“Quanto ao futuro das construções gravadas com o uso eterno de hotel, só o futuro dirá. Dizem que eterno só Deus. No Rio de Janeiro, Deus tem concorrentes: os hotéis erguidos com as benesses olímpicas” – Em “Hotéis `Pra Olimpíada´- Sem surpresas”
Notícias divulgada em várias mídias – rádios, jornais e tv – dão conta de operação realizada pela Prefeitura do Rio de Janeiro, na manhã do dia de hoje, para a demolição de construção irregular no bairro de Copacabana, Zona Sul da Cidade. De acordo com o portal da própria Prefeitura, a Secretaria de Ordem Pública (Seop) e a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação (SMDEIS) começaram a demolir dois andares de uma edificação destinada a hotel, na Rua Bolívar, número 65, quadra próxima da orla marítima. Segundo a notícia oficial, o acréscimo foi feito de forma irregular e não pode ser legalizado por não atender a parâmetros urbanísticos:
“Mesmo o proprietário tendo conseguido licença para construir um prédio com 20 andares, foram construídos outros dois pavimentos sem autorização da Prefeitura, um deles aparentemente onde seriam erguidos apartamentos duplex e uma cobertura com áreas de convivência e lazer para os hóspedes, incluindo até mesmo uma piscina”.
É importante destacar que o referido hotel começou a ser erguido “pra Olimpíada”, autorizado com base nas benesses urbanísticas concedidas antes dos Jogos Olímpicos que alteraram os códigos de obras vigentes na Cidade, aumentando substancialmente o número de andares, taxa de ocupação no terreno, área total de edificação construída máxima, entre outros índices urbanísticos vigentes. Na época este blog foi incansável ao analisar esta e outras questões ligadas às leis de construção da Cidade do Rio de Janeiro. Só em relação aos hotéis foram mais de 20 postagens, afirmando que a Cidade ficaria marcada para sempre pela desarmonia provocada pelos excessos autorizados pelo Município.
Um dos prédios liberados com base naquelas leis perniciosas foi exatamente o hotel localizado na Rua Bolívar nº 65. A declaração do secretário de Ordem Pública, Brenno Carnevale transcrita a seguir tem ares de uma grande piada urbano-carioca, pois a própria Prefeitura e a Câmara de Vereadores há décadas se encarregam de aprovar leis que permitem legalizar as irregularidades, desde que se pague a chamada “mais-valia”, conforme já explicado em diversas postagens neste blog:
“A Seop realiza operações de demolição para garantir o controle urbanístico e a ordem pública na cidade. Também temos um papel fundamental para o coibir o crescimento desordenado da cidade”.
Tal fato é corroborado pela fala seguinte do secretário na matéria divulgada no site da Prefeitura:
“A Câmara dos Vereadores, por iniciativa da Prefeitura, aprovou recentemente a nova lei de mais-valia, um instrumento que permite a regularização de alguns acréscimos que foram feitos irregularmente. A regra é válida tanto para imóveis comerciais como para imóveis residenciais. É importante, portanto, que os proprietários nesta situação busquem a Prefeitura, por intermédio da SMDEIS, para regularizarem seus imóveis – explicou Thiago Dias, subsecretário executivo da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação”
A primeira declaração do secretário nada mais é do que um sofisma, pois o objetivo é arrecadar, pouco importando o cumprimento das leis urbanísticas vigentes. Tudo isso acontece mais uma vez durante os estudos e a tramitação de um novo Plano Diretor para a Cidade do Rio de Janeiro que está em vias de ser aprovado. Joga-se confetes para a plateia com o intuito de apresentar eficiência. São discursos antagônicos: respeite a lei ou ponho abaixo x desrespeite a lei, pague e resolva.
O hotel da Rua Bolívar 65, em Copacabana, foi um dos que causaram mais indignação, haja vista a diferença entre a altura usual dos edifícios no bairro, que guardam certa harmonia. A autorização recorda os hotéis construídos na década de 1970, também com base em leis especiais, em período durante o qual a sociedade pouco se manifestava em relação às ações governamentais. Aquelas leis, banidas pouco tempo depois, resultaram, entre outros, nos apelidados “dentes caninos da Princesinha do Mar”, os hotéis Othon e Meridien, hoje funcionando sob novas bandeiras.
Para os proprietários do hotel situado na rua Bolívar as facilidades olímpicas foram insuficientes. Há que se querer mais. Em contraponto, cabe lembrar que, a se considerar o histórico das legalizações de obras feitas em desacordo com os códigos de obras, em breve os interessados poderão pleitear nova “mais valia”, A Eterna, pois mais uma está a caminho.
De um modo geral, é fato que a marreta midiática se aplica a quem não se dispuser a pagar. E que a afirmação de que se trata de controle urbanístico é apenas uma falácia.
Nota 1: Vale destacar que em 2016, uma liminar interrompeu as obras de construção do referido hotel localizado na rua Bolívar nº 65, em Copacabana, destacando o juiz titular da 4ª Vara Empresarial da Capital, Paulo Assed Estefan, que a obra não seguia, já na época, o projeto aprovado pela Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU). O magistrado determinou, ainda, a multa diária de R$ 5 mil, em caso de descumprimento da decisão judicial. (Confiram aqui).
Nota 2: Na época do “tudo é pra Olimpíada”, os incentivos urbanísticos (e fiscais) para a construção de hotéis, conforme mencionado, acarretaram aumento expressivo no número de quartos ofertados, para os quais não haveria demanda após os jogos, era óbvio. Nossas publicações alertaram que futuramente haveria a transformação dos hotéis altos em prédios de apartamentos fora do desenho urbano previsto para cada bairro afetado. Dito e feito, inclusive algumas torres liberadas na década de 1970. Por óbvio não haveria a demolição dos andares a mais presenteados em nome dos Jogos, muito menos o pagamento dos impostos não recolhidos. Andares a mais, impostos a menos, um grande negócio.
Urbe CaRioca
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