Ainda o Cinema Leblon – Manifestações, Cartas e suspense na Urbe Carioca

 

Conforme divulgamos em CINE LEBLON – MOCINHOS, VILÕES, CHANCHADAS, e INCERTEZAvárias personalidades têm se manifestado sobre o caso além de Cacá Diegues e Evelyn Rosenzweig: Fernanda Torres, Emir Sader, Augusto Boisson, Rodrigo Constantino, Sérgio Magalhães, Sonia Rabello, Cora Rónai, entre outras. Nas redes sociais o assunto pipoca”.

 

Megabuzz – internet

 

Segundo a imprensa o projeto apresentado ao Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, antiga Secretaria Municipal – proposto pelo Grupo Severiano Ribeiro e defendido pela AMA-Lebon em informes publicados na grande mídia -, estará na pauta da próxima reunião do Conselho Municipal de Patrimônio Cultural da Cidade do Rio de Janeiro, hoje, dia 26/06/2014. Da proposta só se conhecem – também através da imprensa – a tipologia da construção e as atividades desejadas: um edifício comercial com salas comerciais, restaurante, livraria e cinemas. O desenho com o volume projetado e sua implantação no terreno não foi divulgado para o grande público. Só foi liberado em pré-estreia para alguma plateia vip.
 
Mas, há novos episódios em cartaz.
 
O artigo do arquiteto, professor, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil e articulista do O Globo, Sérgio Magalhães, com o título ‘Está valendo o jogo?, instiga e nos remete a Meia-Noite em Paris, de Woody Allen, onde existe o saudosismo até do que não se conheceu. No texto entra em cena a vilã Flexibilidade, que é nada mais nada menos do que a irmã gêmea do vilão Desde Que!
 
Acabada a 2ª Guerra Mundial, Jean-Paul Sartre visita Nova York pela primeira vez. À procura de uma imagem urbana reconhecível, que não encontra, ele se sente perdido entre ruas retas. Para ele, a cidade não tem a mesma “natureza” da sua Paris.
 
Mas a Paris que Sartre naturalizava era resultante das obras promovidas em meados do século XIX e que então causaram estranhamento ao poeta Charles Baudelaire: “A forma de uma cidade/muda mais rápido — ai de mim —/que o coração de um mortal”.
 
Agora, século XXI, a atriz Fernanda Torres sofre com perdas afetivo-arquitetônicas em seu bairro, como o anunciado fechamento do Cinema Leblon. “Devia haver um decreto para impedir que, ao crescerem, as cidades deixem de ser o que são”, sugere.
 
Sartre, Baudelaire e Fernanda sintetizam sensações de desconforto ante a perda de referências espaciais.
Embora saibamos que toda cidade é sempre outra, ainda que a forma seja estável, pois o uso, as pessoas e os sentimentos são cambiantes, mesmo assim a relação com o ambiente urbano constrói a identidade cidadã e a noção de pertencimento à cidade. Mudar a cidade, portanto, não é ação destituída de consequências importantes para as pessoas. E, por isso mesmo, precisa ser tratada também na dimensão que interessa ao cidadão e à memória coletiva.
 
Em nosso arcabouço jurídico, o Estado tem o monopólio de regular o volume e o uso das edificações. O que legitima tal privilégio é a busca pela forma urbana que melhor possa corresponder à ideia de uma boa cidade. A lei expressaria esse caminho. No entanto, o poder público tem abstraído essa responsabilidade, priorizando legislar sobre o aproveitamento imobiliário dos lotes através de índices genéricos que não consideram as proporções dos edifícios entre si e com a cidade. Se, de fato, buscasse o melhor ambiente, o Estado não deveria “vender” licenças para construir além do permitido pela lei, o que tem sido feito crescentemente. Com isso, a imagem ambiental da cidade, na prática, é desenhada pela propriedade fundiária.
 
Abre-se uma luta inglória entre o interesse do negócio imobiliário e as referências coletivas e cidadãs. Parece ser o caso do Cinema Leblon.
 
A lei protege o edifício e o seu uso como cinema. Mas a empresa proprietária do imóvel e do cinema afirma que o uso só será possível se for construído um edifício comercial no terreno. O lucro imobiliário constituirá um fundo para manter o cinema? Essa equação não está explicada.
 
O que se percebe é que a função cinema está sendo utilizada como elemento de troca para permitir que o tombamento do imóvel seja “flexibilizado”. Fica o cinema, mas não fica o edifício tombado. Ou seja, entre preservar a referência de uso e a referência espacial, opta-se pela primeira.
 
Essa é uma resposta que privilegia um aspecto da construção da memória coletiva em detrimento de outro elemento dela constituinte.
 
