PLC nº 123/2015 – UMA PANACEIA EMPACOTADA

Do conjunto chama a atenção o Projeto de Lei Complementar nº 123/2015 que “estabelece normas de incentivo à produção de unidades residenciais na cidade do Rio de Janeiro”, como reza a ementa.

Trecho de LEIS URBANÍSTICAS, PACOTE 2015 – DIVULGAÇÃO

O conjunto de propostas enviadas pelo Poder Executivo à Câmara de Vereadores no final de agosto consiste em seis futuras leis ligadas ao uso do solo no Rio de Janeiro, à isenção de impostos e à aplicação de multas, em tese com o objetivo de estimular a construção de prédios residenciais e incentivar ou punir proprietários de imóveis abandonados ou sem uso, conforme cada caso. O “Pacote 2015”, portanto, compõe-se de normas urbanísticas e tributárias.


O Projeto de Lei Complementar nº 123/2015, que “estabelece condições de incentivo à produção de unidades residenciais na Cidade do Rio de Janeiro” faz parte desse conjunto. Os objetivos listados na proposta mereceriam aplausos, não fosse a disparidade entre as modificações das leis vigentes e os decorrentes benefícios apregoados*, que vão desde o fomento à “produção de unidades habitacionais” até “adequar a Cidade a um novo paradigma, com ações de resiliência e de mobilidade sustentável, ancorado na utilização do transporte público, em detrimento do transporte individual”.



As virtudes exaltadas na extensa justificativa, por si, transformam a proposta em uma panaceia e diminuem a veracidade do discurso (v. Mensagem nº 120 de 26/08/2015).


Um aspecto parece verdadeiro: reduzir o programa dos edifícios exigindo-se menos área comum e estacionamentos fará o custo da construção diminuir, pois o PLC dispensa a construção de apartamento para zelador, alojamento e vestiário para funcionários, em alguns casos a área de recreação, e reduz o número de vagas para carros. O resto é confete. Exemplos e comentários:

Art. 4º O pavimento térreo das edificações residenciais multifamiliares, independente do número de pavimentos da edificação, poderá ser constituído por áreas destinadas a acessos, circulações, estacionamento de veículos, áreas para recreação, lazer, dependências de serviços e unidades habitacionais…

Construir unidades residenciais no andar térreo conforme o art. 4º não é proibido. Porém, o andar com essa configuração é contado no número máximo de andares permitido. O inocente artigo não menciona esse aspecto que acarreta diminuição da altura do edifício. Na prática, se ganha mais um andar útil sem a obrigação de computá-lo no gabarito. Diminuir um andar para tornar a construção ainda mais econômica deveria ser de interesse. Ou não?

Art. 6º As áreas de afastamento frontal poderão ser ocupadas por estacionamento em subsolo, desde que totalmente enterrado, e por equipamentos mecânicos exigidos pelas concessionárias de serviços públicos (…)

Afastamento frontal é área non-aedificandi criada na legislação urbana da década de 1970, espécie de reserva para alargamento futuro das ruas, se necessário, por desapropriação. Permitir estacionamento e equipamentos mecânicos exigidos pelas concessionárias de serviços públicos nessa faixa no subsolo anula a possibilidade de futuras desapropriações e pode criar conflitos entre obrigações do setor público e do particular. Note-se que construir no subsolo é mais caro, o que foge a um dos objetivos da proposta!

Art. 7º Fica restringida a uma vaga por unidade residencial a exigência mínima de vagas de estacionamento de veículos para as unidades residenciais situadas em bairros ao longo do traçado dos Sistemas de Transporte Metroviário, Ferroviário ou Corredores BRT/OTRs – Ônibus de Trânsito Rápido.
§ 1º O disposto no caput deste artigo não se aplica às áreas da XXIV RA. (…)
§ 5º Uma vaga de estacionamento poderá prender até duas vagas, desde que pertencentes a mesma unidade. (…)
Art. 8º Os órgãos municipais de transportes e engenharia de tráfego poderão restringir o número máximo de vagas, quando for recomendado na análise do impacto no sistema viário e acessibilidade.

Passa a ser exigida só uma vaga de veículo por unidade residencial, em praticamente toda a cidade (bairros ao longo do traçado dos Sistemas de Transporte Metroviário, Ferroviário ou Corredores BRT/OTRs – Ônibus de Trânsito Rápido) exceto na XXIV – Região Administrativa (Barra da Tijuca) que abrange os bairros Joá, Itanhangá, Barra da Tijuca, Camorim, Vargem Grande, Vargem Pequena, Recreio dos Bandeirantes e Grumari. O artigo não esclarece porque a benesse não se aplica à XXIV RA. A resposta pode estar no artigo seguinte. Exigir apenas uma vaga não impede que o empreendedor ofereça mais, o que, no entanto, pode ser negado se os órgãos municipais de transportes e engenharia de tráfego assim decidirem. Se a restrição não se aplica à Barra da Tijuca e demais bairros citados o mercado imobiliário na região mais cobiçada do Rio continuará livre para construir quantos estacionamentos quiser, mesmo onde também há BRTs.

Quanto à possibilidade de “prender duas vagas” – detalhe que passa despercebido e refere-se a 3 (três) vagas de uma mesma unidade – muda-se a configuração estabelecida pelo Decreto nº 7336/88 para melhorar a circulação nos estacionamentos.

