Em continuidade ao post publicado nesta terça-feira, dia 10 de setembro, “Sempre o Gabarito – Buraco do Lume é a bola da vez”, sobre a questão do Executivo ter enviado à Câmara de Vereadores um Projeto de Lei Complementar revogando parâmetros construtivos para o terreno apelidado de “Buraco do Lume”, para autorizar a construção de um edifício comercial no mesmo, destacamos o artigo o geógrafo Brasiliano Vito Fico, com interessantes detalhes sobre a origem , registros e a história do “Buraco do Lume”.
“A sua história é cercada de confusões, jogadas de mercado mal-sucedidas e um bocado de brigas entre prefeitura, bancos e os antigos donos”, cita o autor. Vale a leitura !
Buraco do Lume – Por Brasiliano Vito Fico
Na última semana, os cariocas foram surpreendidos pelo envio à Câmara dos Vereadores de projeto de lei complementar 128/2019 que visa mudança da legislação que incide sobre o “Buraco do Lume”, no Centro, permitindo a construção de um arranha-céu numa área ao lado da Praça Mario Lago. O Globo, em reportagem de 10/09/2019, lança luzes na motivação da Prefeitura: a área foi recentemente leiloada e adquirida de uma subsidiária do banco Bradesco. (“Buraco do Lume, no Centro, pode virar um novo espigão”).
Mas, o que é o Buraco do Lume? Donde surgiu seu nome? A sua história é cercada de confusões, jogadas de mercado mal-sucedidas e um bocado de brigas entre prefeitura, bancos e os antigos donos.
Tudo começa com a demolição do Morro do Castelo e o aparecimento da nova esplanada no Centro, a partir dos anos 1920. Um dos limites do morro ficava ali, entre a rua São José e a antiga rua Chile, atual rua da Ajuda. Mas, somente em meados dos anos 40 foi implantada a avenida Nilo Peçanha e eliminado um trecho da rua da Ajuda, conformando o aspecto triangular atual da praça, com um dos vértices tocando a avenida Rio Branco.
Este triângulo até os anos 70 servia como estacionamento e depois canteiro de obras do novo prédio do Banco do Estado da Guanabara (BEG), em frente à praça e depois conhecido como “Banerjão”.
Em 1970, o BEG incorpora ao seu patrimônio o triângulo, procedimento determinado pelo governo da Guanabara com vistas a ampliar seu capital e dar sustentabilidade financeira, uma exigência do Banco Central.
O BEG coloca parte do terreno à venda visando sua capitalização, cerca de 1/3 da área total, próximo ao novo Terminal Menezes Cortes. Acha como comprador o empresário pernambucano Lynaldo Alfredo Uchoa de Medeiros Junior,figura controversa e conhecido pelos investimentos arriscados em diversos setores da economia, incluindo mineração, open market e construção civil. A aquisição do terreno se deu por um valor críptico, de CR$ 111.111.111,11. O empresário era o principal acionista do Grupo LUME, nome formado pelas iniciais de seu próprio nome. O comprador se associa ao grupo paulista Halles para viabilizar a portentosa operação.
Enquanto isso, a outra área do triângulo, de cerca de 2/3 da área total, seria destinada a um parque público por força do PA 8.903 de 1970. Em 1974, o antigo estacionamento/canteiro é urbanizado e recebe bonito paisagismo com lago e passarelas. O espaço recebe o nome de praça Melvin Jones.
Em 1975, o Halles sofre intervenção federal e é comprado pelo próprio BEG. Em 1976 o Grupo Lume também é alvo de intervenção do Banco Central, sob a alegação de falta de liquidez para assumir os inúmeros compromissos que assumiu nos últimos anos, inclusive o pagamento das parcelas devidas do terreno do BEG, CR$ 90.000.000. Entretanto, as obras do novo edifício, projetado para ter mais de 50 pavimentos, já haviam iniciado e as fundações construídas. O construtor abandona a obra e em pouco tempo o terreno se transforma em um buraco de lama, poças e mosquitos.
O buraco foi encoberto por tapumes e o aspecto que deixou de abandono e insalubridade fez o carioca amaldiçoar o local e seu dono. Em pouco tempo, ficou conhecido como o “Buraco do Lume”, espécie de homenagem gaiata ao empreendedor. No Buraco chegou a ser introduzidas espécies de peixes pela FEEMA que serviriam para dar conta dos mosquitos que infernizavam os passantes.
Por anos, Lynaldo e o Banco lutaram judicialmente pelo controle do espaço. Por sua vez, a Prefeitura do Rio é pressionada pelos cariocas a fechar o buraco e dar-lhe uma destinação definitiva. Somente em 10/04/1979, o prefeito “biônico” Israel Klabin, deu fim ao impasse e começou o aterro do local sem desapropriá-lo, enterrando inclusive as fundações; na área criou uma espécie de jardim que está no local até hoje. Este espaço forma a partir de então uma extensão da praça logo abaixo que, por sua vez, mudou de nome, para praça Mario Lago.
O paradeiro de Lynaldo e do Grupo LUME é desconhecido. Se vivo, teria cerca de 85 anos. Ao que parece, perdeu o fôlego financeiro de outrora e a briga judicial com o banco do qual tentou adquirir o terreno. Em 2012, a esposa do empresário, Maria Tereza Uchoa de Medeiros, apareceu como a segunda maior doadora de campanha de Eduardo Paes, com R$ 110 mil!
Se sabe que em 2013, com a compra dos ativos do BANERJ (ex-BEG), o terreno ficou sob o controle do Bradesco; e, agora, com um proprietário anônimo que o arrematou num leilão na capital paulista.
Ainda em 1986, o decreto municipal 6.159 modificou os parâmetros construtivos do local, permitindo apenas uso cultural. Este decreto é objeto de tentativa de revogação pela Prefeitura com o envio do PL à Câmara do Rio, como mencionado. Com isso, retornariam os parâmetros anteriores ao decreto, permitindo a iniciativa de novo proprietário de construção do arranha-céu, velho sonho do malfadado Lynaldo…
Com o tempo todo o triângulo, formado pela praça e pelo terreno privado passou a ser conhecido como o “Buraco do Lume”. A praça passou por remodelação nos anos 90, perdeu o lago e as passarelas, substituídos por um insosso anfiteatro, dividido democraticamente por artistas de rua, políticos, camelôs e mendigos.