CrôniCaRioca
“_Antes do próximo exercício, vamos ouvir uma ária da ópera Andrea Chénier.”
“_Que nome lindo! Se meu neném for menina vai se chamar Andrea.”
“_Ah, querida! Que graça! Esse nome não serve, querida! Andrea é nome italiano de homem. Andrea Chénier é o protagonista da ópera.”
“_Ué, se tem André de menino, o feminino só pode ser Andréa, parece de mulher…”
“_Isso mesmo! A ópera de Umberto Giordano é inspirada na vida de um poeta francês, André Chénier. O autor italiano, então, mudou para Andrea. Tem o feminino em italiano, se você quiser. É Andreina.”
“_Andreina? Hummm… Não, não gostei. Se for menina será Andrea mesmo. É lindo!”
E assim fui batizada. Eu e mais duas nenéns de colegas de trabalho de minha mãe que souberam da história e não se importaram com o fato de usar um nome italiano masculino. Ganhei um acento, provavelmente pela criação de um feminino para André. Dela ou do cartório, não sei. Jamais conheci uma xará mais velha do que eu. Será que ela foi a pioneira que fez surgirem tantas ‘Andreinhas’ Brasil afora?
No primário apareceu uma coleguinha Andreia, com “i”. Ou foi uma das barrigas contemporâneas, ou alguém misturou Andrea com Andreina.
Hoje, na Itália, já se usa o nome para os dois gêneros. Filmes americanos têm dado o nome a personagens femininos, por exemplo, Anne Hathaway em O Diabo Veste Prada.
No final dos anos 1950 quase não se via mulheres ao volante na Cidade Maravilhosa.
Pois ela decidiu aprender a dirigir. O pai carioca ficou apreensivo, ela estava esperando minha irmã. Fez uma “arte”: entrou para a autoescola “escondido” dele, mas, depois de algumas aulas, revelou a façanha.
Já com a habilitação, saía dirigindo um Fusquinha pela Urbe CaRioca. Muita gente olhava estranhando. Às vezes escutava “Vai pilotar fogão, minha tia!”.
Dirigiu até o final da vida. Sem muito charme, é verdade, mas, cuidadosa, nunca bateu com o carro, só fazia “amassadinhos”, “barbeiragens”, ela dizia. E lá ia o fusca todo “cacarecado” cheio de crianças, mais tarde adolescentes, para os passeios supervisionados pelos adultos.
Sim, um Fusca e mais tarde uma Variant, pois não dava para comandar as muitas toneladas do Ford 50, paixão do pai carioca também até o final da vida. Segunda paixão, é claro!
Fábrica Carioca de Tecidos Jardim Botânico, Rio de Janeiro Fonte: www.museudohorto.org.br |
Começou a trabalhar muito cedo, o que não era novidade nas famílias pobres. Os filhos deviam ajudar em casa assim que possível.
Contava histórias sobre a fábrica de tecidos, o apito às 7.00h, que se atrasasse não entrava e perdia o dia de trabalho, descontado do salário já minguado. Mais tarde entrou para o funcionalismo público.
Completados os necessários trinta anos para a aposentadoria, não pode parar, pois a legislação da época impedia somar o tempo de serviço prestado à iniciativa privada ao tempo dedicado ao serviço público. Quando a lei foi modificada ela já trabalhava há 38 anos desde o ingresso na fábrica de tecidos.
Foi a primeira mulher brasileira a aposentar-se com o benefício da nova lei, assim me contou.
Internet |
“_Preciso falar com o senhor sobre as minhas compras, câmbio.”
“_Quem é? Câmbio.”
“_Também trabalho aqui no Ministério da Marinha, igual ao senhor, câmbio.”
“_O que houve minha senhora? Câmbio.”
“_Pois é, câmbio, não, peraí que não acabei, câmbio, não, não, ainda não era câmbio!”
“_Não entendi nada, senhora, tem chiado. Estou no trabalho. Aqui na ilha o rádio não funciona bem. O que a senhora quer? Câmbio.”
“_Fiz as compras de mês ali no Reembolsável, é bem mais barato, sabe? E preciso ir para casa, meu expediente na repartição já acabou.”
“_…???…”
“_Quero que o senhor pegue logo o barco e volte mais cedo, estou aqui no estacionamento, perto da carrocinha do Geneal. Câmbio.”
“_Como? Câmbio.”
“_Fiz as compras na hora do almoço, guardei no carro, voltei pra repartição e na hora de ir embora não consegui abrir a porta do fusca. Câmbio.”
“_A senhora me desculpe, preciso trabalhar, vou desligar. Câmbio.”
Geneal |
“_Um momentinho, vou explicar melhor, a chave não abriu o carro cheio de arroz, feijão, macarrão, óleo… Aí olhei para o lado e vi outro fusca branco, igualzinho ao meu, só que era o meu carro! Guardei as compras no seu carro! Câmbio.”
“_Mas como a senhora abriu o meu carro? Câmbio.”
“_Não sei… A chave abriu uma vez na hora do almoço e agora não abre mais. Por favor, venha logo, preciso do macarrão para o jantar, meu marido fica preocupado se eu demorar. Câmbio.”
“_A senhora me espere, por favor. O barco sai daqui a meia hora. Mais uma hora e chego no estacionamento. Câmbio final.”
“_Muito obrigada, que alívio! Câmbio. Ah! Câmbio final.”
A história do macarrão que foi parar no carro ao lado rendeu muitas risadas na hora do jantar.
Dia das Mães, 1961 Foto de família |
Esta CrôniCaRioca é dedicada a todas as mães amorosas, cariocas e não cariocas, às mães escolhidas pelos filhos, às que escolheram seus filhos, e a todos que desempenham o papel maravilhoso, preocupante e gratificante que é criá-los.
Mães sempre são pioneiras!
Cambio final.
Urbe CaRioca
Juliana, certamente o macarrão ficou uma delícia, pois ela era uma cozinheira "de mão cheia" e que curtia preparar coisas gostosas, almoços de família aos domingos… Tudo gostoso! Bj
Que bela confusão a pilota do fusca se meteu. Aposto que ficou uma delicia o macarrão. Bjs