CrôniCaRioca
Jardim Botânico, Rio de Janeiro Best Brasil Blog |
A notícia dizia que em uma região brasileira há 161 escolas com nomes de políticos locais e de seus familiares. São pontes, avenidas, ruas e diversos prédios públicos. Busca no site Google mostra 10 ruas batizadas com um mesmo nome, na região, e que a mãe do patriarca também foi homenageada: nomina escola, rua e bairro.
A prática questionável de dar o nome da mãe a prédios públicos não é privilégio daquele lugar. Aconteceu em outros, mesmo que o único serviço relevante prestado ao Estado ou ao Brasil pela mãe amada tenha sido parir o filho e criá-lo, isto, uma obrigação. Sendo de tal grandeza o amor filial, deveria o político construir o que quisesse, desde que propriedade privada, com recursos próprios e não públicos, pregando então na fachada o nome que bem entendesse.
Na Cidade do Rio de Janeiro é lei: se é nome de rua já morreu, e não pode haver duplicidade. O homenageado jamais o saberá salvo consiga se comunicar com o político benfeitor, do além.
Pena, queria que uma escola municipal carioca tivesse o nome de minha Mãe, embora ela desgostasse do seu prenome.
Porque pobre não deixa rastro, do avô italiano que veio tentar a sorte por aqui na virada dos séculos XIX-XX só posso supor que fosse do norte da Bota, pois filha e netos eram brancos, quase todos alourados de olhos claros, quem sabe traços herdados do antigo Império Austro-Húngaro. Minha Mãe era branquinha, loura, de olhos muito azuis, cor que variava entre os cinco irmãos que dormiam atravessados em uma cama de casal e dois menores, no chão. Pares castanhos e azuis eram dois de cada. Um par, verde. Dos outros dois, não sei, morreram cedo de tuberculose.
Filha e netos do avô Vicente moraram na Gávea e no Leblon, nas primeiras décadas dos anos 1900, periferia, bairros da arraia miúda às vezes paupérrima que morava em favelas e cortiços – sobrados com subdivisões e “puxadinhos”. Eram trabalhadores, a mão-de-obra das fábricas de tecidos vizinhas: Corcovado, na Rua Jardim Botânico e Carioca, na Rua Pacheco Leão, da qual sobrou a antiga vila operária Chácara do Algodão, bem cultural tombado recém-descoberto pela classe média e artistas que buscaram o sossego do lugar.
Dizem que minha avó, filha do italiano, era tão linda que na Fábrica a apelidaram de Estrela. Tinha os olhos verde-claro, amarelados.
Fábrica Carioca de Tecidos – Jardim Botânico, Rio de Janeiro Fonte: www.museudohorto.org.br |
Todos os irmãos estudaram em escolas públicas, mas mal concluíram o Primário porque o apito da Fábrica os chamava. A Escola Municipal Luiz Delfino e a Escola Municipal Manoel Cícero, ambas na Gávea, continuam lá. Também são Bens Culturais protegidos.
Não existem mais as favelas da Memória, onde hoje fica o Batalhão da PM, do Capinzal, mais tarde substituída pelo Parque Proletário, Praia do Pinto, hoje “Selva de Pedra”, nem Jaguari, nas proximidades das Avenidas Visconde de Albuquerque e Niemeyer.
Escola Municipal Luiz Delfino – Gávea, Rio de Janeiro Fonte: www.rioquepassou.com.br |
Minha Mãe melhorou de emprego, conheceu meu pai no trabalho, ele se apaixonou (os olhos, talvez?) meus irmãos e eu nascemos. Uma de suas máximas – “Seu pai podia pagar então pus vocês no colégio particular; não acho justo tirar vaga de criança pobre” – era também crítica a um parente bem empregado que punha os filhos no colégio público “para economizar”.
Desobedeci àquela máxima e escolhi a UFRJ: oferecida a particular, pois também passei na prova, preferi a excelência no ensino. Não foi pela possível diferença entre ensino público e particular que cheguei à Faculdade. Muitos colegas vinham de escolas públicas bem conceituadas, estavam entre os melhores alunos e foram bem-sucedidos na profissão.
