Prefeito encherá o Buraco do Lume. E bolsos.

Curiosamente, há um século os prefeitos quiseram acabar com os cortiços que havia no Centro do Rio. Para acabar com a insalubridade, diziam uns, para liberar terrenos ao que um dia se chamaria indústria imobiliária  – a palavra especulação deprecia o setor como um todo, não é o caso.

Seria impossível prever que o atual prefeito, em quarto mandato, cria de César Maia, justamente o que promoveu os programas Rio-Cidade, Morar Carioca, Novas Alternativas e Favela-Bairro, além de impedir a famigerada mais-valia em suas gestões, vetar o primeiro PEU-Vargens pernicioso e impedir que licenciamento de obras e demolição do patrimônio histórico ficassem sob a mesma batuta, fizesse o oposto do que acertadamente realizou o criador da criatura de chapéu Panamá.

É o que comprovam inúmeros atos em desfavor do bom urbanismo ao longo dos últimos anos. Agora, segundo o Diário do Rio, o conhecido Buraco do Lume desaparecerá sob um monólito gigantesco. O mais novo pardieiro com que o Rio de Janeiro será presenteado. Sufocado. Sob a falsa bandeira do programa chamado Reviver Centro que liberou gabaritos na Zona Sul enquanto o patrimônio histórico da cidade se esfacela.

Se este blog fosse um filme americano diria “Shame on you, mayor”.

Abaixo, a notícia publicada no Diário do Rio.

Urbe CaRioca

‘Misterioso’, espigão do Buraco do Lume finalmente ‘aparece’ no sistema da Prefeitura: 700 quitinetes

O projeto, em ‘processo de licenciamento’, finalmente apareceu no Painel 3D de Monitoramento do Reviver Centro, após o Diário do Rio revelar que o espaço sequer era marcado como edificável. A obra promete erguer novo ‘paredão’ no Centro do Rio

Por Victor Serra – Diário do Rio

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Prédio já aparece no painel de monitoramento do programa Reviver Centro

Lembram do espigão que, inicialmente, parecia ser um projeto distante e polêmico para o Buraco do Lume, no Centro do Rio? Aos poucos, depois de tanta controvérsia, a Prefeitura vem divulgando mais detalhes sobre a gigantesca construção do imenso paredão de 24 andares, com mais de 700 unidades residenciais e 75 metros de altura. O projeto, que ainda está em fase de “pedido de licença”, finalmente passou a aparecer – ainda que sem grandes detalhes – no Painel 3D de Monitoramento do programa Reviver Centro. Veja-se, na imagem principal, o paredão vermelho.

Isso ocorreu após o Diário do Rio noticiar que o município sequer marcava o espaço como edificável no sistema 3D do Instituto Pereira Passos – o “terreno” constava como uma praça, o que, aliás, ele sempre foi desde a década de 80, quando ao custo de milhões, o então prefeito Israel Klabin fez seu aterro. A empreitada promete levantar um ‘paredão’ em um dos largos mais importantes da Região Central do Rio — pauta que tem gerado uma onda de resistência.

O terreno, que há décadas está arborizado e serve de anexo à Praça Melvin Jones, é parte do que resta do antigo Morro do Castelo, o primeiro núcleo urbano do Rio. Durante anos, o local foi terreno público, mas acabou sendo desmembrado e vendido pelo extinto Banco do Estado da Guanabara (BEG), que não conseguiu receber o pagamento do falido Grupo Lume, que quebrou antes de cumprir o acordo. Desde então, o Estado e a Prefeitura bloquearam a construção ali, até que o terreno fosse leiloado e adquirido por um investidor imobiliário. Chegou a ser aventado seu uso cultural. Vale lembrar que o lote em questão é a porção da Praça junto ao Edifício Menezes Cortes com quase 3.000m2. Seu uso foi consagrado como público, segundo vários especialistas que já se pronunciaram sobre o assunto, como a ex-procuradora geral do Município Sônia Rabello.

A especulação sobre o novo empreendimento ganhou força após uma matéria exclusiva do DIÁRIO DO RIO, que revelou a chocante volumetria do projeto no início deste ano, após a divulgação dos trâmites de sua aprovação em uma postagem no LinkedIn. De acordo com informações atualizadas e agora devidamente incluídas no painel de monitoramento, o projeto prevê a construção de um prédio com centenas de unidades residenciais e algumas comerciais, o chamado ‘uso misto’.

