ILHA PURA: NEM É ILHA, NEM É PURA – Vila dos Atletas, mais um imenso condomínio de edifícios altos, em Jacarepaguá foi escrito há um ano e republicado no último fim-de-semana na página Urbe CaRioca do Facebook. Teve, outra vez, boa repercussão.
No último dia 17 a grande mídia informou que apenas 204 imóveis dos 3604 construídos haviam sido vendidos. Por coincidência, no mesmo dia vimos anúncio de venda de apartamentos em vários condomínios na região Barra da Tijuca com a chamada: “40% de desconto e mude-se em 12 dias”. Este quadro resulta da crise econômica que o país vive, em especial o Estado do Rio de Janeiro? Há excesso de oferta na região? A resposta deve ser – ambos.
Certo é que o Rio de Janeiro padece de um Urbanismo ‘Careca-Cabeludo’. Explicaremos a figura, embora os caros leitores já adivinhem do que se trata.
Como repetido à exaustão, os recursos e os incentivos foram carreados principalmente e, mais uma vez, para a região da Barra da Tijuca, mesmo que a construção dos BRTs tenha rasgado as Zonas Norte e Oeste, bem como o aumento de potencial construtivo e as generosas isenções de impostos oferecidos à indústria hoteleira (mais gabaritos/área construída/taxa de ocupação) tenham abrangido toda a cidade. Vale recordar a Vila dos Jogos Pan-Americanos 2007, também na Barra da Tijuca e também realizada após lei para aumento da altura dos prédios, condomínio até hoje com problemas estruturais por ter sido construído em terreno de turfa.
Passada a euforia dos Jogos e os anúncios constantes de que haveria um importante legado fruto dos grandes investimentos que a cidade recebeu, antes de um ano pós-olímpico a realidade já é outra. O noticiário assusta. O que se vê espanta e desalenta: pobreza, moradores de rua, lojas comerciais fechadas, camelôs invadiram as calçadas. Os hotéis funcionam com baixa ocupação. Mais uma vez, são o excesso de oferta e a crise, somados à violência crescente que afasta os turistas e prende os cariocas em casa, infelizmente.
Reportagem de agosto/2016 já afirmava que a parte mais pobre do conjunto Cidade de Deus crescera devido às obras dos jogos, com a permanência de pessoas atraídas pelos empregos que deixaram de existir (OG, 29/08/2016). Evidentemente, não se pode imputar o aumento dos problemas sociais apenas aos Jogos (v. BBC Brasil, 15/06/2017).
A chamada Orla Conde e a Avenida Rodrigues Alves/Região do Porto, renovadas sem a feiura do Elevado da Perimetral, seriam, de fato, um resultado positivo das obras de grande porte que o Rio de Janeiro recebeu. Ainda podem ser, porém, o cenário hoje é outro. A primeira é abrigo de moradores de rua e lá ambulantes proliferam; a má qualidade das obras e a falta de manutenção são visíveis a olho nu. A segunda integra a Zona Portuária, onde as obras de urbanização – anunciadas como resultado de uma Parceria Público-Privada, sem injeção de recursos públicos – estão suspensas.
Quanto à Zona Portuária, reportagem detalhada de Selma Schmit (OG,18/06/2017) expõe o modelo de venda e ocupação adotado, pelo qual os recursos para a reurbanização seriam obtidos com a venda de CEPACs: certificados que habitariam os adquirentes a ter o direito de construir torres com até cinquenta andares. Para conhecer o intrincado problema que envolve um leilão fracassado, muitas dívidas, vários termos aditivos, a venda inexpressiva dos CEPACs e a falta de liquidez do fundo da Caixa Econômica Federal (na ausência de compradores a CEF comprou todos os CEPACs) a reportagem citada traz um quadro completo. Como este blog, entretanto, a jornalista atém-se aos aspectos urbanísticos e não menciona que o Porto Maravilha já esteve nas “páginas policiais”, tangenciando a Operação Lava-Jato.
Em vez dos assuntos acima, preferíamos comentar a volta do esperado crescimento econômico, e a alegria de cariocas e fluminenses em um dia ensolarado. Por enquanto, voltemos ao título deste artigo.
Na década de 1970 um aluno de arquitetura perguntou ao professor porque a cidade era tão desigual e recebia tratamentos diferentes conforme o bairro. A Universidade era a UFRJ, ainda com poucas faculdades transferidas do coração do Rio para a Ilha do Fundão.
No caminho, os barracos da Favela da Maré – um trecho que seria removido para a construção de um dos novos acessos à ilha; o mau cheiro de lixões que ainda existiam na Zona Norte. O transporte para a UFRJ era péssimo seja para estudantes das Zonas Sul, Norte ou Oeste. O professor respondeu que as cidades eram assim, iguais a ele: peludo como um urso, tinha a cabeça lisa igual a uma bola de bilhar.
Um leitor nos informa que daqui a alguns dias a Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário – ADEMI levará suas propostas ao Prefeito do Rio, como costuma fazer sempre que há troca de governo. Não se espera que os pedidos sejam muito diferentes dos que são feitos sistematicamente a cada quatro anos, em geral focados na renovação de construções nos bairros mais ricos do Rio, ou em apoio para investir na expansão urbana – tão criticada pelo Instituto de Arquitetos do Brasil – enquanto bairros mais pobres imploram por investimentos.
Para o novo governo fazer o que prega – cuidar das pessoas -, além de se dedicar à Educação e à Saúde deve promover uma política urbana que cuide de todos os bairros, em vez de praticar o urbanismo ‘careca-cabeludo’. Por exemplo, não oferecendo CEPACs por qualquer dinheiro e gabaritos a mais, para fazer Metrô onde não é prioritário e conceder mais benesses ao mercado imobiliário.
Urbe CaRioca