Em tempos de cotas já legais e nem por isso menos polêmicas, espero não ter ocupado a vaga de ninguém. Hoje, não sei se conseguiria a vaga, ainda que com boas notas. Mesmo com as misturas de várias gerações, o censo diz que sou branca.
Agradeço à minha Mãe por suas escolhas e por ter compreendido a minha.
Esta CrôniCaRioca é uma homenagem à minha Mãe Cremilda, às tias Linda e Landa, e à minha sogra Jurema, todas mulheres humildes que ensinaram aos seus filhos a importância do estudo e não mediram esforços para ajudá-los nessa conquista.
Nenhuma está mais aqui. Todas mereciam ser nome de rua.
Nenhuma está mais aqui. Todas mereciam ser nome de rua.
Feliz Dia das Mães!
Que bela história!
Texto excelente, com um pouco de história, uma boa dose de verdade política (nome de escola de mãe de político??) e, principalmente com uma bela homenagem 'a minha lindíssima e saudosíssima avó, e 'a nossa famíliaretratando muito bem o que são as mães guerreiras do dia-a-dia da nossa sociedade.
Feliz Dia das Mães para a mãe mais maravilhosa das galáxias!!!
Lindo e tocante o texto, Maria Dedé.
Parabéns pelo Dia de hoje e um "bom almoço"
bjs
Elisa
Obrigada, Vera. Muito bom ter notícias de você. Bj. Andréa
Muito bonito Andrea,
muitos Beijos e Um Dia Feliz pra voce com sua familia.
Vera
À Ignez, Renata, Maria Laura, Claudio Taulois e demais amigos que comentaram a CrôniCarioca pelo e-mail, muito obrigada, e agradeço mais ainda por terem também compartilhado suas histórias e memórias cariocas. Um abraço.
Andrea, seu texto me levou como um passeio de bonde pelo tempo e espaço, com os passageiros – sua família, mas a minha também podia estar lá – percorrendo esse canto simples do Rio onde as construções, mesmo de porte, então se perdiam na paisagem. Sem portas ou janelas a limitar a convivência com o entorno e avançando devagar, o bonde permitia que bem se conhecesse a cidade, as fábricas e seus operários, as vilas e escolas ali citados. E também os imponentes portões das velhas chácaras, as casas burguesas com muros baixos e o comércio simples – vendas e armazéns – que atendia a todos. Tempos de uma tranquilidade que definitivamente nós perdemos.
Um grande abraço
Obrigada Andrea, que tão perfeitamente fez essa linda crônica, não somente para sua mãe, minha querida tia, mas também para minha mãe, para minhas tias, cunhadas, primas, para as amigas, vizinhas, conhecidas…enfim para todas as Mães CaRiocas!
De um jeito doce e emocionante descreveu uma estoria que com certeza não é só nossa, da nossa família, mas a de milhares de imigrantes que escolheram e tiveram a sorte de ser acolhidos em terra tão maravilhosa como esta nossa. Abençoada todos os dias por suas belezas naturais, com um povo alto astral e sorridente, ainda que suas mães sofram as preocupações diárias de uma cidade grande mas que também vivem a graça de suas CRIAnçaS brincando na praça, correndo na areia das praias, respirando o verde de seus parques e jardins…
Parabéns e Obrigada Andrea,por tão linda e doce crônica, homenagem.
Beijo bjim BJÃO e Feliz dia das Mães primadrinha!
Uma bela homenagem em um texto emocionante e saudoso ! Feliz dia das mães, parabéns pelo seu dia… certamente Camila e Patricia fizeram escola e seguirão os seus ensinamentos. Beijos. Renata Waldez
Andrea, linda e emocionante a crônica. Uma bela homenagem a todas as mulheres que mereciam e merecem ser nomes de ruas.
Feliz Dia das Mães!