Em fevereiro, protocolamos na Prefeitura um pedido para ter acesso ao projeto dos quitinetes do Buraco do Lume no Portal da Transparência. O prazo para resposta vencia nesta sexta-feira (28/03), e, como já era de se esperar, a resposta veio ‘aos 45 do segundo tempo’, no final do dia de ontem. E qual foi a solução apresentada? Num mundo de painéis 3D, home office e informações de que todo o trâmite da prefeitura é atualizado e eletrônico, o solicitante deve, veja só, marcar um horário e conferir os documentos pessoalmente na sede da Prefeitura, na Cidade Nova. Com todas as ferramentas digitais disponíveis, o município escolheu a forma analógica para cumprir a lei de acesso à informação.

Necessidade de revitalização ou agressão ao patrimônio?

O projeto de transformar o Buraco do Lume em um enorme edifício residencial gerou um grande debate entre especialistas, moradores e defensores do patrimônio histórico. Para muitos, a construção de um prédio de grande porte no local é vista como uma agressão a um espaço que, ao longo das últimas décadas, foi integrado à praça pública e se tornou um ambiente arborizado e de uso coletivo. A área tem um significado bem emblemático, principalmente para os movimentos políticos da esquerda, que tradicionalmente, sempre usaram a praça como palanque e endereços para atos públicos.

Especialistas como a conselheira do CAU/RJ, Leila Marques, apontam que a ocupação do terreno com um empreendimento privado não atende ao interesse público, principalmente porque a área foi integrada à praça há quase 50 anos e tem se mostrado útil e agradável para a população. Para Leila, o terreno, que já foi de propriedade privada, agora serve a um propósito coletivo muito mais relevante: “Estamos falando de algo que foi incorporado à praça há quase 50 anos. E toda praça é, e deverá continuar a ser sempre, do povo”, afirmou.

O arquiteto e urbanista Paulo Vidal, com vasta experiência em patrimônio histórico, também se opõe ao projeto. Ele aponta que o Buraco do Lume é o ponto de convergência de diversas camadas da história da cidade. A rua São José, o Largo da Carioca e a Praça do Buraco do Lume são alguns dos elementos que contam a história do Rio, desde a antiga Avenida Central de 1905 até a destruição do Morro do Castelo. Para ele, a construção de um edifício nesse terreno, que atualmente é arborizado e melhora o ambiente da região, seria mais um erro de planejamento, seguindo a linha das muitas demolições e mutilações urbanas que o Rio já sofreu.

Visão do Prefeito

O prefeito Eduardo Paes, que anteriormente já se posicionou contra construções no local, parece ter mudado de opinião. Segundo a nota enviada à redação do Diário do Rio em janeiro, se o projeto for aprovado, ele seguirá a legislação vigente e os órgãos responsáveis pela preservação de bens tombados serão consultados. A área em questão foi transformada em “Área de Gabarito Ilimitado” durante o programa Reviver Centro 2, o que permite a construção de prédios de qualquer altura, sem restrições quanto à dimensão da obra.

“O Centro do Rio sofreu dois duros golpes que o deixaram em boa medida como um corpo dilacerado e cheio de cicatrizes. A devastação de parte significativa de seu conjunto ancestral, incluindo aí exemplos como o Morro do Castelo ou a Igreja dos Clérigos, foi o primeiro duro golpe. O segundo golpe foi a aplicação da ideologia de segregação, de fonte corbusiana ou modernista, que proibiu paulatinamente a moradia das pessoas na região. Sem dúvida o projeto proposto para o Buraco do Lume é polêmico. Mas, ao mesmo tempo, nos convida a refletir sobre a questão legítima de como melhor reverter o deserto residencial criado por utopias falidas.” comentou Olav Schrader, ex-superintendente do IPHAN

O restaurador e ativista Marconi Andrade também critica a proposta de transformação do espaço verde em um imenso paredão de concreto. ”Estive observando o local a alguns dias atrás, e existe uma micro fauna naquele espaço: seria interessante o plantio de mais árvores, para dar um aspecto de uma micro floresta que com certeza atrairia novas espécies de pássaros e quem sabe de mamíferos. O Centro está repleto de prédios vazios, porque não se revitaliza os existentes? Temos um prefeito que acabou se ser eleito com o apoio da maioria da população da cidade, ele tem apoio para fazer o que quiser, tem maioria na Câmara, ou seja não vejo nenhuma necessidade de mais um prédio naquela região, Precisamos sim é de mais verde”.

A construtora mineira Patrimar, que estaria envolvida no projeto, já confirmou que está avaliando a oportunidade de investir na área, mas se limitou a uma nota bem breve. Os mineiros não quiseram, ainda, meter a mãozinha na cumbuca.

 

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