Publicado originalmente no O Globo
Por Carmélio Dias — 08 de janeiro de 2023
Além do Rio de cartão-postal, reconhecido por turistas de toda parte, o centro da cidade, com prédios e marcos históricos, atrai cada vez mais o olhar dos visitantes. Pesquisa do Sindicato dos Meios de Hospedagem do município (HotéisRIO) mostra que a taxa de ocupação de leitos de hotéis na região chegou a 82% na primeira semana de janeiro deste ano. Para quem já está instalado na área, ou apenas busca um passeio original, fica a dica: o trajeto do VLT Carioca percorre uma linha do tempo que viaja por quase 300 anos da História do Rio e do Brasil.
Roteiros em 28 quilômetros
Legado olímpico, o sistema de veículos leves sobre trilhos foi inaugurado em 2016. Anda devagar, tem composições com ar-condicionado e janelas panorâmicas através das quais se avistam nada menos que 25 bens tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
A partir da semana que vem, este museu a céu aberto — e cortado por trilhos — ganhará um audioguia disponível dentro do aplicativo do VLT. Pelo celular, cada passageiro encontrará informações históricas e turísticas de mais de cem pontos de interesse no seu entorno. O serviço, georreferenciado, disponibilizará áudios em português, inglês e espanhol.
O “city tour” a bordo do VLT passa pelo maior conjunto arquitetônico colonial da cidade, nas redondezas da Praça Quinze. Na antiga Rua Larga, atual Avenida Marechal Floriano, se destacam o Palácio do Itamaraty e a Igreja de Santa Rita, construída no século XVIII. A viagem atravessa a Avenida Rio Branco (antiga Avenida Central), dos imponentes prédios do Theatro Municipal e da Biblioteca Nacional, levantados no início do século passado, até chegar à Região Portuária, onde ficam o Museu do Amanhã e o Museu de Arte do Rio, além do mural “Todos somos um (Etnias)”, de Eduardo Kobra, que já foi considerado o maior grafite do mundo.
Os roteiros possíveis ao longo dos 28 quilômetros de trilhos que compõem as três linhas do VLT são variados e podem ser personalizados ao gosto do passageiro. Quem escolher começar pela estação Praça Quinze, na linha 2, por exemplo, precisa estar atento para não perder nada.
Logo na partida, à esquerda, ficam o Chafariz de Mestre Valentim, de 1789, e o Paço Imperial, construção cuja primeira estrutura foi terminada em 1743. O lugar foi palco de momentos marcantes da História brasileira, como o Dia do Fico (1822) e a assinatura da Lei Áurea (1888). À direita do vagão avista-se o Arco do Teles. Mais adiante fica a Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé (1761), palco de batizados e casamentos da Família Real, além da aclamação de Dom João VI e das coroações de seus sucessores Pedro I e Pedro II.
O caminho da linha 2 segue pela Rua Sete de Setembro até a Praça Tiradentes, cuja origem remonta ao século XVII, onde fica a estátua equestre em homenagem a Dom Pedro I. No trajeto, o visitante passa ainda em frente ao Palácio Duque de Caxias, que abriga o Comando Militar do Leste. O prédio, de arquitetura monumental, foi concluído em 1941, durante o Estado Novo.
Se a opção for começar o passeio pela linha 1 — a maior delas —, a viagem pode partir da Cinelândia. Bem em frente à estação fica a antiga sede do Supremo Tribunal Federal (STF), do início do século XX, que hoje abriga o Centro Cultural da Justiça Federal. Ali aconteceu, em 1936, o histórico julgamento do habeas corpus impetrado em favor de Olga Benário Prestes — a defesa tentou, em vão, impedir a deportação da revolucionária de origem judaica para a Alemanha nazista, determinada pela ditadura de Getúlio Vargas.
A linha 3 do VLT é a menor de todas, mas passa por uma via com história gigante: a Rua Larga, que foi durante muito tempo a maior da cidade, e hoje atende por Avenida Marechal Floriano, ainda hoje tem boa parte do casario preservado.
— A Rua Larga tem um conjunto de edificações importantes sem muitas modificações. O casario é muito expressivo de como era o Rio no século XIX — atesta o professor, escritor e arquiteto Nireu Cavalcanti.
Herança africana
No trecho da Marechal Floriano, três paradas do VLT fazem referência à rica presença da cultura afro na área que compreende a Zona Portuária, Providência, Santo Cristo, Saúde e Gamboa. As estações Santa Rita-Pretos Novos, Camerino-Rosas Negras e Cristiano Ottoni-Pequena África são as únicas que têm painéis explicativos com textos, fotos e desenhos que contam a história do lugar. Também há imagens de achados arqueológicos feitos durante a construção da linha 3.
A velocidade média do VLT é de 15 quilômetros por hora. Para acompanhar tanta história, o passageiro pode saltar numa estação, caminhar, observar melhor o seu entorno e depois retomar o trajeto. A passagem custa R$ 4,30 — desde ontem — e só pode ser paga com RioCard. É válida por uma hora na transferência entre linhas ou em novo embarque no mesmo sentido. Para viajar no sentido oposto ao da primeira validação do cartão é cobrada nova tarifa. Cada passageiro precisa ter seu próprio cartão para embarcar.
— Eu geralmente ofereço o tour histórico pelo Centro do Rio tendo o VLT como ferramenta para encurtar distâncias. Meu foco é diminuir as caminhadas, além de usar o próprio período em que a gente está dentro dele para enriquecer o roteiro. Para mim o VLT é ótimo, exceto quando estão todos adesivados e a gente não consegue enxergar muita coisa lá de dentro — observa o guia de turismo Luiz de Aquino, que também é professor de um curso de formação de guias e oferece, entre outras, a aula “Tour Histórico com o VLT”.