BALCÃO RJ: VENDE-SE TUDO, de Jean Carlos Novaes

Legalidade, Moralidade e Competência são produtos fora de Catálogo


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Publicamos posts sobre a aprovação de Projeto de Lei de autoria do Poder Executivo que autorizava a alienação de oito imóveis Próprios Municipais, recebidos em doação, pela Prefeitura do Rio, por imposição legal, para serem destinados à construção de escolas públicas e praças, conforme cada gravame registrado à época da doação.

Não é a primeira vez que a medida ocorre na atual administração do município, que já aprovou Projetos de Lei Complementar semelhantes em 2009 (v. Lei Complementar n 103/2009) e em 2014 (v. VENDO O RIO: NOVA LISTA DOS IMÓVEIS A SEREM VENDIDOS). O governo Estadual fez o mesmo em 2012 (VENDO O RIO, NO ESTADO – ESTUDO DE CASO: BOTAFOGO).

As análises sobre a decisão recente estão em VENDO O RIO – ALIENAÇÃO DE BENS DO MUNICÍPIO: O PL nº 1115/2015 (16/04/2015) e em VENDO O RIO, OITO TERRENOS DO MUNICÍPIO – DISCURSO E VOTAÇÃO DO PL Nº 1115/2015 (30/04/2015). O tema foi tratado com algum humor – e muita seriedade – em um poeminha nada superficial, o QUINTO POEMINHA – VENDO O RIO, MUITO MAIS!

O último contemplou também a proposta complexa que pretende instituir o “Direito de Superfície”, nada mais do que a alienar o uso de terras públicas e a construção nelas, o uso do espaço aéreo e do subsolo também de áreas públicas, além de embutir figura estranha ao estranho PL: a utilização de imóveis particulares e seus vizinhos em nova configuração espacial, assunto específico pertinente aos Códigos de Obras, em especial o Regulamento de Construções e Edificações – para o qual existe Projeto de Lei Complementar em análise, o PLC 31/2013 – Código de Obras e Edificações (COE).



Neste artigo o advogado Jean Carlos Novaes tece considerações jurídicas e administrativas, entre outros aspectos importantes que aponta. Em suas palavras contundentes, “… pior do que a ilegalidade e incompetência administrativa salta aos olhos algo muito mais grave: o fato de que estamos diante de mais um escândalo “político-jurídico-administrativo”.

Boa leitura.


Urbe CaRioca




BALCÃO RJ: VENDE-SE TUDO

Legalidade, Moralidade e Competência são produtos fora de Catálogo

A aprovação do Projeto de Lei que autoriza o Prefeito Eduardo Paes a vender terrenos públicos destinados à construção de ESCOLAS, CRECHES e PRAÇAS retrata muito bem a crise institucional que atinge a cidade do Rio de Janeiro, sobretudo no aspecto da MORALIDADE no trato com a res publica.

O argumento de que se faz necessário vender bens para fazer “caixa” se apresenta com um verdadeiro ATESTADO DE INCOMPETÊNCIA, tanto para o Prefeito, quanto para os Vereadores que com ele concordaram, aprovando mais essa monstruosidade jurídica.

Valermo-nos da ilustração de um “Atestado de Incompetência” pode parecer ofensivo aos cargos ou às pessoas que os ocupam. Esta não é a nossa intenção, portanto, apressemo-nos em nos fazer entender.

A nosso sentir, incompetentes são as pessoas que, infelizmente, se encontram na função de Prefeito e Vereadores. Tal incompetência poderia ser aferida por diversos meios e indicadores sociais, financeiros, econômicos, ambientais etc., mas esse não é o nosso objetivo com este texto.

Limitemo-nos apenas à questão financeira que, em última análise, seria o motivador do PL 1.115/2015.

Tendo em mente essa premissa, indagamos: – uma Prefeitura que dispensa a realização de estudos de viabilidade econômica, que concede perdão de dívidas, isenções fiscais, que renuncia a receitas, que doa bens públicos, tem legitimidade para querer vender bens para fazer caixa?

Parece-nos que não.

Não faz muito tempo, o Prefeito Eduardo Paes apresentou o projeto para a construção de um Campo de Golfe para as Olimpíadas de 2016, alegando que a malsinada obra, hipoteticamente orçada em 60 milhões de reais, não custaria nada aos cofres públicos.
Logo em seguida, apesar das negativas oficiais, viu-se que o mencionado projeto camuflava o perdão de dívidas fiscais (débitos pré-existentes), a renúncia de tributos, a doação de bem público (parte do Parque Marapendi) e a péssima negociação de vantagens econômicas, em uma conta que pode ultrapassar a cifra de 1 bilhão de reais.
Assim, sob o ponto de vista dos recentes “negócios” feitos pelo Executivo, percebemos a potencial existência de altos prejuízos aos cofres públicos.

