CrôniCaRioca
O ano já me faz lembrar dele. Nos jogos de Bingo, o número 22 era sempre chamado de “dois patinhos na Lagoa”. O número 1 era “cantado” assim: “Começa o jogo”. Naturalmente o jogo já havia começado, salvo se aquela fosse a primeira pedra sorteada, quando seria o início de verdade.
Vou mais longe. Para trás no tempo, porém à frente ao reavivar boas memórias.
Muito já escrevi aqui sobre ele, um Pai CaRioca autêntico, nascido e criado no subúrbio desta cidade. Ora para celebrar a data, ora sobre os Natais inesquecíveis no prédio da Rua Almirante Tamandaré, ou em passeios urbano-cariocas verdadeiros e imaginados, sem esquecer a paixão pelo Ford 50 e a fantástica história do Bolinho Mixto. Onde estará o Ford? E o bolinho, ainda existe?
Chamava-se Adelcio. Nome estranho. Parecia único. Havia Adelson, Adilson… Adelcio, nenhum. Uma vez contou que foi erro no cartório. O escrevente devia ser meio surdo. Quando meu avô dizia Delcio ele perguntava: “Como? O quê?”, e nada de o sujeito escrever. “Hã? Hã? Pode repetir”?
Até que meu avô perdeu a paciência e disse: “Ah! Não é possível!”. O moço se deu por satisfeito e deve ter pensado “então é com “A”. Quando chegou em casa minha avó leu Adelcio! Estava decidido. Às vezes me pergunto se foi história inventada por ele para fazer graça. Quem sabe meu avô colocou um “A” na frente de Delcio para que o nome começasse inteirinho com a letra A: Adelcio de Almeida e Albuquerque. Pois o do pai (dele) levava quatro vezes a mesma letra: Abelardo André… e o resto igual.
Em 2001, quando Adelcio, o Único, não estava mais aqui, fiz uma viagem a Ouro Preto. No caminho, uma parada no interessante Museu das Reduções e em uma lojinha de artesanato. Além dos panos bordados que sempre me agradam, escolhi uma Nossa Senhora de pedra sabão, material típico do lugar. E, surpresa, no fundo da pequena escultura, o nome do artista à minha frente. Adelcio.
Um mistério. Entre santos, potinhos úteis e enfeites, escolher a Mãe e ela trazer o nome do pai. O meu e não o dela. Quem sabe o então futuro escultor fora registrado no mesmo cartório? E ainda por cima um Adelcio dos Santos!
Não que meu pai fosse um, sem defeitos só Deus, dizem. Mas dele não posso me queixar, ainda mais nesses tempos de tantas histórias tristes de pais contra filhos e vice-versa.
Dele guardo a paciência e a tranquilidade, a fala mansa e a voz que acalmava. A primeira, raras vezes vi perder. Pelo menos uma, comigo, hoje me faz rir. Indiferentes aos apelos, meu irmão e eu não parávamos de brigar, o que ele chamava de “fazer nhenhenhém”.
Na época, o Taquara das nossas férias era infestado de moscas, dizia-se que era por causa da hípica, as cocheiras e o estrume. Mata-moscas não podiam faltar. No verão era impossível almoçar sem espantar as moscas antes. Porta fechada, meu pai se transformava em um caçador exímio, perseguindo as pobres coitadas até a última finar e a Mãe CaRioca chamar para a mesa. O nhenhenhém no andar de cima continuava. Pois ele subiu atrás de nós com a arma em punho, um verdadeiro mosqueteiro. Desci correndo escada abaixo e ele me acertou no bumbum com a varinha do mata-moscas. A varinha quebrou!
Não doeu absolutamente nada! O que não me impediu de, aos berros, dizer “Você quebrou o mata-moscas em mim!”. Ele não deu a menor bola, pois sabia que não havia me batido pra valer, e sabia que eu sabia disso. Pura birra, puro drama. Como não me aproveitar na sem-vergonhice dos nove anos de idade?
Meu pai jamais levantou a voz para mim. Jamais. O respeito entre nós nunca faltou. O episódio hilário do mata-moscas entrou para as crônicas familiares e papos em dias de comemorações. Por exemplo, nos muitos Dias dos Pais que hoje rememoro!
Dele e de minha mãe guardo boas lembranças, saudades, e um nome sob o manto da santinha..
Conto mais sobre o Bingo no Taquara em breve. O Dia das Crianças está próximo.
Andréa Albuquerque Garcia Redondo / Andréa de Almeida e Albuquerque
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