Por Lucas Luciano – Tempo Real

Durante a audiência pública realizada nesta quarta-feira (30), na Câmara Municipal do Rio, o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (Cau/RJ), Sydnei Menezes, criticou duramente o Projeto de Lei Complementar nº 02/2025, conhecido como o novo mais-valia e mais-valerá. Para ele, o projeto representa uma “contradição”, por permitir a “legalização do ilegalizável”.
“Evidentemente, em tese, aquilo que se chama de mais-valia e mais-valerá é, do ponto de vista urbanístico, uma contradição. São instrumentos que permitem a legalização do ilegalizável. Eles sofrem, inclusive, um certo processo de ‘esquizofrenia’ interna, porque criam uma legislação que diz que algo pode, sobrepondo-se a uma legislação permanente que diz que não pode”, afirmou Sydnei Menezes.
O novo projeto prevê a possibilidade de regularização de construções fora dos parâmetros urbanísticos da cidade até 2029, mediante o pagamento de contrapartida financeira à prefeitura. O valor da taxa será calculado com base na área construída (coberta ou descoberta), no tipo de uso do imóvel (residencial ou comercial) e em outros critérios técnicos. A proposta também inclui uma tabela de descontos decrescentes, como forma de estimular a adesão ao programa nos primeiros prazos.
Menezes lembrou que, historicamente, a mais-valia sempre teve caráter pontual, com prazos de validade claros para resolver situações específicas. Por isso, afirmou que os profissionais de planejamento urbano não podem, conceitualmente, concordar com esse tipo de regularização contínua.
Realidade urbana do Rio
Apesar das críticas, ele ponderou que é preciso encarar a realidade urbana do Rio.
“Existe uma dinâmica urbana que acontece todos os dias, com ou sem regulação. Quer a gente queira ou não, o descumprimento das normas é constante na cidade. Diante disso, quando se apresenta um instrumento como esse, é necessário parar, refletir, debater — mas sem perder o vínculo com a realidade concreta das coisas”, destacou.
O presidente do Cau/RJ também ressaltou que a contrapartida financeira prevista no projeto é um mecanismo já existente no ordenamento urbano e que pode ser válida, se bem aplicada. “O problema não está no instrumento, mas na forma como ele é usado. O essencial é discutir como essa aplicação será feita”, concluiu.
Sobre a audiência
A audiência ocorreu no plenário da Câmara e foi presidida pelo vereador Pedro Duarte (Novo), presidente da Comissão de Assuntos Urbanos. Também participam representantes da prefeitura, profissionais das áreas de arquitetura e urbanismo e os vereadores Zico (vice-presidente da comissão) e Átila Nunes (vogal), ambos do PSD.
Entre os presentes na mesa estiveram a presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento do Rio (IAB-RJ), Marcela Abla, que foi substituída pelo arquiteto Henrique Barandier; Sydnei Menezes e o secretário de Desenvolvimento Urbano da Prefeitura, Gustavo Guerrante.
Mudanças no novo projeto
De acordo com o secretário Gustavo Guerrante, o novo projeto traz avanços em relação à Lei Complementar 274/2024, ao atualizar regras para o licenciamento de construções e acréscimos. Um dos principais destaques é o incentivo à preservação de bens tombados: nesses casos, será permitido um acréscimo de 50% na Área Total Edificável (ATE), desde que seja aplicado o instrumento de Readequação do Potencial Construtivo no lote.
O projeto também propõe o aumento do Índice de Comércio e Serviços (ICS), ampliando o uso comercial e de serviços, mas sem desrespeitar os parâmetros urbanísticos vigentes. Outra mudança relevante é a possibilidade de transformar edificações originalmente destinadas à hospedagem em imóveis de uso multifamiliar, mediante pagamento de contrapartida financeira pela área excedente.
Por fim, o PLC estabelece o prazo até 1º de janeiro de 2029 para a apreciação de pedidos de licenciamento em condições especiais. Nesse período, os descontos sobre a contrapartida financeira serão progressivamente reduzidos, o que deve estimular a regularização antecipada.
Debates na Câmara do Rio
A proposta, apresentada pelos representantes da prefeitura em reunião no dia 15 de abril, não tem conquistado muitos apoios na Câmara do Rio. Pedro Duarte está entre os críticos, afirmando que “uma ou outra ideia do PLC é boa”, pois torna a legislação mais dinâmica, mas há críticas pertinentes quanto ao foco “excessivamente arrecadatório”.
Além disso, segundo alguns vereadores, a proposta incentiva a regularização de edificações em áreas nobres da cidade, enquanto ignora os “puxadinhos” das zonas Norte e Oeste. “É um projeto de lei para CNPJ, não para CPF”, disse um dos participantes da reunião que apresentou a proposta.
Entenda o mais-valia e o mais-valerá
A “Mais-Valia” é um instrumento urbanístico utilizado para regularizar construções que ultrapassam os parâmetros legais, mediante pagamento ao município. Criada para aproximar o registro formal da realidade construída, passou a ser aplicada de forma contínua no Rio desde 2009, durante a gestão de Eduardo Paes, tornando-se uma política pública e fonte importante de arrecadação.
Em 2018, na gestão de Marcelo Crivella, surgiu a “Mais-Valerá”, que permite o licenciamento prévio de construções irregulares também mediante pagamento, antecipando a arrecadação com base em possíveis infrações urbanísticas. Na prática, a irregularidade é antecipada e convertida em receita.