Neste artigo, a arquiteta Andréa Martins Koehler destaca os impactos sofridos pela pelas comunidades carentes do Rio de Janeiro e da Cidade de forma geral diante da ausência de saneamento básico, a falta de planejamento urbano, o descaso com o cumprimento das legislações urbanísticas, a falta de uma política de habitação popular e de uma fiscalização efetiva, entre outras demandas. Vale a leitura !
Urbe CaRioca
Água de esgoto
Andréa Martins Koehler – Arquiteta
No início do mês de março, a cidade do Rio de Janeiro e outras grandes metrópoles do nosso país foram castigadas por intensas chuvas. As comunidades carentes sofreram um maior impacto devido à localização geográfica na qual estão inseridas, muitas vezes situadas em bases de encostas, ao longo de rios, córregos e valas.
A vulnerabilidade dessas áreas em épocas de chuvas é intensificada principalmente pela ausência de saneamento básico, que contempla os serviços de drenagem urbana, fornecimento de água potável, rede de esgoto e coleta de lixo.
A falta de planejamento urbano, o descaso com o cumprimento das legislações urbanísticas, a falta de uma política de habitação popular e de uma fiscalização efetiva, a fim de cumprir as determinações da LUOS; lei de uso e ocupação do solo e do Plano Diretor, lei complementar nº 111/2011, geraram diversas áreas informais em nossa cidade. Leis essas que estabelecem as diretrizes e normas de apropriação e ocupação do solo nos municípios, cuja responsabilidade, segundo a descrição da própria lei, é exclusiva da Prefeitura. Não é necessário um “olhar” de arquiteto para se constatar a desconfiguração da paisagem, a desordem do espaço urbano e as desigualdades sociais do Rio de Janeiro.
Comunidades consolidadas, deveriam ser contempladas com os serviços de saneamento básico, conforme consta na descrição do Plano Diretor, no Capítulo VI da Política de Saneamento Ambiental e Serviços Públicos:
Art. nº 219 – São objetivos da política de saneamento e serviços públicos;
VIII-priorizar as áreas de favela, de loteamentos irregulares e de bairros consolidados para promover a captação e destino final dos esgotos sanitários e, preferencialmente, dar início a ações diretas na Zona Oeste da cidade, em especial, as bacias que demandam a Baía de Sepetiba.
Na realidade, são regiões desprovidas desses serviços, extremamente importantes para se garantir uma qualidade de vida digna. Por outro lado, o “modus operandi” da população e a falta de consciência ecológica, comprometem a resiliência do seu próprio habitat.
A constatação da degradação da natureza, se revela na diminuição da permeabilidade do solo, nos processos erosivos causados pelo desmatamento da vegetação e na extração ilegal de minério. Consequências essas provenientes das construções das edificações irregulares.
As vielas estreitas das comunidades, dificultam o acesso, tornando a coleta de lixo precária. O descarte de lixo à revelia, inclusive nos cursos d’água, obstrui a drenagem pluvial e impede a vazão normal dos rios, canais e valas, intensificando o problema das enchentes. O chorume, além de atrair vetores, transmitindo doenças infecto contagiosas, que acometem principalmente as crianças e idosos, poluem os cursos d’água.
Hoje, testemunhamos a péssima qualidade da água de nossos corpos hídricos em função da falta de atitude ao longo dos anos do poder público no sentido de instituir uma força tarefa em conjunto com os órgãos de fiscalização, contendo as ocupações ilegais. Conhecidas também como áreas informais, algumas, atingiram dimensões superiores à de muitos bairros de nossa cidade.
O excesso do lançamento de esgoto “in natura”, descartado pelas inúmeras favelas, pelos condomínios de alto luxo que possuem ETES (estações de tratamento de esgoto) sem funcionamento e as inúmeras ligações clandestinas das áreas informais e formais, comprometeram a resiliência da natureza. Ela não é mais capaz de depurar o grande volume de esgoto e poluentes lançados ininterruptamente e em projeção geométrica.
O bioma aquático, a fauna, a flora e os manguezais que possuem a função de berçários naturais e abrigam uma grande diversidade de espécies encontram-se vulneráveis. O resultado deste impacto negativo gera um fenômeno conhecido por eutrofização da água, e no qual os nutrientes existentes no esgoto são depurados pelas bactérias aeróbias, que consomem o oxigênio (O2), diluído na água.
Esse processo bioquímico estimula a proliferação das algas e cianobactérias que se acumulam na superfície da água formando um imenso tapete verde, impedindo desta forma a entrada da luz solar. Sem luz, não há a fotossíntese, que é realizada pelas algas enraizadas no fundo das águas. Sem o ciclo do O2, os peixes morrem por anóxia (falta de oxigênio) e as algas do fundo também.
Após a decomposição da matéria morta, (algas), pelas bactérias anaeróbias (que não precisam do O2), as algas se transformam em um lodo pútrido, conhecido como “biomassa”, e que se acumula no fundo dos corpos hídricos. Este processo provoca a diminuição da altura da lâmina d’agua, comprometendo a navegação e a pesca artesanal.
O produto desta decomposição é o gás metano (CH4), conhecido como o gás dos pântanos. Ele possui mau cheiro e é 20 vezes mais poluente do que o CO2. Segundo pesquisas, a sua evaporação da superfície da água para a atmosfera contribui de 3% a 4% para o efeito estufa.
Até quando a nossa cidade e tantas outras irão suportar o crescimento vertiginoso das favelas? Até quando a Prefeitura e os demais órgãos de fiscalização vão se recusar a cumprir a Lei? Até quando a população vai beber coliformes fecais? Até quando vão protelar o desfecho da MP do saneamento básico?
O marco regulatório do saneamento vem sendo postergado desde o ano de 2018, com as MPS números 844 e 868 e em 2019 com o PL nº 3. 261. Ambas perderam a validade e foram arquivadas. Em 11/12/2019, o PL n º4.162 foi aprovado, encaminhado ao Senado e encontra-se em tramitação. Só nos resta aguardar e torcer para que a iniciativa privada consiga lapidar o atual sistema de esgotamento ineficiente e falido da cidade do Rio de Janeiro.
Profundamente sério o artigo da nossa arquiteta , cheios de explicações que não deixam duvidas quanto `a excelência da autora no que concerne ao conhecimento da cidade . Lamentável muito lamentável o que as autoridades deixam de fazer para o bem das comunidades e a cidade em geral . Parabéns