 
 
Marbel Klein escreveu em seu blog SOS Leblon o artigo O estranho caso do Cinema Leblon, uma análise abrangente que passa pelo instituto do tombamento do prédio, das restrições impostas pela APAC Leblon que são respeitadas pelos demais proprietários, alguns problemas, e as possíveis consequências de privilégios concedidos ao Grupo Severiano Ribeiro, além de lamentar de forma contundente a atitude da AMA Leblon pelos motivos que considera e expõe.
O fechamento do cinema Leblon será, creio eu, um golpe muito grande para os amantes da sétima arte, entre os quais me incluo.  Compreendo perfeitamente que a família Severiano Ribeiro não deseje operar no prejuízo, mas a alteração do cinema, além dos entraves legais, isto é, o cinema é tombado pelo Patrimônio por se tratar de um prédio art déco, existem muitos motivos para que essa preservação se mantenha, mas tratarei de dois.
 
O primeiro se refere ao entrave ambiental e cultural: compete ao órgão que instituiu o tombamento do cinema cuidar da área do entorno, portanto, o que estiver próximo ao prédio não poderá ser descaracterizado de qualquer maneira. O Leblon não comporta a existência de novos prédios comerciais pela própria dimensão do bairro. Antes do início das obras do Metro, o volume de transeuntes pelas vias principais já era intenso. Podemos bem imaginar o adensamento populacional advindo da abertura das novas estações metroviárias.
 
O tombamento, quando indicado, tem objetivos determinados, mas não impede a venda do imóvel, trago o exemplo de duas grandes amigas que possuem casas em locais privilegiadíssimos e que estão lidando, com o tombamento das mesmas, da melhor maneira possível. A casa dos meus pais, em área muito valorizada, foi desapropriada; a situação de tombamento acarreta dificuldades inferiores a um bem sujeito à desapropriação, e assim foi feito.  Contra as decisões da prefeitura não se tem poder, porém nesta situação em questão há alguma influência externa?
 
O segundo entrave se refere ao impacto legal e ético: que privilégio é esse da família Severiano Ribeiro? Impossível que não percebam a situação complexa advinda dessa nefasta intenção. Os moradores dessa cidade só poderão visualizar duas situações: ou se procede ao destombamento geral com grande prejuízo para a história dos prédios, dos bairros e da cidade ou estaremos assistindo a mais uma arbitrariedade.
Será que as leis funcionam de forma diferente de acordo com as pessoas? A ideia inicial da família Severiano Ribeiro sempre foi a de se construir pequenas salas de projeção, o que considerei uma ótima solução, mas no momento para que isso ocorra torna-se necessário a construção de um prédio de escritórios.
 
Quando se procedeu, no governo de Cesar Maia, o “apacamento” de prédios no Leblon surgiu como uma política de preservação do ambiente cultural. Esses prédios podem não ter grande valor arquitetônico, mas eles compõem o ambiente com grande harmonia e graça. Muitos proprietários têm mantido seus pequenos edifícios arrumadíssimos e são vendidos com excelente preço, até porque internamente são permitidas modificações. Os atuais donos de apartamentos se alvoroçaram diante dessa novidade e questionam a evolução desse caso para que não se cometam injustiças.
 
Essa fluidez das leis permite situações que são extremamente desagradáveis. Tenho recebido notícias de que à Rua Des. Alfredo Russel número 188 onde existe um prédio belíssimo que há quase vinte anos não recebe uma pincelada de tinta. Ele está em franca decadência, completamente diferenciado de outros pequenos prédios existentes na rua que são impecáveis. O que contam na rua, é que os moradores deste edifício aguardam um novo prefeito que poderá retirar o prédio da área de proteção cultural. A vizinhança fica chocadíssima, mas a visão econômica, ultimamente, ultrapassa tudo. O desleixo, a agressão ambiental e até a falta de consideração com a vizinhança, tudo isso se esvai quando a ambição é privilegiada acima de qualquer coisa. Talvez este seja o caso dos proprietários do cinema Leblon, o que seria uma pena, visto que a dedicação à cultura permeou suas vidas.
 
Cabe ao Conselho Municipal de Patrimônio examinar com cuidado essa proposta do Cinema Leblon. Não se pode esquecer que o bairro é área de preservação do ambiente cultural, de modo que qualquer ideia que surja quanto ao futuro do cinema deverá ser minuciosamente estudada para não se agredir mais uma vez a essa joia que foi o bairro do Leblon.
 
Essa é uma opinião pessoal, não sou presidente de nada, porém não posso deixar de lamentar a atitude da Presidente da AMALEBLON que abstraiu completamente que, só nosso bairro, há centenas de prédios “apacados”. A senhora Evelyn Rosenzweig defende a alteração do imóvel, que além de “APACADO” é TOMBADO!  Esta opção infringiria as leis de preservação vigentes, abrindo precedentes jurídicos para que todos os prédios do Leblon recorram das decisões, dando sinal verde para novas demolições e descaracterizando mais ainda o bairro.
 
