No último domingo, quando preparamos este artigo da conhecida socióloga para publicar no blog, escolhemos os vídeos com os sambas sobre a Praça Onze indicados pela autora.
De início, o ‘Rancho da Praça Onze’ seria apresentado com a gravação de Dalva de Oliveira. Mas decidimos trocar pela interpretação de Cauby Peixoto, o cantor icônico e original, de vozeirão aveludado inconfundível. Pela manhã de segunda-feira, dia 16/05, já estava em todos os noticiários e redes virtuais a notícia sobre a morte do cantor único, que estava com 85 anos.
Nossos agradecimentos a Cleia Schiavo Weyrauch, e uma homenagem a Cauby Peixoto, sem demérito para a grande Dalva de Oliveira!
Urbe CaRioca
Herivelto Martins e Grande Otelo – Praça Onze – com imagens – Youtube
O SAMBA E A PRAÇA ONZE
Cleia Schiavo Weyrauch
CIDADE E CULTURA
As obras de modernização do Porto do Rio, a abertura da Avenida Central e, mais tarde, da Avenida Presidente Vargas alteraram profundamente a dinâmica sócio-espacial da Cidade do Rio de Janeiro nos primeiros 50 anos do século XX.
No entorno da Avenida Central, a área dos bairros Gamboa, Saúde, Santo Cristo, Estácio serviu de refúgio à população pobre deslocada pela construção da avenida em face da destruição de estalagens e habitações improvisadas nas quais residiam imigrantes estrangeiros, migrantes nacionais e trabalhadores locais. Por força da intervenção urbana, esse contingente transferiu-se para a área citada, vizinhança do Porto, também em obras, que poderia absorver mão de obra disponível, além daquelas ligadas à dinâmica própria do Cais. A importância político-econômica dada ao Porto sugeria a possibilidade de inserção daqueles grupos no mercado de trabalho. Nada mais ilusório, já que as possibilidades reais de trabalho, ali, levavam a população apenas a esquemas de sobrevivência social como aqueles dos estivadores, foguistas, carvoeiros etc., ao pequeno comércio da região, e a conseguir biscates em geral.
Mas, do ponto vista cultural, a contiguidade da pobreza que unia negros, portugueses, ciganos, italianos, e outros europeus fez nascer uma cultura popular que, pouco a pouco, passou a ter brasilidade.
O samba, por exemplo, de ritmo maxixado ([1]) ganhou outro contorno ao ser cantado por Ismael Silva, fundador da primeira Escola de Samba de nome Deixa Falar ([2]). O gênero de canção também ampliou seu público mediado pelo rádio que o promoveu difundindo-o através dos lares da cidade.
A ZONA DO CAIS: UMA REFERÊNCIA
A história sócio-cultural da região do Cais do Porto da cidade do Rio de Janeiro na primeira metade do Século XX destaca a presença de negros com suas tradições africanas, sua religiosidade, comidas, danças e receitas de viver o cotidiano. Mas, embora a herança negra revele forte e significativa presença, no que se refere ao modo de vida inscrito na vida social da região, outras experiências históricas tiveram importância decisiva como a de Ingleses ([3]), imigrantes pobres – sobretudo europeus -, ciganos ([4]), americanos, e até orientais, que contribuíram para formar uma cultura local característica que Mary Karash, ao ampliar o arco de relações entre a zona portuária e a cidade, denominou de “afro-carioca”. Na área do Cais casarões tornaram-se cortiços que abrigaram famílias pobres que para ali se dirigiram. Outras subiram os morros como o da Providência, do Pinto e o da Conceição.
Os trabalhadores que habitavam cortiços, estalagens, casas e favelas em torno do cais, ao mesmo tempo em que lideraram protestos, promoveram relações culturais que produziram expressões estéticas que hoje simbolizam nosso país, das quais o samba é uma das mais conhecidas.
A PRAÇA ONZE
Mas, a relação da cidade com a Cultura é dinâmica e ultrapassa os guetos, sobretudo quando mediada pelos intelectuais e pelo Rádio, como foi até os anos 1950. Assim, dos encontros na Pedra do Sal aos da casa da tia Ciata, na Praça Onze o samba ganhou uma forma própria como mostra Ismael Silva neste vídeo sobre a “Deixa Falar”.
