Foi publicada no Valor Econômico a notícia de que ícones da arquitetura da Cidade do Rio estarão no pacote do “feirão de imóveis” que será anunciado pela União à iniciativa privada por meio de novo sistema de vendas. Na lista das 2.263 unidades anunciadas, estão o Palácio Capanema, o edifício “A Noite” e a antiga sede da RFFSA.
Sem entrar no mérito da decisão em si ou análise da listagem de bens, é importante observar-se que, no caso de bens tombados, o Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937 diz:
Art. 11. As coisas tombadas, que pertençam à União, aos Estados ou aos Municípios, inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas de uma à outra das referidas entidades.
Parágrafo único. Feita a transferência, dela deve o adquirente dar imediato conhecimento ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Este é o caso de pelo menos dois edifícios citados na reportagem: o Palácio Gustavo Capanema e o Edifício A Noite, bens tombados pela União.
Em seguida à divulgação da notícia, já circula nas redes sociais um manifesto* assinado por várias instituições contrárias à venda do Palácio – antiga sede do Ministério da Educação e Cultura – MEC, que inclui um histórico sobre o prédio (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil – CAU Brasil; Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro – CAU/RJ; Departamento Rio de Janeiro do Instituto de Arquitetos do Rio de Janeiro – IAB-RJ; Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas no Estado do Rio de Janeiro – SARJ; Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo – Abeao; Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas – ABAP; Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura – AsBEA; Regional Leste da Federação Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil – FeNEA; Sociedade dos Engenheiros e Arquitetos do Estado do Rio de Janeiro – SEAERJ; e Docomomo Brasil).
Temos uma nova polêmica urbano-carioca à vista…
Urbe CaRioca
União faz “feirão” de imóveis com símbolos do Rio
Valor Econômico – Link original
Ícone da arquitetura modernista no Rio de Janeiro, inaugurado em 1946 como sede do Ministério da Educação e Saúde Pública, o Palácio Gustavo Capanema é uma das estrelas do novo “feirão de imóveis” que o governo anunciará à iniciativa privada por meio de novo sistema de vendas.
O edifício de 16 andares, decorado com azulejos de Cândido Portinari e jardim suspenso projetado por Burle Marx, tem características marcantes usadas pela primeira vez no Brasil: o uso de pilotis, fachada livre, janela em fita.
No fim deste mês, junto com outras 2.263 unidades na capital fluminense, o Palácio Capanema fará parte da lista de imóveis pertencentes ao governo que os ministros Paulo Guedes (Economia) e Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência) vão divulgar, em um encontro com incorporadoras e potenciais investidores do mercado imobiliário, como aptos para receber sondagens de compra.
Serão divulgados 1.577 imóveis do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e 677 da Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Entre eles está o edifício Engenheiro Renato Feio, onde funcionava a extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA), no centro do Rio. E o clássico A Noite, na Praça Mauá, com construção em estilo art-déco e considerado o primeiro arranha-céu da América do Sul. Ele abrigou a Rádio Nacional por décadas e agora está abandonado.
As licitações de imóveis federais são feitas tradicionalmente a partir de um preço mínimo fixado pelo governo e a vitória é dada para quem oferece o maior ágio.
De acordo com o secretário especial de Desestatização do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, esse modelo vem frustrando as expectativas de arrecadação. Em 2020, por exemplo, só foram levantados R$ 100 milhões com as vendas e 80% dos leilões não tiveram interessados. Para ele, é sinal de que o valor definido pelo governo tem estado em desconformidade com o mercado.
Depois de uma lei sancionada no ano passado e regulamentada há alguns meses, a lógica inverte-se: o mercado pode acionar a administração pública, providenciando o laudo de avaliação de um imóvel pelo qual tenha interesse.
Qualquer pessoa física ou jurídica pode apresentar proposta para adquirir um imóvel de prioridade da União. Para isso, cumprindo determinados requisitos, mediante a elaboração do laudo por profissional avaliador habilitado. Uma vez homologado pela SPU, abre-se um certame público — caso o governo opte pela venda.
É esse laudo que estabelece o preço mínimo. O interessado inicial tem direito de preferência na compra. Se outro oferecer mais, é reembolsado pelos custos de avaliação pelo vencedor do certame.
Guedes e Onyx planejam ir ao Rio, no dia 27 de agosto, para apresentar o “feirão” a autoridades locais, como o prefeito Eduardo Paes (PSD). “Vamos convidar incorporadoras, fundos imobiliários, investidores em geral. A partir do momento em que o mercado conhecer direitinho essa oferta, estamos seguros de que haverá concorrência”, afirma o secretário Mac Cord. “São ativos nobres, que o setor privado jamais deixaria abandonados, como muitos se encontram hoje.”
Não há obrigação alguma, por parte da União, de vender esses imóveis. O objetivo é mostrar as oportunidades ao mercado e deixar claro que o governo está aberto para receber boas ofertas.
No caso específico do Palácio Capanema, o edifício passa por fase final de restauração pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Ele não está disponível imediatamente para ofertas, mas faz parte da lista da Proposta de Aquisição de Imóveis (PAI), como é chamado esse novo modelo de vendas da União.
