O terreno no Flamengo, o empreendimento, as leis urbanísticas, e uma tese – Parte 2

Terreno no Flamengo – o trecho onde foram construídas as ruas Arno Konder e Irineu Bornhausen pertencia oficialmente ao imóvel até à regularização, em 2011.

Nota:
PAL – Projeto Aprovado de Loteamento
PAA – Projeto Aprovado de Alinhamento

Nas postagens Vendo o Rio, 2018 – o terreno da antiga Cia. Ferro-Carril Jardim Botânico (10/01/2018); O terreno no Flamengo: A mesmice piorada e um abaixo-assinado (09/03/2018); Terreno no Flamengo – Começa movimento de moradores contrários aos prédios altos (10/03/2018); e O terreno no Flamengo, o empreendimento, as leis urbanísticas, e uma tese – Parte 1 (16/04/2018), comentamos a venda um imóvel Próprio Estadual situado no Bairro do Flamengo, à iniciativa privada, no âmbito de um amplo pacote oferecido ao mercado imobiliário. A justificativa: fazer “caixa” para um Estado falido e endividado. Abaixo, outras considerações.

1. Áreas Coletivas e o terreno em questão

Conforme explicado na Parte 1, o PAL 12773/PAA 18791, de 02/09/1947, aprovou a Planta de Zoneamento do Catete e Adjacências de acordo com Projeto de Urbanização n. 4249, Dec. n. 8547 de 22/06/1946. Os novos edifícios que substituiriam casas, casarões e palacetes do século XIX seriam implantados contiguamente (colados às divisas) e respeitariam um limite de profundidade, em geral de 30,00m a partir da testada dos lotes/terrenos, para formação de área coletiva non-aedificandi no centro de cada quadra; o padrão para os bairros seguiu os moldes de PALs para o Centro da Cidade e Copacabana, inspirados no Plano Agache, dos anos 1930. Adotar gabaritos de altura generosos em relação ao que existia, portanto, exigia contrapartidas: o respeito às dimensões horizontais fixadas, e ao espaço aéreo livre nos fundos dos terrenos, definido, comum às construções do entorno, e intocável.

Ainda é possível encontrar alguns edifícios em Copacabana e no Flamengo com jardins no interior das quadras, onde nada se construía. No Centro da Cidade alguns quarteirões dispõem de áreas internas livres e servidão de passagem para pedestres, para circulação entre ruas. Com as mudanças sucessivas nas leis urbanísticas, aqueles espaços que deveriam ser oásis urbanos passaram a ser ocupados: estacionamentos descobertos, e cobertos, cinemas e lojas, até à construção dos famigerados embasamentos que contribuíram para desumanizar as ruas, e o Rio (andares na parte inferior das construções ocupando 100% dos lotes). Das áreas coletivas originais permaneceram apenas as funções de iluminar e ventilar os compartimentos dos edifícios. As normas respectivas estão no Capítulo XI do Regulamento de Zoneamento (RZ) aprovado pelo Decreto n 322/76.

A quadra em questão dispõe claramente de uma Área Coletiva em seu interior e, por isso, os limites de profundidade de construção não podem ser ultrapassados. Salvo “canetadas” que contrariaram a norma (ex. Hotel Marriot em Copacabana e Sesc no Flamengo), trata-se de uma limitação administrativa inquestionável, índice urbanístico que somente poderia ser modificado por Lei Complementar (v. Art. 235 do Regulamento de Zoneamento aprovado pelo Decreto n. 322/76: Os PP.AA. e os decretos específicos de alinhamento e de urbanização, posteriores à vigência do Decreto “E” n.o 3.800 de 20 de abril de 1970, ficam mantidos, exceto quanto aos aspectos que contrariem este Regulamento).

2. As dimensões do terreno e a obrigação de doar

Segundo o Art. 132 do RZ “A licença para construção de grupamento de edificações com menos de 500 (quinhentas) unidades residenciais, em terrenos com mais de 10.000 m2 (dez mil metros quadrados), depende de cessão gratuita ao Município de um lote destinado a equipamento urbano comunitário público (…)”. Se o grupamento de edificações tiver mais do que 500 unidades residenciais a obrigação passa a constituir-se de doar ao Município um lote de escola e a construção dessa, conforme art. 133 do RZ, o que não se aplica aqui, pois são previstos 486 apartamentos.

Contudo, seria aplicável o citado art. 132 em função do tamanho original do terreno com numeração pela Rua do Catete n. 299/303, com 13.233,43m2. Esta era a dimensão total do imóvel, abrangendo a construção da Antiga Cia. Ferro-Carril Jardim Botânico, hoje usado pelo IAB-RJ. Possivelmente o tamanho do imóvel era ainda maior se incluído o terreno da antiga Companhia Telefônica Brasileira – CTB, hoje Museu Oi Futuro, que também pertenceu ao Grupo Light (Brazilian Traction Light and Power), detentor da concessão de serviços de eletricidade, gás, e transporte por bondes na Cidade do Rio de Janeiro.

O histórico sobre o uso do imóvel e a análise dos PAL/PAA mostram que as ruas Arno Konder e Irineu Bornhausen não constavam do traçado original e foram abertas apenas para garantir acesso à parte dos fundos do edifício comercial construído no terreno vizinho em 1983 onde funcionou o antigo e belíssimo Cinema São Luiz, inaugurado em 1937. Ao longo do tempo e ao sabor de decisões políticas e administrativas, algumas específicas para a construção do prédio referido, a divisão do imóvel para manter-se a cessão de uso ao IAB-RJ, e, sendo o imóvel da atual Oi considerado “propriedade de terceiros”, o terreno na antiga Light (PAL 48755) foi gradativamente reduzido. Teoricamente o novo proprietário ficaria livre da obrigação de doar parte do mesmo para um equipamento urbano público. Ou não, se o assunto for analisado detalhada e cuidadosamente.

3. Conclusão

Entendemos que (1) que qualquer hipótese de aproveitamento do lote deve respeitar os limites de profundidade para formação de área coletiva; (2) se não de direito, o terreno remanescente tem, de fato, mais do que 10.000m2 (Lote 1 do PAL 49129 = 8319,78 + IAB e Oi = 1804,80), o que enseja a doação de um lote para equipamento urbano público cabendo lembrar que as ruas Arno Konder e Irineu Bornhausen, pertenciam ainda oficialmente ao imóvel até à regularização do recuo em setembro/2011; (3) o projeto de duas torres com 21 andares posicionadas no centro da quadra, ocupando a totalidade do imóvel, é inviável.

Em breve, Parte 3.

Urbe CaRioca

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