, fatores determinantes para a escolha do uso misto, que já possui uma presença marcante no entorno. No térreo as lojas estão voltadas para a Rua Riachuelo que possui maior fluxo de pessoas e o espaço de trabalho compartilhado para a Rua dos Inválidos, que possui um fluxo de pessoas moderado, assim como o acesso a parte residencial e o Pocket Park, localizado no espaço não edificado nos fundos do lote.

No primeiro e segundo pavimentos estarão distribuídas as 14 unidades residenciais do tipo Kitnet, 1 e 2 quartos, onde 5 delas são adaptadas para pessoas com deficiência (PcD), visando atender a diversidade local e um público alvo de jovens e adultos, estudantes e/ou em início de carreira, que já utilizam os equipamentos culturais do entorno e/ou trabalham, estudam nos bairros vizinhos. “

3) Em 2020, Ohana Figueira Porto fez na Universidade Veiga de Almeida um importante estudo : ” Habitação Social como forma de reabilitação ” ( publicado em Dec 12, 2020). Este Projeto de Pesquisa para Trabalho Final de Graduação em Arquitetura e Urbanismo com tema de Habitação Social como forma de reabilitação aborda a importância de dar um uso e uma função para que o Patrimônio Histórico não entre em completo abandono e por consequência sua deterioração. Tendo como objeto de estudo e proposta de reabilitação o Solar Visconde de São Lourenço localizado no centro da cidade do Rio de Janeiro. A proposta do uso de habitação social se deu com intuito de integrar dois temas importantes e adormecidos pelo poder público, além de incentivar o retorno do uso residencial na área central da cidade.

Circula a informação de que o imóvel histórico tombado foi “Destombado” por ordem de Brasília. De fato verificamos pelo DOU e consta o cancelamento do Tombamento na data de 25 de Janeiro de 2022.

O supervisor Reinaldo Mendes conta que a proprietária é uma senhora Portuguesa conhecida que não autoriza a divulgação de seu nome e os proprietários respondem uma ação civil pública por conta do abandono sistemático há mais de duas décadas.

Cláudio Prado De Mello é arqueólogo, historiador e diretor-presidente do Instituto de Pesquisa Histórica e Arqueológica do RJ (IPHARJ)

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Atualização:

Justiça anula ‘destombamento’ do Palacete São Lourenço após ato ilegal do Iphan

Pubicado originalmente no O Globo – 15 de fevereiro de 2022

A juíza Mariana Tomaz da Cunha, da 28ª Vara Federal do Rio de Janeiro, decidiu, minutos atrás, por suspender o cancelamento do tombamento do imóvel conhecido como Palacete São Lourenço (ou Solar São Lourenço), na Lapa, que corre risco de demolição após início de obras por parte do atuais ocupantes do espaço.

A decisão acontece após pedido feito pelo procurador Sergio Suiama, do Ministério Público Federal (MPF), contra a direção do Iphan. Tombado desde 1938, o espaço colonial foi “destombado” pelo instituto de forma ilegal de acordo com pedido feito pelo MPF.

O próprio Iphan opinou pela manutenção do tombamento do espaço, algo que foi ignorado pela direção do instituto.

“Vislumbro que o cancelamento do tombamento configurou conduta vedada às partes, procuradores e participantes do processo, porquanto representa a prática de inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso, o que configura ato atentatório à dignidade da justiça”, decidiu a juíza.

A decisão também prevê que a Prefeitura do Rio interdite o imóvel imediatamente e previna possíveis danos a sua estrutura. O palacete fica na Rua dos Inválidos, na esquina com Rua do Riachuelo, e sofre com o descaso das autoridades. Com três andares, o interior do imóvel está completamente destruído. As fachadas, aliás, correm o risco de desabamento.

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