O Projeto Legislativo em referência carimba a inépcia administrativa e a malversação dos recursos públicos.

Não obstante, é bom lembrarmos que a lei ora aprovada, apesar de formalmente se apresentar como LEI, se constitui em verdadeiro ATO ADMINISTRATIVO, eis que desprovida da abstração e generalidade que a caracteriza.

 A desafetação de bens públicos, é lição velha, se constitui em verdadeiro ato administrativo e, como tal, está sujeito ao controle jurisdicional.

Vale lembrar, ainda, que todo o ato administrativo, para ser legítimo e eficaz, há que ser praticado em conformidade com a norma legal de regência (princípio da legalidade), com a moral da instituição (princípio da moralidade), com a destinação pública própria (princípio da finalidade) e com a divulgação oficial necessária (princípio da publicidade).

A não observância de tais princípios contamina o ato de ilegitimidade, passível de desconstituição via controle de legalidade pelo Poder Judiciário.

Em outras palavras, não há como se admitir a legalidade de um ato administrativo que não esteja devidamente integrado à ordem jurídico constitucional e adequadamente motivado, sobretudo, a fim de demonstrar que essas vendas seriam de fato necessárias, e de que, em última análise, o interesse público estaria sendo preservado.

Entretanto, pior do que a ilegalidade e incompetência administrativa salta aos olhos algo muito mais grave: o fato de que estamos diante de mais um escândalo “político-jurídico-administrativo”.

Tal escândalo, a nosso ver, vem confirmar a contestável gestão do atual Prefeito, arbitrária e ilegal, que mais uma vez ocorre com a complacência da maioria dos representantes da Câmara, servientes aos interesses políticos e pessoais do chefe do Executivo.
Com efeito, muito embora se depreenda do artigo 30 da Constituição a possibilidade de alienação, cessão ou concessão de bem público, se previamente desafetado, há que se considerar que esta discricionariedade não é absoluta.

Tal regra não prevalece frente às áreas reservadas de loteamento.




A Lei nº 6.766/79, com as alterações introduzidas pela Lei nº 9.785/99, ao disciplinar a questão do parcelamento do solo urbano, estabeleceu, no inciso I do artigo 4º, que as áreas institucionais (sistema de circulação e implantação de equipamentos urbanos e comunitários) e as áreas livres de uso público (praças e parques), deverão ser proporcionais à densidade de ocupação prevista no plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem.

Cuida-se de norma geral urbanística, com força vinculante para os Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. E é, segundo a lição de Lúcia Valle Figueiredo, “dever do Município o respeito a essa destinação, não lhe cabendo dar às áreas que, por força da inscrição do loteamento no Registro de Imóveis, passaram a integrar o patrimônio municipal qualquer outra utilidade. Não se insere, pois, na competência discricionária da Administração resolver qual a melhor finalidade a ser dada a estas ruas, praças, etc. A destinação já foi preliminarmente determinada” (grifou-se, Disciplina Urbanística da Propriedade, p. 41, Editora Revista dos Tribunais, 1980).

No mesmo sentido é a lição de Paulo Affonso Leme Machado, que estabelece que o ente público só poderia se conduzir com discricionariedade nas áreas do loteamento que desapropriasse e não nas áreas reservadas legalmente: “do contrário, estaria o Município se transformando em Município-loteador através de verdadeiro confisco de áreas, pois receberia as áreas para uma finalidade e, depois, a seu talante, as destinaria para outros fins” (grifou-se, Direito Ambiental Brasileiro, p. 244, Editora Revista dos Tribunais, 1989).

Isto posto, a nosso ver, o Projeto de Lei n.º 1115/2015 não padece apenas dos vícios jurídicos sucintamente mencionados, mas de vícios políticos gravíssimos que revelam extrema debilidade do parlamento municipal, dada a recorrência e frequência que este tipo de legislação é aprovada no Rio de Janeiro, assim como ocorreu com a aprovação das Leis Complementares n.º 125/2013 (Campo de Golfe) e n.º 133/2013 (Operação Urbana Consorciada do Parque Natural da Barra da Tijuca). O referido Projeto revela ainda um agir do administrador público reiteradamente divorciado da legalidade e dos verdadeiros e nobres interesses públicos.


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