De volta à Urbe CaRioca – Um Quadro e o Carnaval

Andréa Albuquerque G. Redondo

Foto: Urbe CaRioca

Depois de uma temporada fora do Rio de Janeiro devido a questões pessoais, volto à minha querida cidade natal.

Gostaria de não escrever sobre a violência crescente, assunto constante em todos os noticiários, sabido e conhecido aqui e além-mar. Mesmo envolvida com compromissos familiares, pude acompanhar os acontecimentos graças à magia da internet. Melhor evitasse. Dizem que “o que os olhos não veem o coração não sente”, verdade que, infelizmente, não esconde a verdade que massacra o carioca sem dó, psicológica e literalmente: perda de vidas sem distinção de gênero, idade, profissão, classe social – adultos, crianças, nenéns… O que nos resta além de rezar? Só medo, tal é a impotência diante de quadro que fica mais tenebroso a cada dia, o Retrato de Dorian Gray do Século XXI.

Se, de longe, os vários eventos por dia assustavam, o que sentiram as famílias que sofreram perdas irreparáveis, ou quem os vivenciou diretamente?

Durante as semanas passadas em Londres constatei uma triste unanimidade: motoristas, atendentes em restaurantes e outros estabelecimentos, todas as pessoas com quem porventura conversei, ao saberem que eu era brasileira do Rio de Janeiro, imediatamente referiam-se à violência no país, e, em especial, na minha cidade! A corrupção dos políticos era o comentário seguinte!

Quando era criança havia uma brincadeira chamada Polícia e Ladrão. A inocência fazia escolher qualquer dos lados. Importava o objetivo: os primeiros encontrarem os segundos, e estes escaparem daqueles. No final restavam só as risadas de amizade entre os dois grupos, qualquer fosse a vitória, do caçador ou da caça.

No Rio de Janeiro a situação não está para brincadeiras. Pior, não se vislumbra solução. Há alguns anos houve uma proposta salvadora – implantar as Unidades de Polícia Pacificadora – UPP em regiões dominadas por facções criminosas (mapeadas – nomes e sobrenomes divulgados na imprensa, vale relembrar). O projeto que parecia dar certo se esfacelou. O autor – eleito com tal promessa – e seus comparsas destruíram o Estado. Está preso. As favelas onde as UPPs foram instaladas, “pacificadas” por pouco tempo, voltaram a ser território conflagrado.

Todos somos caças.

Nesse contexto, tratar de leis urbanísticas, códigos de obras e tamanhos de edifícios na Cidade formal fica sem importância. Para que estudar a cidade formal que cresce sob as pressões do mercado imobiliário (repleta de prédios sem alma, como alguém já disse!), enquanto a cidade informal (assim entendidas as favelas ou comunidades, ocupação desautorizada perante as leis, permitida tacitamente e intocável há décadas) cresce sem parar? Se esta a tem alma e vida comunitária, ambas têm medo, medo certamente maior na segunda devido aos confrontos bélicos diários – que acontecem noutros lugares em menor escala.

No Rio de hoje armas de todos os tipos – até fuzis – são banais em mãos que atiram para matar de verdade. Armas de guerra contra uma população em estado de choque emocional. Por tudo isso, que importam os gabaritos? Que importa o Urbanismo?

Se o controle do uso do solo importasse aos governantes impedindo-se a proliferação das ocupações irregulares com suas vielas insalubres que tudo escondem, onde o Estado não entra – criadouro de poderes paralelos – talvez o bom urbanismo aliado a projetos habitacionais decentes e ao respeito às leis houvessem contribuído para reduzir a anomia e a insegurança. Evidentemente não seria a panaceia municipal, mas contribuiria para dar solução a problema complexo, com muitas faces a enfrentar.

As ocupações informais estão enraizadas. Já são bairros enormes. Fora aquelas situadas em áreas de risco (sujeitas a deslizamentos ou alagamentos, por exemplo) ou de proteção ambiental, permanecerão. Mas, seu crescimento deve ser controlado, atividades ilícitas combatidas, mantida a fundamental presença do Estado – obrigatoriamente provedor de infraestrutura, promotor do bem-estar e da paz social. Entretanto, nada se resolverá enquanto os brasileiros não tiverem Educação de qualidade e consciência cívica, e houver seriedade e responsabilidade na gestão pública. São as bases para uma economia forte com geração de empregos, e a consequente ascensão social conquistada.

Enquanto o bom futuro do eterno País do Futuro não chega, e o quadro piora a cada dia, continuam outras brincadeiras. Por isso o Carnaval – válvula de escape enquanto rezamos para escapar das balas perdidas.

Urbe CaRioca

Desenho: Chico Caruso, publicado no Jornal O Globo

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