Este blog gostaria de divulgar notícias da grande mídia informando que o Centro do Rio de Janeiro voltou a ser lindo, pujante e atrativo. Infelizmente a realidade que O Globo mostra na reportagem de Selma Schmidt é diferente e oposta.
Causa ainda mais estranheza a proposta antiga de Washington Fajardo – justamente quem comandou a política de proteção do patrimônio cultural durante um período – ter cogitado retirar a proteção de imóveis que seriam substituídos por edifícios novos. Temos a Presidente Vargas aberta há 80 anos, ainda por se completar, a Cidade Nova, igualmente integrada ao resto da cidade (será?) a passos de cágado. A Zona Portuária que depende de malabarismos do poder público e muita verba de impostos e isenções fiscais para se erguer.
Dois absurdos estão a caminho: um Minha Casa Minha Vida na Leopoldina e um gigantesco estádio de futebol ao lado, enquanto o prefeito se arvora em dizer que combate o aquecimento global.
Prefeito, plante árvores, esqueça esses dois projetos eleitoreiros e prejudiciais ao Rio. E não ressuscite a ideia do Fajardo.
Urbe CaRioca
Do crime à desordem: no entorno da icônica Central do Brasil, degradação persiste no miolo de áreas em revitalização no Rio
Camelôs, moradores de rua e venda de drogas como o crack são alguns problemas do entorno da estação de trens; há pedintes até dentro da gare
Por Selma Schmidt — O Globo
No trecho da Praça Procópio Ferreira, atrás do terminal de ônibus municipais de mesmo nome, uma moradora de rua que se identificou apenas por Márcia vive com o marido e seis cachorros, a maioria filhotes, numa barraca de compensado e papelão, coberta por plástico, a maior entre as quatro cabanas instaladas no espaço gradeado próximo à Central do Brasil. Como ali é lugar de trânsito de empregados do metrô que trabalham no vizinho centro de manutenção da empresa, a companhia mantém um vigilante no horário de expediente, a fim de garantir a segurança de seu pessoal.
Assim como a Procópio Ferreira, todo o entorno da estação de trens suburbanos, apesar de estar no miolo de áreas revitalizadas pelo Porto Maravilha e pelo Reviver Centro, está esquecido e, cada vez mais, se consolida como terra de ninguém. A situação chegou ao ponto de respingar até dentro da gare: passageiros passaram a ser abordados por pessoas pedindo dinheiro para comer ou comprar uma caixa de balas para vender. Contudo, a comerciária Rosilda Marques, de 49 anos, se recusa a atender ao apelo, por temer que usem a esmola para comprar crack nas bocas de fumo da região.
— É triste, só que é a realidade. A gente percebe, pelo jeito de falar e olhar, quando são viciados querendo dinheiro para droga — lamenta ela, que mora em Paciência e usa trem e metrô, de segunda a sábado, para chegar ao trabalho, em Copacabana.
Da desordem ao crime, é impossível transitar pela região sem esbarrar em camelôs irregulares, moradores de rua, sujeira, veículos estacionados em locais proibidos, ponto de moto-táxis no meio da rua, homens urinando em muros e laterais de ônibus, calçadas quebradas, usuários de drogas e traficantes.
— Moro na barraca há um ano. Casa em favela é caro. Mas já vou sair daqui — garante Márcia, virando as costas e encerrando a conversa.
Maior barraca instalada na Praça Procópio Ferreira: Márcia, o marido e seis cachorro moram na cabana há um ano — Foto: Domingos Peixoto
Entre os crimes, o roubo e o furto de celular cresceram muito na região. Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) mostram que, de janeiro a julho deste ano, foram furtados 900 aparelhos na área da 4ª DP (Praça da República), que atende o entorno da Central, 77% a mais que igual período do ano passado (509). Os roubos de celular subiram 87% (de 106 para 199).
Solução complexa
Embora vários projetos tenham sido pensados para o lugar — o mais ousado, inspirado no High Line, de Nova York, pretendia construir uma “cidade suspensa” sobre a linha férrea entre a Central do Brasil e a estação da Leopoldina, com jardins, lojas e prédios comerciais — poucos foram executados. E alguns não foram completados.
Para o arquiteto e urbanista Washington Fajardo, que já esteve à frente da pasta responsável pelo planejamento urbano da cidade, a solução para o entorno da Central — incluído no perímetro do Reviver Centro — é “bem complexa” e exige “coordenação de setores municipais com o governo do estado e a União”, que são proprietários de muitos imóveis na região.
— Cheguei a propor a remoção das proteções do patrimônio cultural no entorno (quase todas as edificações são parte da Apac do Sagas) para permitir novos prédios e maior adensamento ao redor da Central. Mas. para isso, precisaria muito qualificar muito o ordenamento — analisa Fajardo.
Uma equipe do GLOBO percorreu esta semana a região pela manhã, à tarde e no início da noite. Nos três horários, encontrou um carro do Programa Centro Presente estacionado na Avenida Presidente Vargas, em frente ao terminal Procópio Ferreira, e um do Detro, na lateral do terminal Américo Fontenelle. À noite, esbarrou com duas viaturas da PM, junto às plataformas do terminal Procópio Ferreira. Guardas municipais não foram vistos.
