Neste artigo publicado originalmente no O Globo, Liszt Vieira, integrante do conselho da Associação Terrazul e da coordenação do Fórum 21, foi coordenador do Fórum Internacional de ONGs durante a Rio-92 e Roberto Anderson Magalhães, arquiteto e professor na PUC-Rio, abordam os impactos da provável construção do Estádio do Flamengo.
“Do ponto de vista urbanístico, os impactos com a construção de um estádio para 80 mil pessoas serão consideráveis, trazendo enormes problemas para o trânsito na área e no acesso à Ponte Rio-Niterói e perturbando o bom funcionamento da rodoviária e do recém-inaugurado Terminal Gentileza”, destacam.
Urbe CaRioca
Estádio do Flamengo é gol contra o Rio
Por Liszt Vieira e Roberto Anderson Magalhães – O Globo
O decreto que desapropriou a área do Gasômetro, nas margens do Centro do Rio, é uma agressão jurídica e urbanística à cidade e seus habitantes. Um terreno pertencente à Caixa Econômica Federal, um bem público, será entregue a uma empresa privada, o Clube de Regatas do Flamengo, para a construção de seu estádio, reforçando o fracassado dogma neoliberal de privatizar o que é público.
Lembremos que a desapropriação por utilidade pública torna público o que é privado, em benefício do interesse público. E que a execução da benfeitoria pretendida com a desapropriação se dá sob a gerência do poder expropriante. No caso, temos o inverso: uma empresa pública federal é expropriada de um de seus bens, o que contraria a legislação sobre desapropriações, recebendo um valor inferior ao que ela acredita valer o terreno, para favorecer um único clube privado de futebol. A articulação política para dobrar a Caixa Econômica é poderosa, refletindo a força do Flamengo. Além do prefeito, há autoridades em Brasília envolvidas nesse processo.
Os custos das obras viárias e da infraestrutura caberão à Prefeitura, os prováveis problemas serão sentidos por toda a população, mas os benefícios serão privados. Tudo isso sem plano urbanístico, afetando o patrimônio, sem a devida prioridade à construção de escolas, postos de saúde, saneamento, moradias etc.
Do ponto de vista urbanístico, os impactos com a construção de um estádio para 80 mil pessoas serão consideráveis, trazendo enormes problemas para o trânsito na área e no acesso à Ponte Rio-Niterói e perturbando o bom funcionamento da rodoviária e do recém-inaugurado Terminal Gentileza. A uma distância de apenas 4 quilômetros do Maracanã, e não longe dos estádios de São Januário e Nilton Santos (Engenhão), este novo estádio é um contrassenso e uma ameaça à viabilidade econômica do Maracanã. Seria lamentável se o querido Maracanã tivesse o destino de outros construídos para a Copa de 2014 e que permanecem ociosos.
Além disso, não tem sentido reservar 90 mil m2 no centro da cidade para uso em apenas quatro ou oito horas por semana. É importante salientar que o clube deseja comprar também um terreno vizinho, do outro lado da Avenida Pedro II, para construir um estacionamento. Assim, a área subtraída a usos mais desejados, como moradia e serviços, seria bem maior. O terreno, apesar de esforços já realizados de descontaminação das substâncias tóxicas da antiga fábrica de gás, muito provavelmente ainda segue contaminado.
Não há estudos de impacto ambiental e de vizinhança. Toda essa operação está sendo feita embalada numa enganadora propaganda eleitoral de “revitalização” do centro da cidade. Mas o que vitaliza uma área é a vinda de novos habitantes e o comércio e serviços que os seguem.
O prefeito tem feito um uso distorcido do Estatuto da Cidade em projetos de operação urbana consorciada e acaba de sancionar a lei “mais valerá”, que admite a burla da legislação urbana mediante pagamento. Uma visão muito particular do que seja o bem comum. Enfim, em nome do seu interesse eleitoral e de alguns políticos, será construído um elefante branco, sem nenhuma justificação técnica, acarretando enormes prejuízos à cidade. Apesar de contestado, o terreno foi a leilão, e agora a Caixa busca sua anulação por via judicial.
Um prefeito que nem sempre acertou em suas nomeações para o governo municipal deve repensar seus valores de como administrar uma cidade. Seu populismo eleitoral pode até render ganhos a curto prazo, mas o caos urbano que deixará como legado certamente conspurcará sua imagem política no futuro.
*Roberto Anderson Magalhães, arquiteto e professor na PUC-Rio, foi diretor do Inepac, Liszt Vieira, integrante do conselho da Associação Terrazul e da coordenação do Fórum 21, foi coordenador do Fórum Internacional de ONGs durante a Rio-92