Ontem publicamos DIREITO DE SUPERFÍCIE E ILHA DO GOVERNADOR – DOIS DISCURSOS, mais uma postagem sobre o Projeto de Lei Complementar nº 96/2015, que “institui a aplicação do direito de superfície para fins urbanísticos no município do Rio de Janeiro”, ou ‘negócios urbanísticos’ na visão do jornal O Globo. Na análise acurada da jurista e professora Sonia Rabello trata-se de uma tentativa de imbróglio jurídico, conforme já divulgamos.
No artigo a seguir Canagé Vilhena analisa e questiona a proposta do Executivo Municipal diante da “competência legislativa da União” e das “exigências constitucionais da política urbana”. Para o autor, na prática as leis urbanísticas têm sido aprovadas como se decretos fossem, pois não há “oposição eficaz” na Câmara de Vereadores. Profundo conhecedor das leis urbanísticas e das questões urbanas do uso do solo na cidade do Rio de Janeiro, o arquiteto aponta ainda aspectos ligados à regularização de habitação social também embutidos no estranho PLC.
Todos os textos sobre o assunto publicados neste blog estão listados no final do post.
Boa leitura.
Urbe CaRioca
PLC Nº 96/2015, UM NOVO RETALHAMENTO DA LEGISLAÇÃO EDILÍCIA
Canagé Vilhena
Em síntese: este Projeto de Lei Complementar é mais uma LICENCIOSIDADE URBANÍSTICA que o prefeito pretende aprovar, invadindo competência legislativa da União e desviando-se das exigências constitucionais da política urbana.
Ao invés de procurar desenvolver a política urbana, como determina a Constituição Federal de 1988, regulamentada pelo Estatuto da Cidade, o prefeito procura driblar princípios constitucionais para continuar legislando, em matéria de desenvolvimento urbano, como se fazia antes, ou seja, através de decretos, uma vez que hoje a Câmara de Vereadores, com sua maioria, aprova todas as determinações do Executivo, com aparente legalidade legislativa, assim como é a produção de ÉDITOS.
Já não se fazem mais decretos executivos como antigamente; agora qualquer projeto de lei do Executivo é aprovado pela Câmara de Vereadores sem oposição eficaz.
O desenvolvimento urbano é orientado por Projetos de Estruturação Urbana (PEUs) que servem apenas para o controle edilício sem qualquer influência na organização urbanística, ampliando assim as diferenças de qualidade do espaço construído verificadas na comparação entre as diversas regiões, tendo como parâmetros as funções urbanas básicas (trabalho, circulação, moradia e lazer) e a não disponibilidade das funções sociais da cidade, o que pode ser bem medido pela diferença os índices de Desenvolvimento Humano – IDH de cada região.
A legislação de uso e ocupação do solo que deveria fazer parte de um sistema, como última etapa da atividade urbanística, desde 1992 aguarda a sua adequação aos dias de hoje. Os projetos de lei para esta revisão, elaborados para atender ao Plano Diretor de 2011, aguardam engavetados na Câmara, para que o prefeito possa continuar com sua produção de retalhos para o velho Decreto 3.800/70 que regulamentou a Lei de Desenvolvimento Urbano do antigo Estado da Guanabara, a Lei 1.574/67.
Neste PLC 96/2015 aparece a tentativa de permitir o uso de instrumentos previstos no Estatuto da Cidade que não foram regulamentados no município, como determinava o Plano Diretor de 1992.
Destaque no texto deste PLC para a possibilidade de se construir sobre logradouros públicos, é claro, desde que o “corpo técnico” da Prefeitura do Rio esteja de acordo. Acontece que este “corpo técnico” está sempre de acordo com as manobras deste e de outros prefeitos, pois é da cultura da administração pública municipal seguir o que o prefeito mandar, uma velha praxe.
O prefeito, então, prefere continuar a velha prática de remendar a legislação iniciada com as permanentes alterações do velho Código de Obras do Distrito Federal, o Decreto 6000 de 1937, repetidas no velho Decreto 3.800 de 1970, até os dias de hoje, do que aprovar planos de desenvolvimento urbano local para cada região segundo diretrizes da atividade urbanística em conformidade com a Política Urbana de orientação constitucional. Usa para tanto o tal de Plano Estratégico que não reconhece o Plano Diretor.
Outro destaque no texto do PLC 96/2015 é a possibilidade de “regularizar” habitações de interesse social em áreas públicas, ou seja, com a concessão de uso resolúvel para ocupações organizadas por cabos eleitorais, sem segurança jurídica – e principalmente sem infraestrutura urbana, – tal qual fez a antiga Secretaria Estadual de Habitação e Assuntos Fundiários do RJ, a velha SEHAF.
O prefeito prefere continuar a velha prática a aprovar um plano geral de Habitação de Interesse Social com a participação da sociedade.
Isso tudo acontece sem reação da sociedade, tampouco dos partidos políticos da oposição, muito menos das entidades representadas no Conselho de Política Urbana-COMPUR ou no Conselho de Municipal Meio Ambiente – COSEMAC; exceção: FAM-RIO.
Enfim, o prefeito desta cidade faz o que bem entende e o que lhe interessa para bem servir aos “donos da cidade”.
Canagé Vilhena é arquiteto.
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