Na Avenida Presidente Vargas, no trecho da Procópio Ferreira onde no passado funcionou a Unidade de Ordem Pública (UOP) do Centro havia sujeira e moradores de rua, sobretudo à noite. Perto dali, nos pontos de ônibus em frente ao terminal Procópio Ferreira, baias são ocupadas por camelôs.
— Tenho vindo ao Centro para fazer exames e me tratar duas vezes por semana. É um inferno pegar ônibus na Central. Os motoristas param de qualquer jeito nos pontos. O pior, mesmo, são os cracudos pedindo dinheiro e o medo de ser assaltada. Nem em favela é assim — reclama Fátima Cristina da Silva. de 64 anos, moradora do Dendê, na Ilha do Governador.
Na Rua Bento Ribeiro, na lateral da Central, uma faixa de rolamento é usada como estacionamento, apesar das placas indicando a proibição até mesmo de parar. E camelôs se postam nas calçadas e entradas, inclusive com mesas e cadeiras. No acesso C, metade do vão está ocupada. Mais adiante, na mesma rua, camelôs tomaram uma das faixas, e, na esquina da Rua Barão de São Félix, as motos de um ponto de mototáxis estreitam ainda mais a via.
Já dentro do Américo Fontenelle, além da desordem, sem se identificar um motorista de um coletivo que vai para a Baixada alerta para a criminalidade que se instalou no lugar:
— Homens armados circulam livremente.
Projetos não decolaram
Projetos implantados na região funcionam à meia-boca ou paralisaram. O restaurante do Povo, com refeições a R$ 1, lota, mas abre apenas para o almoço. O teleférico da Providência, reaberto em abril após sete anos parado, ainda só opera pela manhã e de terça a sábado. A Companhia Carioca de Parceria e Investimento (CCPar), por sua vez, diz que há uma licitação, prevista para este mês, para a escolha de uma empresa que deverá operar o sistema e ampliar os horários.
Colado à Central, um hotel destinado ao pernoite de moradores de rua está fechado desde 2016. Segundo a Secretaria estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos foi concluída uma primeira etapa de obras. Para reabri-lo, no entanto, será necessária uma nova etapa de intervenções.
Na boca do Túnel João Ricardo e distante do fluxo de pessoas que usa os terminais de ônibus e trens, o Mercado Popular Leonel de Moura Brizola tenta se manter de pé . Inaugurado em 2012, ele recebeu ambulantes do antigo camelódromo da Central, que pegou fogo dois anos antes.
— Com a degradação do entorno, não conseguimos atrair turistas. Não há fiscalização nem revitalização. Quem frequenta o mercado, sobretudo os salões de cabeleireiro do segundo andar, em geral são moradores da Providência. Temos 607 boxes, mas só entre 200 e 250 estão funcionando. E alguns não abrem todos os dias — conta Aderito José da Silva, presidente da associação dos comerciantes do mercado.
O imóvel da antiga Rede Ferroviária Federal também está ocioso. Três de seus 11 andares são usados por órgãos federais: o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU).
Em nota, a Secretaria de Ordem Pública (Seop) e a Guarda Municipal afirmam que a região da Central e adjacências está inserida na área de patrulhamento de sua equipes, que desde o início do ano apreenderam mais de dois mil itens de ambulantes irregulares e aplicaram mais de 2.600 multas de trânsito. A Secretaria municipal de Conservação diz que fez uma reforma na Praça Procópio Ferreira, entre maio e julho. E a Comlurb garante que mantém rotinas de limpeza no local.
A Polícia Militar informa que, este ano, prendeu mais de 150 criminosos na região, que conta com o auxilio de videomonitoramento de câmeras de reconhecimento facial. “Vale ressaltar que há indivíduos envolvidos em práticas delituosas que ocorrem na região, que muitas vezes estão em situação de vulnerabilidade, tornando seu contexto de instabilidade e reincidência muito mais amplo do que as ações conduzidas pelas forças policiais”, acrescenta a corporação.
A Secretaria estadual de Governo, responsável pelo Centro Presente, explica que a base do programa que atende a região atua apenas na Avenida Presidente Vargas.
A Polícia Civil ressalta que a 4ª DP (Presidente Vargas) e a 1ª DP (Praça Mauá) investigam e combatem os delitos praticados no entorno da Central. “As unidades realizam constante troca de informações e de dados de inteligência para identificar e responsabilizar os envolvidos nas práticas criminosas” prossegue a instituição.
A SuperVia esclarece que a concentração de pessoas em situação de rua na área da gare “se deve, em parte, à presença de lanchonetes e serviços no local”. Diz ainda que funcionários da empresa “são devidamente treinados e estrategicamente posicionados para garantir a segurança e bem-estar” dos passageiros. E que são realizadas “abordagens de orientação quando necessário”.