O CASARÃO DA RUA DO RIACHUELO – CRÔNICA DE UMA DESTRUIÇÃO ANUNCIADA, de Julio Reis

Reprodução da internet
Quem passou pelo local nas últimas décadas pode acompanhar a lenta degradação e o quase total desaparecimento do

“… grande solar do século XVIII, pertencente ao Visconde de São Lourenço, e que muito lembrava o Paço Imperial por sua arquitetura de pórticos em pedra, gradil em ferro batido e vários caimentos de água…”, palavras do artigo de Julio Reis.

O autor, não obstante, tem esperança pela recuperação e reconstrução do imóvel.

Boa leitura.
Urbe CaRioca


Rua do Riachuelo esquina com Rua dos Inválidos
Foto: Julio Reis, out. 2015

CRÔNICA DE UMA DESTRUIÇÃO ANUNCIADA

Julio Reis
No início dos anos 90 o Jornal O Globo informava o desabamento da área interna de um velho casarão situado na esquina da Rua do Riachuelo com Rua dos Inválidos, no Centro do Rio. Tratava-se de um dos últimos exemplares da arquitetura portuguesa de residência coletiva ainda ocupada com essa função em pleno século XX. Transformou-se num grande cortiço com população que superava 200 pessoas divididas entre os mais de 50 quartos, tal era o porte da construção. No andar térreo funcionavam barbeiro, vendas de frutas, sala de bilhar, etc.


Esse grande solar do século XVIII, pertencente ao Visconde de São Lourenço – que muito lembrava o Paço Imperial por sua arquitetura de pórticos em pedra, gradil em ferro batido e vários caimentos de água – era sem dúvida uma das maiores construções do Centro no mais completo estado de abandono. O histórico do prédio, tombado em 1938 e registrado no Guia dos Bens Tombados, informa que naquele terreno foram construídas diversas casas térreas.


Seu proprietário era o antigo oficial das ordenanças Antonio da Cunha. De 1820 a 1829 as inscrições constantes dos livros de lançamentos da Freguesia de São José registram o nome do Visconde de São Lourenço como proprietário de uma casa com loja, sobrado e sótão.



O prédio possuía três pavimentos, o primeiro com 6 portas de frente para a Rua do Riachuelo sendo a porta principal marcada com um delicado trabalho em escultura no frontão esculpido em pedra. O segundo pavimento tinha sete portas sobre balcões, sendo três sobre balcão corrido de linha ondulante e quatro isoladas, duas de cada lado, com guarda-corpo de ferro fundido. A construção possuía um entablamento com boa molduração. Tinha pilastras e bandas na altura do terceiro pavimento que ocupava apenas a parte central da fachada.

O que mais nos deixa indignados é que essa construção onde hoje funciona um estacionamento, após a saída das famílias que nela habitavam, sofreu permanentemente atos de vandalismo e destruição intencional. Aos poucos e devagar as paredes internas desmoronaram misteriosamente, uma a uma até não restar nada como se fossem de papel. Independente do clima – chuvoso ou não – vizinhos ouviam marretadas e o barulho de pessoas trabalhando na demolição do prédio sem serem incomodados pelo poder público ou qualquer representante do patrimônio. Logo depois o gradil em ferro do século XVIII-XIX foi completamente removido, além de os velhos portais de madeira e as telhas do século XVIII.

Onde estarão todos esses materiais antigos e nobres? Porque o Governo não desapropriou esse imóvel se os seus donos nunca fizeram nada para preservá-lo?

Com base no levantamento histórico-fotográfico do imóvel feito por tantos estudiosos e pelo IPHAN, mesmo diante do pouco que resta da fachada, certamente ainda é possível reconstruí-la e também erguer as paredes externas que caíram, pois a arquitetura desse período era uma arquitetura de linhas retas predominantes e poucas curvas, fácil de reproduzir atualmente. Dessa forma teríamos de volta um imóvel completo do Século XVIII, que foi tão importante na história do desenvolvimento do Centro do Rio: um exemplar histórico de caráter único.


  1. Para preservar um prédio antigo tombado são necessários múltiplos esforços, principalmente do IPHAN que é o fiscal do tombamento. Deixar a manutenção por conta do proprietário, que muitas vezes quer dele se desfazer, torna-se uma política absurda.

    1. Prezada Hilda,
      Obrigada pelo comentário. É verdade. Os instrumentos de que dispomos ainda são insuficientes.

  2. Essa esquina tem grande importância para a História do Brasil. Trata-se do assassinato de João Suassuna, pai de Ariano, em 09/10/1930, por um pistoleiro contratado, que ali aconteceu. Obrigado pela imagem que resgada nossa História! Élcio, Sorocaba/SP, 22/03/2018.

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