ATÉ AQUI CAÍRAM DOIS MINISTROS E, TALVEZ, UM GABARITO SOTEROPOLITANO

E UM ESCLARECIMENTO PARA CORA RÓNAI




Este blog publicou GABARITO SOTEROPOLITANO DÁ O QUE FALAR!Uma CrôniCaRioca com sotaque baiano na última terça-feira, dia 22/11. Apenas um ministro havia pedido demissão.

Passados mais alguns dias, o segundo ministro também pediu demissão.

Quem acompanha o noticiário sabe que o assunto atingiu dimensão política inimaginável, com ares de filme policial onde não faltam especulações, intrigas, gravações secretas, entrevistas, declarações de toda ordem, disse-me-disse, e a oposição, que até pouco tempo era situação, ‘deitando e rolando’ sobre o flanco aberto na situação que até pouco tempo era… também situação!

Não obstante a importância dos fatos relatados – o pedido de um ministro a outro para que interferisse em uma decisão do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN de modo a que esse órgão liberasse a construção de uma torre de apartamentos cuja obra foi embargada (v. artigo de Sonia Rabello sobre questões institucionais) – , alimento até para a mídia fantástica, muitas perguntas ficam sem resposta, outras nem mesmo foram feitas:

Os ministros caíram. E o gabarito, cairá mesmo? A Justiça decidirá que, havendo uma licença – um ato administrativo vinculado – , se cancelada, acarretará indenizações a todos os proprietários, e não só ao ministro ponderador? Ou a Justiça permitirá a construção? Aliás, houve licença? Quem licenciou, se o fez erradamente, cairá também? Qual foi o parecer do IPHAN-BA e quem o corroborou ou contrariou? O projeto estava conforme a lei urbanística e a lei de proteção do patrimônio cultural vigentes na capital soteropolitana? Quais são essas as normas vigentes? Algum jornalista já leu o processo? O MP baiano pediu cópias do processo? Alguém viu o alvará de obras?


A reportagem de ontem – Em Salvador, polêmica cerca empreendimentos em áreas históricas – dá pistas sobre este e outros casos anteriores.
Nesse contexto há que comentar um trecho do artigo de Córa Rònai publicado no dia 24 (O Globo, Segundo Caderno): Uma batata assa em Brasília.

A violência de uma cidade não se expressa apenas no número de assassinatos ou de assaltos que acontecem nas ruas. Ela se expressa também em outras formas de agressão cotidiana aos cidadãos, do trânsito e da poluição a uma arquitetura que evidencia que as leis ou não funcionam, ou não são iguais para todos.
Não há uma só cidade que eu conheça no Brasil em que não haja exemplos concretos desse desvirtuamento da lei, a começar aqui pelo Rio, a começar até aqui pela minha rua, onde entre prédios de 12 ou 13 andares erguem-se dois espigões com o dobro do tamanho dos outros. Basta olhar para eles para ver que funcionários públicos foram corrompidos, licenças foram negociadas por baixo dos panos e a prefeitura fez que não viu. Eles são monumentos à canalhice de um sistema apodrecido, sem ferramentas efetivas de fiscalização.

Nesses parágrafos uma afirmação da prestigiosa colunista é verdadeira: “Ela (sobre a violência de uma cidade) se expressa também em outras formas de agressão cotidiana aos cidadãos, do trânsito e da poluição a uma arquitetura que evidencia que as leis ou não funcionam, ou não são iguais para todos”.

As demais são algo equivocadas, e tornam-se graves ao serem generalizadas. “Basta olhar para eles para ver que funcionários públicos foram corrompidos” é pouco, podemos afirmar, cara Cora. Por certo muita coisa é negociada por baixo dos panos, sim. Mas pior é o que está por cima dos panos! Leis urbanísticas especiais aprovadas por prefeitos e vereadores, muitas negociadas, dizem, mas… que se tornam leis! E revestem de legalidade o que antes descumpriria as normas. Vale lembrar que funcionários públicos de carreira não pedem demissão, salvo de cargos de confiança, se acharem por bem.

Os hotéis na orla de Copacabana da década de 1970 são um ótimo exemplo: as torres que destoam da paisagem estão dentro de gabaritos de altura e de volumetria concedidos por lei especial! Agora, ‘Pra Olímpíada’, o prefeito atual repetiu o feito daqueles tempos em que ninguém podia reclamar de nada e criou novamente benesses para hotéis, tudo “conforme lei” sancionada por ele com o auxílio de sua bancada*. O Condomínio Ilha Pura, que abrigou a Vila dos Atletas, é outro exemplo, “legal” conforme o famigerado Projeto de Estruturação Urbana – PEU Vargens. O caso do Campo de Golfe dito olímpico é outro exemplo expressivo, para o Mal! O Maracanã, bem cultural tombado, foi praticamente demolido! O Cinema Leblon foi destombado!

Área retirada do Parque Municipal Ecológico Marapendi, reserva ambiental integrante da Área de Proteção Ambiental Marapendi, para a construção de um Campo de Golfe: aproximadamente 450.000,00 m², ou, 45 ha.
Obs. Nessa medida está incluída a parte de 58.000,00 m² doada ao antigo Estado da Guanabara, portanto área já tornada pública e pertencente ao Parque. o restante seria obrigação do empreendedor dos condomínios Riserva também passar para a Prefeitura como parte do processo de licenciamento para construir, obrigação esta que, junto com a de construir a Avenida Prefeito Dulcídio Cardoso, foi dispensada em mais uma benesse urbanística prejudicial à cidade com a qual proprietários do terreno e construtores foram agraciados, entre outros favores.


Em Ipanema e Leblon há uma verdadeira dança dos gabaritos, fruto de leis urbanísticas incentivadoras do mercado imobiliário, também nos anos 1970. Gabaritos maiores uns do que os outros, ou prédios muito altos, empenas horrorosas e embasamentos desumanizados e que desumanizaram as ruas, portanto, podem ter sido licenciados perfeitamente dentro das leis, estas, tantas vezes perniciosas e prejudiciais, em especial na cidade do Rio de Janeiro onde a paisagem natural exuberante e excepcional é sistematicamente agredida, seja conforme as normas oficiais, seja pelas ocupações irregulares!


Sim, Cora, as leis não funcionam ou não são iguais para todos. Quem sabe o episódio urbano-político-soteropolitano servirá para que todos fiquem mais atentos às questões das cidades que afetam a todos nós?

Urbe CaRioca


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V. artigo de autoria da responsável por este blog, publicado no Jornal O Globo em 2010: BENEFÍCIOS DUVIDOSOS.

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