Sem nenhuma consulta prévia aos moradores, aplaude e se declara, por escrito, a favor da construção de um prédio comercial, no cinema Leblon, pois ganharíamos novas salas de projeção. Ela é e sempre foi a Presidente da Associação Comercial do Leblon, nada mais do que isso, ambiência não é com ela. Se alguém lhe perguntar o porquê dessa atitude, responderá que há demanda. Foi isso que ela fez constar neste blog quando ponderei que seria massacrante para o bairro a abertura de novos bares. É duro administrar tanta insensatez, tanto desprezo pelos moradores e tanta falta de sensibilidade legal e ambiental da Presidente da Associação dos Moradores do Leblon.
 
Abaixo segue o link para a lei de 2001 que regulamentou a APAC do Leblon que contém em detalhes as regras para alterações dos imóveis incluídos. Nele há duas categorias, os que são tombados, como no caso do Cinema do Leblon e os “apacados”.
 
Para ampliar as discussões ontem um grupo de conhecidas personalidades – cineastas e atores entre outros, também fez publicar no jornal O Globo uma carta aberta que pede ao Prefeito a salvação do Cinema Leblon.
 
Resta saber se o remédio sugerido seria eficaz ou apenas a decretação do THE END acoplado a um edifício comercial, o caminho escolhido. Será que as personalidades sabem exatamente as implicações do que defendem ao assinar a carta? Onde está o projeto? Quem é o arquiteto? Qual é a construtora? Qual é a parte do terreno que consideram ser passível de receber um edifício? Quanto do espaço aéreo livre que envolve a construção e a emoldura, seria ocupado?
 
Repetimos: este filme – misto de suspense, terror e faroeste com direito a participação especial do vilão Desde Que – está longe de terminar.
 
Aguardemos o parecer do Conselho de Patrimônio Cultural e a resposta do senhor Prefeito à carta das personalidades públicas.
 
Bons debates.

 

Blog Urbe CaRioca
 
 
 

Comentários:

  1. O blog Urbe Carioca sempre coloca questões difíceis com elegância e seriedade. E, o mais importante, indo no cerne das mesmas, como por exemplo, quando mostra ser necessário que o abastado grupo Severiano Ribeiro e/ou os administradores públicos responsáveis pela análise do caso divulguem abertamente o tal projeto para que as discussões acerca do tema possam ser aprofundadas.

    Parabéns ao blog e à sua equipe. Fico com uma dúvida: Por que a AMA-Leblon defende o projeto quando tantos moradores do bairro estão desapontadíssimos? Será que há diálogo com os moradores? Penso que os moradores do bairro, que sabem como ninguém a vitalidade gerada numa esquina ao se entrar no cinema pela calçada, comprando pipoca na rua, e comentando o filme na saída, talvez estejam mal representados por tal associação. Será que a associação defende os interesses dos moradores?

    Penso também que essas discussões são importantíssimas, mesmo sabendo que o grupo é privado. Do contrário, da história da cidade só restariam fotos. Todo o centro e Zona Sul seriam como a Barra da Tijuca, que pode até ter suas belezas urbanas (não entendo do assunto, mas não aprecio), mas onde só se pode andar a pé na porta de um cinema, mal e porcamente, dentro de um shopping com rua de mentirinha, tipo aquele Downtown.

    Será que o sr. Severiano Ribeiro que levantou o atual império se orgulharia da varredura dos cinemas de rua sob duvidosa argumentação de problemas financeiros para dar lugar a sabe-se lá o que? Cinemas de shopping? Uma estátua da liberdade fake #2? Temos que engolir qualquer coisa sem nem saber o que vem por aí?

    Será que temos que perder toda a nossa vida de rua e que nossos netos só poderão passear em ruas de mentirinha de parques da Disney/Downtowns, como naqueles filmes futurísticos em que as pessoas tentam viver experiências boas do passado de forma artificial?

    Espero que não! Para cuidar dos interesses da coletividade e conciliar interesses conflitantes é que devem servir os administradores públicos. Que preservem-se de alguma forma vários cinemas de rua e não só o Leblon. Soube que varreram 3 de Niterói recentemente. Eles não tiveram a mesma sorte que o Leblon está tendo: uma chance de ter seu cinema salvo! É óbvio que a exploração comercial e os grupos privados precisam de flexibilidade para prosperarem e movimentarem a economisa, mas sem regulação nossos passeios a pé pela cidade estarão resumidos a portarias espelhadas, Drogarias e Bancos, que proliferaram engolindo os pequenos comerciantes locais. Olhar para o céu? Nem pensar. Os prédios teriam alturas infinitas. Por que estamos sempre tão atrasados? Em várias capitais de "1o mundo" há todo um movimento "go local", fundamentado em vários indicadores de melhoria nas cidades e bairros através do estímulo das atividades locais. Estamos ainda em 1980?

    Querem lucrar mais? Inovem-se naquele espaço! Façam cartão fidelidade, exibam futebol, balets, como em outras salas do próprio grupo, reinventem-se sem tirar nosso cinema dali! Nós queremos o cinema!

    De artificial? Fico só com a anilina do algodão doce que já não é vendido na porta dos cinemas há tempos. É que lá dentro tem Skitters, aquela balinha americana de pacote colorida.

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