Preservar é preciso, de Luiz Fernando Janot

                                                  A opinião do arquiteto Luiz Fernando Janot sobre proposta para mudar a lei urbanística do bairro da Urca

Está na pauta da Câmara de Vereadores a votação do PLC nº 136/2019 que “estabelece condições especiais de incentivo para reconversão de imóveis protegidos e das edificações existentes, regularmente construídas e licenciadas, e dá outras providências em complemento aos capítulos VI e VII da Lei Complementar nº 198, de 14 de janeiro de 2019, que institui o Código de Obras e Edificações Simplificado do Município do Rio de Janeiro”.

Note-se que o PLC incide sobre todas as áreas protegidas da cidade – bens tombados e imóveis preservados nas APACs (Área de Proteção do Patrimônio Cultural), conforme artigos 2º, 3º e respectivos parágrafos.

O tema é delicado. Seu caráter geral poderá trazer consequências imprevisíveis, nem sempre para o bem. Entendemos que deveria ser tratado por bairros, no âmbito de cada Projeto de Estruturação Urbana, mediante análises e estudos aprofundados.

Urbe CaRioca

Preservar é preciso

Luiz Fernando Janot – Arquiteto e Urbanista

Em nome de uma suposta modernização, vários bairros do Rio terão a sua ambiência transformada pela legislação urbana que está tramitando na Câmara dos Vereadores. A extinção dos “Projetos de Estruturação Urbana” (PEU) que regulam o uso e a ocupação do solo a partir das características próprias de cada bairro será responsável pela sua perda de identidade.

Foi graças ao empenho da AMOUR que esse instrumento de planejamento urbano foi implantado pela primeira vez na cidade do Rio do Janeiro, no bairro da Urca, em 1978. Esse PEU-001 assegurou a preservação do ambiente característico do bairro e da sua paisagem natural e urbana. É incompreensível desprezar a relação dialética entre geral e o particular no planejamento urbano da cidade.

Preocupa aos moradores da Urca a liberalidade na concessão de licenças para novas construções ou adaptações das residências para se transformarem em sede de empresas, creches, escolas, clínicas, academias de ginástica, albergues, bares, restaurantes e outras atividades afins. Por se tratar de um bairro com dimensão territorial reduzida e infraestrutura urbana precária, os prejuízos serão bem maiores do que as vantagens apregoadas.

Há um interesse do poder público e da iniciativa privada em convencer que essa transformação irá valorizar o bairro e que os moradores serão os principais beneficiados. Diante desse marketing ardiloso cabe às associações de moradores replicarem essa visão distorcida da realidade e conscientizarem a população sobre a improcedência de tal iniciativa.

A AMOUR nunca mediu esforços na defesa do bairro e dos seus moradores. Sabemos que enfrentar interesses de grupos poderosos nunca foi tarefa fácil. Nunca esmoreceu diante das marchas e contramarchas no combate aos projetos que privilegiavam poucos em detrimento de muitos. A luta contra a forma de ocupação do antigo Cassino da Urca pelo Instituto Europeu de Design tornou-se um exemplo emblemático.

Foram várias as tentativas de ampliar suas atividades para além da finalidade principal estabelecida na cessão de uso do imóvel. Para os moradores da Urca essa pressão se perpetuou durante todo o tempo em que lá estiveram instalados. Percebendo resistência dos moradores contra a implantação desses novos negócios por serem incompatíveis com as características do bairro, não lhes restou alternativa senão devolver o prédio à prefeitura.

Uma nova concessão de uso do prédio foi acertada com o poderoso Grupo Eleva que implantou um modelo para o ensino médio e fundamental de alta qualidade e que vem adquirindo inúmeras escolas particulares. Não há solução mágica para contornar o impacto do elevado número de automóveis circulando pela Urca, pela manhã, à tarde e quiçá à noite quando as atividades se expandirem para outros fins.

Os diagnósticos técnicos que foram realizados pela AMOUR – especialmente de mobilidade urbana – apontam sérios problemas de mobilidade decorrentes da ocupação do antigo prédio do Cassino. Não se iludam com soluções mágicas ou propostas inverossímeis. É inadmissível que em nome da recuperação de um prédio se comprometa a vida de todo o bairro. Ainda mais um bairro especial como a Urca.

O que faz a Urca ser admirada por todos é a singularidade da sua ambiência urbana, a magnífica paisagem natural que a envolve e as relações de vizinhança em escala coerente com a dimensão do bairro. A Urca não é um condomínio fechado. Ele apresenta em seu contexto urbano uma saudável diversidade social, econômica e cultural que se sobrepõe aos desejos exclusivistas de uma minoria impregnada por preconceitos de toda ordem.

Envolver os moradores em torno de interesses comuns deve ser a meta de qualquer associação de moradores que se preze. Nesse sentido, a AMOUR busca representar a todos os moradores avaliando suas demandas e defendendo o que de fato considerar o melhor para o bairro. A questão da legislação urbana é grave, mas a luta continua. Vamos em frente!

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