Segundo a professora e jurista Sonia Rabello, conforme consta no artigo “Buraco do Lume: qual o seu negócio? Para quem?” reproduzido neste site no último dia 17,
“o terreno ao qual se pretende dar gratuitamente ao atual proprietário (cujo nome é escondido da população, provavelmente por vergonha …), já é provavelmente público. Não há mais imóvel privado. Só formalmente no Registro de Imóveis. Mas, esta formalidade foi ab-rogada pela usucapião pública da praça lá localizada na integralidade do terreno deste seu aterramento nos anos 80 pelo prefeito Kablin, em função do abandono e desídia do antigo proprietário; praça esta, desde então, de uso comum do povo, e oficialmente designada como logradouro público. Incontestável e incontestada situação pública de logradouro público.”
Além da hipótese trazida por Sonia Rabello e “ainda que o terreno, por suposição, fosse privado”, é fato que o local de apelido pitoresco situado entre a Rua São José, a Avenida Nilo Peçanha, incluindo a atual Praça Melvin Jones (trecho com frente também para a Avenida Rio Branco) anteriormente fora “Bem Público de Uso Comum”, ou seja, antes classificado como ‘área pública’ – poderia ser destinada a praças ou jardins, por exemplo. É o que mostra a análise dos Projetos Aprovados de Alinhamento – PAA vigentes ao longo das últimas décadas.
Como se sabe, toda a região conhecida como Esplanada do Castelo teve origem no desmonte do morro histórico, de mesmo nome. O trecho em questão foi um dos últimos a ser urbanizado.
Ocupado conforme o desenho urbano dos lotes estreitos característicos do Brasil Colonial e Imperial, o Centro do Rio já via as antigas construções demolidas para darem lugar ao novo traçado inspirado nos conceitos do Plano Agache: prédios mais altos e contíguos, alguns dotados de pilares e galerias cobertas para a passagem de pedestres, no andar térreo.
Esse trecho, entretanto, teria destino diferente.
A área triangular seria o prolongamento da Avenida Erasmo Braga, previsto um edifício no lugar dos sobrados que ficavam no lado ímpar da Rua São José (PAA 3085, PAA 3414 fls. 1 e 2, e PAA 3472, os dois últimos de 1940); no projeto de 1956 a área entre as Avenidas Presidente Antônio Carlos e Rio Branco ficaria livre de construções, mas reservada à “ampliação da estação central de ônibus” (PAA 6739 indica áreas de estacionamento ao nível do solo e o prolongamento da Avenida Erasmo Braga); em 1961 o projeto permaneceu, salvo pequena alteração no desenho da Avenida (PAA 7817); em 1965 o uso da porção mais próxima da Avenida Rio Branco seria, finalmente, uma “Praça ajardinada com garagem subterrânea”, mantida a ligação entre o prolongamento da Avenida Erasmo Braga e a Avenida Graça Aranha (PAA 8264).
Somente em 1970 o governo do então Estado da Guanabara decretou os atos que tornariam a área uma propriedade privada: em 04/06/1970 o Decreto-Lei nº 386 desafetou o local de bem público de uso comum e autorizou a incorporação do mesmo ao patrimônio do antigo Banco do Estado da Guanabara – BEG “para reverter em aumento do seu capital social”, o que permitiu vendê-lo à iniciativa privada. Para ter valor comercial, entretanto, faltava fixar índices construtivos. Com a aprovação do PAA 8903 em 10/08/1970 a construção em parte da área foi autorizada, devendo o restante ser doado ao Estado para implantação de uma praça pública ajardinada! Um estranho jogo no qual uma área pública foi vendida com o gravame de que parte da mema voltasse à tutela do governo como área pública.
Os critérios foram ratificados em 1974 e a atual Praça Melvin Jones criada oficialmente, moldura para a futura torre comercial.
A prática de vender áreas públicas para o mercado imobiliário – bem como terrenos próprios Municipais, Estaduais e Federais – muitas vezes equivocadamente e em detrimento da cidade, continua até os dias de hoje, como vimos em atos de governos recentes no Estado e do Município do Rio de Janeiro, divulgados aqui em várias postagens (“Vendo o Rio“ e “Gabaritos“). A criação dos índices para construir respectivos, por sua vez, dá-se através de Projetos de Lei Complementar aprovados por Prefeito e Vereadores como determina a legislação urbanística atual.
Como se vê, depois de derrubado o Morro do Castelo e até 1970 o Buraco do Lume era mesmo do carioca*.
Urbe CaRioca
*Nota – Agradecemos a Brasiliano Vito Fico por colaborar com o envio de dados que permitiram a presente análise.
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11/09 (2) – Buraco do Lume – Por Brasiliano Vito Fico
17/09 – Buraco do Lume: qual o seu negócio? Para quem?, de Sonia Rabello