Em mais um exemplo da inoperância das autoridades públicas na Cidade do Rio de Janeiro e o consequente desperdício dos recursos públicos, o geógrafo Hugo Costa registra o abandono das ações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal em uma antiga área industrial da Zona Norte, o Complexo de Manguinhos.
“Às margens do Rio Faria Timbó (ou esgotamento sanitário), famoso por transbordar e encher Higienópolis, a área desapropriada com dinheiro do Estado através dos impostos foi limpa para a construção de um piscinão anti enchentes. A obra do PAC de Manguinhos responsável pelo piscinão ficou famosa pela `taxa de oxigênio´ do ex-governador Cabral e acabou sem recursos para o piscinão. Não bastando o atraso, todo dinheiro investido na desapropriação está sendo desperdiçado, pois novas construções surgem diariamente na área desapropriada sem qualquer restrição. Este é o Rio de Janeiro invisível”, destaca Hugo.
“O que estava vazio para o PAC e que está todo reocupado. Todo o trecho deste vídeo a partir da Ponte até o final dele”, destaca o geógrafo.
Hugo destaca ainda que, após pagarem 450 moradores, apenas 11 pediram R$ 20 mil a mais pelas suas casas, mas não foram atendidos. Como resultado, a rua Uranos não foi conectada à rua Leopoldina Rego onde as casas existiam, não desafogou o trânsito desta opção da Avenida Brasil e não se construiu um piscinão anti-enchente do Rio Faria Timbó.
“Após alguns anos do abandono desta obra, a área que os 450 moradores ocupavam com suas casas foi invadida novamente e já tem até prédios de três andares construídos, vizinhos aos 11 moradores que não tiveram os seus acordos atendidos. Todos viverão em uma área que continuará sofrendo com inundações e que continuarão cobrando do poder público uma solução. Não pagaram R$ 220 mil (R$ 22 mil x 11 moradores), perderam a oportunidade de acabar a obra e se um dia esta for retomada, teremos que pagar milhões em recursos públicos para desapropriar novamente a mesma área”, finaliza.
Leia mais:
“PAC: morador de Manguinhos rejeitou indenização de R$ 51 mil” – O Globo – 04-11-2015
E, vale ainda destacar a matéria publicada em 2018, no Jornal do Brasil, que já apontava o abandono das obras e o descaso governamental. Leia abaixo.
Urbe CaRioca
Legado do PAC-Manguinhos: sonho frustrado da “rambla”, falta de saneamento e prédios deteriorados
Jornal do Brasil – Rogério Daflon – Abril de 2018
Publicado originalmente no site do Jornal do Brasil
Há 10 anos, em abril de 2008, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal chegava a uma antiga área industrial da Zona Norte. As obras no Complexo de Manguinhos levavam a mais de 50 mil pessoas a expectativa de redução do déficit habitacional, saneamento básico, geração de emprego e renda e lazer.
Na Avenida Leopoldo Bulhões, conhecida como Faixa de Gaza pelos confrontos entre a polícia e o Comando Vermelho, uma megaintervenção dava o tom de como o Estado queria se mostrar presente. Trata-se da elevação da linha férrea ao longo de dois quilômetros.
No planejamento do governo do Rio, sob a ferrovia seria incorporado um grande parque linear com comércio, mobiliário urbano e prestação de serviços, como enumera Jorge Jauregui, arquiteto idealizador dos trilhos suspensos. Ou seja, um passeio público aos moradores e visitantes, que Jauregui denominou como a Rambla de Manguinhos, numa alusão às Ramblas de Barcelona. A frustração do arquiteto, devido ao contraste entre seu projeto e a realidade, é evidente.
Debaixo daquele trecho da estrada de ferro, que de fato foi erguido, o aspecto é de desolação. Moradias à base de madeira, lata e papelão, a expor que o problema habitacional em Manguinhos não foi equacionado, ficam à sombra daquela elevação. Ao passeio público, falta… público. Quiosques, os poucos ali, ficam fechados. Centros de renda não existem.
“Queria registrar meu profundo descontentamento com o estado físico e social do lugar. No Rio, há uma tradição de fazer e abandonar. O Rio-Cidade e o Favela-Bairro (obras em vias de bairros e reurbanização de favelas, respectivamente nos anos 1990) são exemplo disso. O PAC de Manguinhos é igual: incompleto e abandonado”, disse Jauregui, acentuando que o sentido de elevação da linha férrea foi o de integrar o conjunto de favelas segregado pela antiga linha férrea e diminuir os atropelamentos na via. A linha férrea também conduz a discussão sobre a política pública em si, no PAC-Manguinhos.
Para Cláudia Trindade, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz, com sede em Manguinhos), o governo estadual fez uma escuta frágil das necessidades dos residentes de Manguinhos. “Os moradores disseram, reiteradamente, que a prioridade não era a elevação da linha férrea, mas, sim, os investimentos em habitação, saúde, educação e saneamento”, disse Cláudia, que fez doutorado na Universidade Federal Fluminense (UFF) sobre o PAC de Manguinhos.
Alexandre Pessoa, mestre em engenharia ambiental, aponta um grave problema em relação ao esgotamento sanitário no PAC. “Fizeram a rede coletora das casas, mas não ligaram ao tronco coletor principal, que levaria o esgoto à Estação de Tratamento de Alegria, no Caju”, disse Pessoa. Resultado: coliformes fecais no Canal do Cunha e nos Rios Faria Timbó e Jacaré.
A Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) informou, por sua assessoria de imprensa, que a complementação dos troncos coletores depende de recursos do Ministério das Cidades e de licitação a ser feita pela Secretaria Estadual de Obras (Seobras). Nos cursos d’água assoreados pela falta de saneamento e de dragagem, flagra-se a ausência de moradia digna. No Rio Jacaré, barracos de madeira ficam quase sobre a margem. A Seobras, segundo sua assessoria, anunciou recursos federais para 750 unidades habitacionais em Manguinhos.
Equipamentos, como a Casa da Mulher e a Escola Luiz Carlos da Vila, estão deteriorados.“Tudo que a juventude de Manguinhos precisa é uma unidade de ensino estruturada. O projeto da escola ficou lindo, um sonho, e agora está largado”, disse Patrícia Evangelista, mãe de uma aluna do ensino médio, apontando a piscina semiolímpica e a quadra sem uso. A assessoria da Secretaria estadual de Educação diz que analisa “parcerias para recuperar os equipamentos”.
A edificação da Casa da Mulher, onde as mulheres iam buscar assistência, também está danificada. A assessoria da Secretaria de Estado de Direitos Humanos para Mulheres avisou que o serviço está em outro prédio. A moradora Darcília Alves pontua. “Esse prédio da Casa da Mulher tão destruído é um símbolo de que esse serviço tão importante caiu muito por aqui”. A Seobras, também por sua assessoria, disse que não sabe qual secretaria administra o PAC-Manguinhos como um todo.