Depois do Rio, o “feirão” organizado pelo governo divulgará imóveis localizados em São Paulo (setembro), em Brasília (outubro), em Belo Horizonte e em Porto Alegre (novembro). Na semana passada, o Ministério da Economia conseguiu concluir as duas primeiras vendas por esse sistema. Foram dois terrenos da União, no litoral paulista, ocupados pelos clubes Portuguesa Santista e Portuários de Santos. Eles geraram R$ 71,2 milhões à União.
O PAI é, agora, a grande aposta da equipe econômica para se desfazer mais rapidamente de ativos estatais. Na campanha presidencial de 2018, o ministro Paulo Guedes citou o valor de R$ 1 trilhão como potencial de receitas com alienação de imóveis. (do Valor Econômico)
*O MEC NÃO PODE SER VENDIDO!
O Palácio Gustavo Capanema (originalmente sede do Ministério da Educação e Saúde Pública) está sob ameaça de privatização. Foi com assombro que a comunidade arquitetônica brasileira e internacional se deparou com a notícia de que o edifício, que é marco da Arquitetura Moderna, seria a “estrela de um ´feirão de imóveis´” da União (Valor Econômico, 13/08/2021, Daniel Rittner) a ser anunciado no Rio de Janeiro no próximo dia 27.
Em 1935, Lúcio Costa foi encarregado por Gustavo Capanema (1900-1985), Ministro da Educação e Saúde Pública do Governo Getúlio Vargas, para elaborar o projeto com a colaboração de Oscar Niemeyer, Carlos Leão, Jorge Machado Moreira, Affonso Eduardo Reidy e Ernani Vasconcellos. A jovem equipe de arquitetos brasileiros contou também com a consultoria do mestre da arquitetura moderna Le Corbusier.
O MEC, como é popularmente conhecido, não pode ser vendido porque é tombado pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). O processo de tombamento n 375 – T48 foi aberto por iniciativa de Alcides da Rocha Miranda, SPHAN/MES, que em correspondência de 3 de março de 1948 justificou assim a proposição: trata-se “da primeira edificação monumental, destinada a sede de serviços públicos, planejada e executada no mundo, em estrita obediência aos princípios da moderna arquitetura”. O Decreto Lei nº 25 de 1937 estabelece no seu Capítulo III, Art. 11., que “as coisas tombadas, que pertençam à União, aos Estados ou aos Municípios, inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas de uma à outra das referidas entidades”. Entretanto, esta inalienabilidade pode ser liberada por lei federal específica relativa àquele bem. E tudo indica que o Governo Federal pretende editar tal lei.
O MEC não pode ser vendido porque seu valor é incalculável. Quanto vale um prédio concebido, projetado e construído para ser um símbolo da cultura nacional? O edifício sobre pilotis pousa elegantemente na esplanada com jardins de Roberto Burle Marx e a escultura Juventude de Bruno Giorgio. No térreo, revestido com painéis de azulejos de Candido Portinari, encontram-se as obras de Prometeu e o Abutre de Jacques Lipchitz. Por tudo isso, a sede do ministério passou a ser denominada, na década de 1970, Palácio Cultura.
A lâmina principal do prédio, com 16 andares, possui a fachada sul totalmente envidraçada, a primeira nestas proporções no mundo, e a fachada norte dotada um conjunto de brise-soleil horizontais móveis, também, uma novidade. Em seu interior, as obras de artes ganham lugar de destaque. De Celso Antônio temos as esculturas: a Moça em Pé, no hall do elevador privativo e a Moça Reclinada, no mezanino. De Adriana Janacópulos temos a Mulher, localizada no jardim do 2º pavimento. De Cândido Portinari são os belos afrescos localizados no andar do gabinete do ministro. Jogos Infantos, no hall do 2º pavimento, e Ciclos Econômicos no Salão Portinari. Os afrescos Escola de Canto e Coro de Portinari ornamentam o Salão de Conferências Gilberto Freyre. Diversas outras obras de arte complementam a decoração dos pavimentos, dotados, também, de moveis especialmente projetados para o prédio por Oscar Niemeyer.
Desde 1996, o Palácio Gustavo Capanema integra a Lista Indicativa do Brasil ao reconhecimento como Patrimônio Mundial pela UNESCO, portanto, é inegável o valor do Palácio Gustavo Capanema para a cultura nacional e torna-se, assim, impensável que se possa tratar este símbolo do Brasil, moderno e amante das artes, como um simples prédio administrativo a ser vendido para gerar caixa para o Governo Federal.
Em 1943, o Palácio Capanema foi considerado, pelo Museu de Arte Moderna de Nova York, o edifício mais avançado em construção no mundo: “o Rio de Janeiro possui o mais belo edifício governamental no hemisfério ocidental – o novo Ministério da Educação e Saúde”, como destacou, à época, o jornal The New York Sun. Ele é a obra brasileira mais citada em livros de arquitetura, mundo afora, como o primeiro edifício monumental do mundo a aplicar diretamente os conceitos da Arquitetura Moderna de Le Corbusier. As grandes obras que consagraram a geração de Lucio Costa e Oscar Niemeyer tiveram ali sua inspiração: Pampulha, Cidade Universitária da UFRJ e Brasília.
O MEC não pode ser vendido porque ele é Patrimônio do povo brasileiro.
Deveríamos fazer um grande abraço ao redor do Palácio Gustavo Capanema, um movimento dizendo NÃO ao estúpido leilão do MEC.
Quem poderia viabilizar a ideia?