Na XXIV RA, também servida por BRT, não haverá mudança de paradigma.

Art. 10. Nos empreendimentos habitacionais deverão ser atendidas as seguintes condições de sustentabilidade:
I – uso de descarga de vasos sanitários com mecanismo de duplo acionamento;
II – torneiras dotadas de arejadores nos lavatórios, cozinhas e áreas comuns;
III – registros reguladores de vazão nos pontos de utilização;
IV – arborização do passeio junto à testada do lote;
V – previsão de compartimento para coleta seletiva de lixo.
As pretensas condições de sustentabilidade são nada além do que interessantes. Qualificar aspectos que o bom construtor poderia adotar por si próprio – por exemplo, criar estacionamento para bicicletas e adotar vasos sanitários com mecanismo de duplo acionamento – como capazes de auxiliar “na redução dos custos de construção e manutenção dos imóveis residenciais (…)” e “colaborar na diminuição do enorme deficit habitacional existente na atualidade, que fomenta, inclusive, a informalidade e a favelização” por certo é um exagero.

Curiosa é a preocupação, com a sustentabilidade, de gestão que retirou 450 ha do Parque Municipal Ecológico Marapendi para construir um Campo de Golfe desnecessário.

Área retirada do Parque Municipal Ecológico Marapendi, reserva ambiental integrante da Área de Proteção
Ambiental Marapendi, para a construção de um Campo de Golfe: aproximadamente 450.000,00 m², ou, 45 ha.

Por outro lado, afirmar que a propostavisa a reduzir as exigências de vagas de estacionamento em zonas próximas às redes de transporte de alta capacidade [nota do blog: menos na XXIV RA!], criando a possibilidade de construção de edifícios mais adequados ao paradigma de cidade compacta e ambientalmente sustentável que as recentes boas práticas urbanas recomendam” é exatamente o oposto ao que a atual gestão tem feito ao longo dos últimos sete anos, ao criar o PEU Vargens, ao incentivar a construção do Parque Olímpico e da Vila dos Atletas em Jacarepaguá, e ao propor  índices urbanísticos maiores ao longo do BRT Transcarioca: o discurso é um e a prática é outra.

Por fim, há a questão da forma.

Ao alterar vários itens do Regulamento de Construção de Edificações Residenciais Multifamiliares – diploma legal que detalha as condições mínimas adequadas das habitações – sem incorporá-los a esse texto, o PLC cria mais uma colcha de retalhos no conjunto de normas edilícias no Rio de Janeiro, cada vez mais de difícil compreensão: a proposta não parece ter sido redigida pelo corpo técnico da Prefeitura.

As medidas não poderão garantir que o preço final do imóvel e o valor do m² por região diminuirão para que novas camadas da população tenham acesso à propriedade, nem que a cidade pare de se expandir. O único benefício certo é o agrado ao mercado imobiliário.

O texto da proposta na íntegra está neste LINKVale conhecer também a justificativa, um malabarismo divertido para explicar pequenices.

Urbe CaRioca

__________

* Art. 2º São objetivos desta Lei Complementar:
I – fomentar a produção de unidades habitacionais na Cidade do Rio de Janeiro;
II – diminuir os custos de construção de unidades habitacionais, simplificando e reduzindo as exigências edilícias nas edificações destinadas ao uso residencial;
III – reduzir os custos de manutenção das habitações adotando regras que contribuam para a economia de água, redução dos resíduos sólidos e amenização climática, colaborando para o desenvolvimento da qualidade ambiental;
IV – criar normas que estimulem o adensamento populacional em áreas com transporte coletivo de alta capacidade;
V – adequar a Cidade a um novo paradigma, com ações de resiliência e de mobilidade sustentável, ancorado na utilização do transporte público, em detrimento do transporte individual;
VI – atualizar as exigências legais de vagas de estacionamento, de modo a abordar a situação surgida nas últimas décadas com a redução das áreas construídas das unidades residenciais, que gerou uma relação desproporcional entre a área útil das unidades e a área destinada a estacionamento;
VII – reduzir o deficit de habitações na Cidade.

  1. Caro Eduardo, obrigada pelo contato. Não é proibido usar o espaço do afastamento frontal para lazer, estar, etc. em alguns casos excepcionais até são permitidas algumas construções. O que entendo é que existe uma área (medida) mínima para recreação infantil, que era de 40,00m2. Nesta área mínima não era permitido considerar o afastamento frontal. Assim, se no projeto a recreação fosse contígua ao espaço do afastamento, por exemplo, este seria incorporado naturalmente e a área para recreação seria ainda maior do que o mínimo necessário. Agora parece que o afastamento já pode ser computado, o que indiretamente reduz o espaço antes obrigatoriamente reservado na edificação. Um abraço.

  2. Bom dia Andréa, obrigado pela análise, principalmente por ressaltar a questão da colcha de retalhos infinita em nossa legislação urbanística.
    Fiquei intrigado com a permissão de área de lazer no afastamento. Já não era permitida?

  3. Estão estuprando o RJ com tanto prédio depois nós é que vamos chorar, com falta de água, transito, falta de meios de transporte suficientes para as pessoas, estresses, enfim um caos e engraçado que não vejo o ministerio público nem a Defensoria nem o TCE.

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