Youtube
A Praça Onze ficava entre Cais e a Lapa, as duas áreas ligadas por um emaranhado de ruas. Mas, a tão falada Praça não existe mais. Ponto da reunião de artistas e boêmios nela e nas redondezas habitaram muitos judeus, italianos, espanhóis, outros imigrantes de várias procedências, e negros, muitos oriundos da Bahia.
O progresso levou nova onda de modernização ao Centro da cidade e, para desespero de mais cariocas deslocados de suas moradias, em 1941, a Prefeitura começou as demolições para a abertura da Avenida Presidente Vargas. Aquela malha urbana contínua foi interrompida e as ruas destruídas, em parte, com a abertura da Avenida, na década de 1940 ([5]). Este traçado já tinha sido previsto pelo urbanista Alfred Agache na década de 1930, mas foi realizada apenas na administração do Prefeito Henrique Dodsworth.
Mil imóveis foram derrubados – um outro “bota-abaixo” que ocorreu no espaço mais cosmopolita da cidade, mas, mesmo assim, a Praça Onze deu sua resposta musical, como fizeram Herivelto Martins e Grande Otelo com o samba Praça Onze. Mais tarde Chico Anísio e Roberto Kelly fizeram o mesmo dizendo da saudade da praça boêmia em Rancho da Praça Onze.
Hoje a praça permanece em cartões-postais antigos e no imaginário carioca, e especialmente, na memória dos mais antigos que vivenciaram o Samba e o Carnaval em época distante dos holofotes e câmeras de televisão, sequer sonhados.
Cleia Schiavo Weyrauch é Professora Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da UERJ.
[1] O samba amaxixado Pelo telefone, de domínio público, mas registrado por Donga e Mauro Almeida, é considerado o primeiro samba gravado, embora Bahiano e Ernesto Nazaré tenham gravado pela Casa Édison desde 1903.
[2] A Escola de Samba Deixa Falar foi fundada em 1928.
[3]Os ingleses da igreja metodistas fundaram no inicio do seculo XX o Instituto Central do Povo importante instituição que fundou uma escolar regular de ensino , um jardim de infância alem de cursos de datilografia e mecânica , novas profissões de uma sociedade que se modernizava . Em colaboração com o Médico – Sanitarista Dr. Oswaldo Cruz, foi lançada a Campanha contra a febre amarela e depois contra a tuberculose; – O primeiro Dispensário do País (consultórios médico e dentário, farmácia e laboratório e as primeiras classes de enfermagem e primeiros socorros); – Em convênio com o Distrito Federal estabeleceu o primeiro consultório de higiene infantil, embrião dos Postos de Saúde Pública no Brasil; : http://imas-icp.webnode.com.br/quem-somos/o-inicio/
[4] Os ciganos atuaram como leiloeiros de escravos até a proibição do tráfico negreiro
[5] As obras da Presidente Vargas foram iniciadas em 1941 e concluídas três anos depois.
Praça Onze, de Herivelto Martins e Grande Otelo
Interpretação: Emilinha Borba
Praça Onze, de Herivelto Martins & Grande Otelo
Vão acabar com a Praça Onze
Não vai haver mais Escola de Samba, não vai
Chora o tamborim
Chora o morro inteiro
Favela, Salgueiro
Mangueira, Estação Primeira
Guardai os vossos pandeiros, guardai
Porque a Escola de Samba não sai
Adeus, minha Praça Onze, adeus
Já sabemos que vais desaparecer
Leva contigo a nossa recordação
Mas ficarás eternamente em nosso coração
E algum dia nova praça nós teremos
E o teu passado cantaremos
Rancho da Praça Onze, de Chico Anysio e João Roberto Kelly
Interpretação: Cauby Peixoto
Rancho da Praça Onze, de Chico Anísio e João Roberto Kelly
Esta é a Praça Onze, tão querida
Do carnaval a própria vida
Tudo é sempre carnaval
Vamos ver desta Praça a poesia
E sempre em tom de alegria
Fazê-la internacional
A Praça existe alegre ou triste
Em nossa imaginação
A Praça é nossa e como é nossa
No Rio quatrocentão
Este é o meu Rio boa praça
Simbolizando nesta Praça
Tantas praças que ele tem
Vamos da Zona Norte a Zona Sul
Deixar a vida toda azul
Mostrar da vida o que faz bem
Praça Onze, Praça Onze
Extremamente interessante o texto de Alfredo Agache , não só obre os primórdios do urbanismo como das observações que faz ssobre a cidade do Rio de Janeiro.