Neste artigo, o geógrafo Hugo Costa destaca que a Zona da Leopoldina, que nos anos 1980 figurava como objeto de desejo da classe média carioca, é hoje um retrato vívido do abandono urbano. Naquele período, a região atraía investimentos privados e publicidade de peso — como o icônico comercial estrelado por Xuxa e Pelé, promovendo apartamentos com piscina, sauna e vista para a Igreja da Penha. Quase quatro décadas depois, a realidade mudou drasticamente: os imóveis se fecham, muitos são abandonados, e a população migrou para outras áreas da cidade, transformando a Leopoldina em uma espécie de “cidade fantasma” dentro da metrópole.
O autor revela que essa transformação não ocorreu de forma isolada, mas refletiu décadas de políticas públicas inconsistentes e de investimentos concentrados em outras regiões do Rio de Janeiro. Planos diretores e estratégias urbanísticas sucessivas, de 1992 a 2021, apontaram repetidamente a necessidade de revitalização, criação de áreas verdes e melhoria da infraestrutura, mas pouco foi efetivamente executado. Enquanto a Zona Oeste cresceu e prosperou, a Leopoldina viu seu dinamismo econômico e demográfico declinar, deixando ruas inteiras marcadas pelo abandono e pelo descaso, evidenciando o contraste entre o potencial histórico da região e sua realidade atual.
Urbe CaRioca
Zona da Leopoldina: de objeto de desejo da classe média a cidade fantasma, com inúmeros imóveis abandonados e fechados
Hugo Costa, Geógrafo

O ano era 1986, e era possível ver nos televisores um comercial de venda de apartamentos voltados à classe média carioca. Não era qualquer comercial, mas incluía o que talvez fossem os garotos propaganda mais caros da história imobiliária do país. Ninguém menos que o casal Xuxa e Pelé mostravam os confortáveis apartamentos no prédio que contava com piscina, sauna e seu maior atrativo: a vista da inigualável Igreja da Penha. Veja o comercial aqui.
Quatro décadas depois, um período que qualquer pessoa pode ter em uma única geração, a realidade desta região ficou completamente diferente.
Em 1991, a divulgação do primeiro Censo Demográfico do período de redemocratização no Brasil indicou que algo estava acontecendo na Cidade do Rio de Janeiro: bairros da Zona Oeste, principalmente no litoral oceânico, estavam ganhando população, mas os subúrbios da Zona Norte caminhavam no sentido inverso.

Ao perceber isto, em 1992, o poder público municipal cria o primeiro Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro e dispôs que esta região da Zona Norte demandava a “criação de áreas verdes e espaços para recreação, esporte e lazer” (art.67, VI) e de “melhoria das condições dos espaços públicos, dotando-os de arborização, equipamentos de uso coletivo, como telefones públicos, caixas de correio e cestas de lixo, entre outros” (art.67, VIII).
Após a publicação desta lei, que visava melhorar os subúrbios da Zona Norte, as grandes obras entregues pela Prefeitura do Rio de Janeiro foram: a duplicação da Av das Américas (Barra da Tijuca x Zona Sul) em 1994, a inauguração da Linha Amarela (Barra da Tijuca x Centro), em 1998. Para recebermos os jogos do Pan-Americano, em 2007, a Prefeitura do Rio de Janeiro também fez várias obras de infraestrutura na região da Barra da Tijuca, inclusive um enorme condomínio hoje conhecido como Vila do Pan e um grande prédio público: o Cidade das Artes, construído em 2003 e entregue apenas em 2013.

Em 2010, o novo Censo Demográfico mostrou a mesma situação: esvaziamento dos subúrbios da Zona Norte do Rio de Janeiro e aumento do número de habitantes na Zona Oeste, principalmente no seu litoral. Mais uma vez o poder público municipal agiu em sua nova versão do Plano Diretor da Cidade (2011): “A ocupação urbana do Município se orientará segundo os seguintes vetores de crescimento: pelo adensamento da população na Macrozona de Ocupação Incentivada, preferencialmente nas vias estruturadas da Zona Norte, da Leopoldina e de Jacarepaguá” (Art.33, I) e “Promover a criação de áreas verdes, espaços para recreação, esporte, lazer e atividades culturais” (Capítulo “Macrozona de Ocupação Incentivada”).
O Plano Diretor de 2011 indicou pela primeira vez explicitamente a preocupação com a Zona da Leopoldina, e deixou bem claro as suas necessidades. Este texto do Plano Diretor replicou a preocupação do primeiro Plano Estratégico da Prefeitura do Rio de Janeiro, feito para o período de 2009 – 2012, que dizia: “Há um grande desequilíbrio no nível e dinamismo econômico entre diversas regiões da cidade (Barra x Zona da Leopoldina, por exemplo”)

Na vigência deste Plano Diretor, podemos destacar as grandes obras da Cidade do Rio de Janeiro: Construção do Sistema BRT TransOeste (Barra da Tijuca x Subúrbios da Zona Oeste), BRT Transcarioca (Barra da Tijuca x Subúrbios da Zona Norte) , a extensão do Metrô (Barra da Tijuca x Zona Sul) e o Parque Olímpico com a respectiva Vila Olímpica com o enorme condomínio batizado de Ilha Pura, na Barra da Tijuca.
Em 2022, um novo Censo mostrou o resultado da política pública da Cidade do Rio de Janeiro, e infelizmente sem surpresas: Zona Oeste cresceu, principalmente em seu litoral, e Zona Norte perdeu mais moradores do que nunca antes em sua história.
Os quase 40 anos que separam o comercial do apartamento feito pela Xuxa e Pelé, na Zona da Leopoldina, e os dias atuais, conseguem ser representados pelos resultados dos Censos e pelo enorme número de imóveis que os proprietários preferiram concretar as portas e janelas para os abandonar com reativa segurança, já que não tem para quem vender ou alugar. Pelo histórico de investimentos do poder público municipal, ninguém mais vê atrativos em investir seu capital privado na região.

Mais recentemente, em 2021, foi criado o Plano de Desenvolvimento Sustentável e Ação Climática pela Prefeitura do Rio, apontando na Zona da Leopoldina a maior carência de áreas verdes (parques e praças públicas). O Plano de Desenvolvimento de 2021 acabou reproduzindo os Planos Diretores de 1992 e 2011, já que como ficou claro, muito pouco deles foram executados.
Desde 2021, mesmo com a indicação clara que há essa carência neste ponto da cidade, nenhum parque desde então foi feito nesta região, seguindo o histórico do poder público municipal de não investir onde os planos apontama maior necessidade. Parece que a história se repete, e mais imóveis se esvaziam, e mais fantasmas de um passado próximo ganham ruas inteiras dentro da Cidade Maravilhosa.
Nada como um bom profissional, e local, para analisar o q se passou com esses bairros
Lembro de minha infância e adolescência entre Ramos e Olaria , onde aprendi a apreciar os belíssimos imóveis em estilo art deco… os cinemas os sobrados e a influência dos judeus e portugueses no desenvolvimento da área! Gestão equivocada e lamentável levaram à decadência! Uma pena! Triste!