Grama sintética versus árvores de verdade: prioridades versus gastos públicos

No artigo abaixo, o arquiteto Roberto Rocha, integrante do Conselho Municipal de Meio Ambiente da Cidade do Rio de Janeiro (Consemac) e do Grupo Ação Ecológica (GAE), aponta uma contradição entre as prioridades da Prefeitura do Rio em relação às questões ambientais e climáticas.

No final do último mês, foi publicada no Diário Oficial do Município a chamada da Fundação Parques e Jardins para licitação para a “Implantação e recuperação de campos de grama sintéticas de áreas de lazer” no valor aproximado de R$ 22 milhões !

O autor destaca a importância da manutenção e da implantação de novas áreas destinadas ao convívio coletivo, porém faz um comparativo de valores, tanto em dinheiro, quanto à utilidade pública da medida e aos serviços ecossistêmicos prestados, e questiona a falta de investimentos em áreas ambientais primordiais que há anos aguardam atenção.

Urbe CaRioca

Grama sintética versus árvores de verdade: quais as prioridades do Rio de Janeiro em tempos de emergência climática?

Roberto Rocha 

Estamos numa emergência climática. Mas afinal o que é isso? Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) da ONU, emergência climática traduz uma série de condições do clima terrestre nunca vistas na história e que vêm sendo detectadas por cientistas de diversos países nos últimos anos.

Tais condições foram e vem sendo originadas pelas inúmeras atividades humanas, – especialmente das indústrias, além de desmatamentos – desde a década de 1950. Quais são elas? Aumento de temperatura do planeta e ondas de calor; ocorrência de eventos climáticos extremos: incêndios, secas, chuvas torrenciais, ciclones tropicais, aumento do nível do mar e derretimento de geleiras.

Como frear essa emergência global? A ONU e seus países membros tentam, através de conferências sobre o clima, traçar estratégias de mudanças de matrizes energéticas, e promover a concessão de subsídios para países ainda em processo de transição tecnológica visando mitigar a emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE) – especialmente o gás carbônico (CO2) –   que potencializam essas graves mudanças no clima. No último dia 1º de maio, a ONU pediu aos países ricos que atuem em face da emergência climática global.

E o que isso tem a ver com o Rio de Janeiro? Muito. As grandes cidades podem contribuir com a redução de GEE através … do plantio de árvores! As árvores durante o crescimento e vida fixam – ou sequestram – o gás carbônico atmosférico (CO2) no conhecido processo da fotossíntese, além de prestar diversos outros serviços ambientais e multifuncionais. Formam e integram áreas verdes e espaços livres, abrigam fauna, melhoram a estética urbana, reduzem poluentes do ar e enchentes, controlam a erosão, limitam ruídos e, enfim, promovem a melhoria da qualidade de vida da população.

Nesse sentido causou surpresa a leitura do Diário Oficial de 28/04/2022 (fls. 91) onde há uma chamada da Fundação Parques e Jardins para licitação objetivando a  “Implantação e recuperação de campos de grama sintéticas das áreas de lazer nas diversas APS do Município do Rio de Janeiro” no valor aproximado de R$ 22 milhões !


Obviamente, ninguém seria contra a prática esportiva nas praças e parques de qualquer cidade. Esses espaços são, muitas das vezes, os únicos para essa e outras atividades de lazer, artísticas, educativas, de contemplação, de convívio e alívio das mazelas da vida urbana, especialmente para as camadas sociais mais carentes. O que nos chama a atenção são as contradições. Vejamos algumas comparações.

Em 2016, a Fundação Parques e Jardins concluiu o primeiro plano de arborização da cidade, o chamado PDAU Rio, aprovado pelo prefeito Eduardo Paes através do Decreto nº 42.685/2016. Esse plano diagnosticou e estabeleceu a necessidade de implantação de diversos programas inter-relacionados que pudessem trazer de volta a plena e boa gestão da arborização urbana carioca: o necessário fortalecimento institucional da centenária Fundação Parques e Jardins – hoje debilitada em número de profissionais e recursos -, ações de informação e gestão, de produção, plantio, poda e remoção de árvores, de normatização, capacitação e de educação ambiental, dentre outros.

Os custos anuais estimados para a implantação do PDAU Rio giram em torno de R$ 6 milhões por ano. Em termos comparativos, o custo da grama sintética da licitação citada poderia sustentar o Plano e os seus importantes programas por um mais de três anos.

Também desconhecemos as verbas anuais destinadas ao PDAU Rio, bem como as estatísticas sobre os plantios de árvores na cidade após 2013, período final de seu diagnóstico (2010-2013). Plantar uma árvore em logradouros no Rio de Janeiro custa em média R$ 450 por unidade.

Ademais, recentemente, em abril de 2022, o prefeito cancelou a verba anual destinada ao excelente e exitoso Programa de Reflorestamento da Cidade – existente desde 1984 e premiado pala ONU – , no valor de R$ 24,5 milhões, destinando apenas cerca de R$ 560 mil para essas importantes ações ambientais. Esse valor corresponde a mais de 300 hectares (ou seja, três milhões de m2) de reflorestamento.

Sites especializados em grama sintética indicam uma vida útil – quando bem cuidada e mantida – na ordem de cinco anos. Em regiões sujeitas à intensa radiação solar, calor e chuvas, como o Rio de Janeiro, provavelmente possuem vida útil menor. Por outro lado, árvores urbanas podem durar várias décadas. Em reflorestamentos bem-sucedidos as idades dos indivíduos podem superar centenas de anos. Em resumo, R$ 22 milhões gastos com grama sintética equivalem a mais de três anos (R$ 6 milhões/ano) de ações de arborização urbana ou quase um ano ações de reflorestamento no valor de 24,5 milhões/ano em toda a cidade. Portanto, considerando a escassez de recursos e a urgência na gestão da ambiental e climática da cidade, priorizar investimentos nessa área é fundamental!

Afinal, o que pesa mais para o combate das emergências climáticas no Rio de Janeiro?  Dotar a cidade de uma melhor arborização urbana e de um amplo reflorestamento de suas encostas ou “plantar” grama sintética? Aliás, o que a população escolheria?

Acreditamos que a população carioca deseje árvores de verdade, como agentes de promoção da qualidade de vida. Relembramos que em 2012, o prefeito Eduardo Paes citou num evento do TED que o caminho para cidades seria “green, green, green”, traduzindo: “verde, verde, verde”.

Nunca pensamos que esse verde seria sintético.

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