Reviver Centro: Mercado Imobiliário em polvorosa por mais benesses

Com muita vergonha de mais uma barbaridade urbano-carioca, este blog  divulga a notícia publicada no jornal O Globo, da lavra do ótimo jornalista Luiz Ernesto Magalhães, que há décadas acompanha variadas questões sobre a Cidade do Rio de Janeiro, sobretudo aquelas ligadas à legislação urbana e aos códigos de obras vigentes – e em constante modificação. Conforme temos repetido, o Programa Reviver Centro, não obstante algumas poucas licenças de obras concedidas, tem “revivido” principalmente o bairro de Ipanema ao liberar a construção de edifícios não afastados das divisas com altura superior a 12 metros, restrição imposta pela Lei Orgânica do Município que somente poderia ser revista após um estudo completo sobre o bairro e a  elaboração de um Projeto de Estruturação Urbana – PEU para o mesmo.

Por conceito estabelecido, os PEUs são leis abrangentes que consideram as características específicas de cada bairro ou conjunto de bairros semelhantes com base para direcionar seu desenvolvimento. O “reviver” simplesmente atira novos índices construtivos – a maior, evidentemente – para locais de interesse do mercado imobiliário, concede benefícios fiscais (abre mão de impostos que seriam aplicados em benefício dos cariocas e da cidade): muda as normas vigentes ao bel prazer do Prefeito e, quiçá, dos interesses da construção civil.

Enquanto o Centro não é “revivido”, a cobiçada Ipanema e a sofrida Copacabana recebem mais e mais metros quadrados, andares acima dos gabaritos, sempre eles.

Prova de que as apregoadas boas intenções do programa estão longe de surtir efeito fora de Ipanema, foram as ações do Poder Público intervindo nas negociações de compra do edifício do antigo Hotel Serrador e do Edifício A Noite, o primeiro comprado através de recursos da Câmara Municipal, o segundo através de uma estranha triangulação entre a Prefeitura e a iniciativa privada.

As duas aquisições e a velocidade com que surgem edifícios novos em Ipanema e outros bairros comprova que apenas os incentivos fiscais e leis que aumentam o potencial construtivo no Centro não têm sido suficientes para a revitalização da região, enquanto os bairros da Zona Sul continuam sendo a bola da vez.

Abaixo, a notícia do O Globo. Aqui, o link para o Projeto de Lei Complementar nº 109/2023. Vale conhecer como ficarão os gabaritos de altura nos bairros mais uma vez agraciados, e os comentários de representantes do setor imobiliário, ainda insatisfeitos com as novas benesses a caminho.

Urbe CaRioca

Reviver Centro: vereadores e setor imobiliário buscam caminhos para reequilibrar benefícios fiscais do programa

Um dos principais pontos de controvérsia do chamado Reviver 2.0 é que o texto cria ou amplia bastante os estímulos para converter ou construir residenciais na área do chamado Centro Financeiro

Por Luiz Ernesto Magalhães — O Globo

25 de agosto de 2023 – Link original

A região do Centro, onde a prefeitura pretende incentivar a construção de empreendimentos residenciais como forma de revitalização — Foto: Márcia Foletto/Agência O Globo

Os debates sobre a revisão dos incentivos fiscais e urbanísticos para acelerar a transformação da região central em uma área com perfil mais residencial entraram na fase final na Câmara do Rio com os vereadores buscando uma forma de equilibrar mais os estímulos na área do programa. Um dos principais pontos de controvérsia do chamado Reviver 2.0 é que o texto cria ou amplia bastante os estímulos para converter ou construir residenciais na área do chamado Centro Financeiro (Castelo, Praça XV e Carioca) mantendo as regras antigas em vigor nas áreas restantes: Cruz Vermelha, Saara, Praça Tiradentes e Central do Brasil.

A maior preocupação de parte da Câmara do Rio e de empresários do setor imobiliário é que o texto apresentado pelo governo só garanta o desenvolvimento de uma área e não da região central na totalidade.

O texto enviado pelo Executivo cria no Centro Financeiro uma zona de gabarito livre e concede outros estímulos. O principal envolve regras mais flexíveis nessa área em detrimento ao resto do Centro para a concessão de uma espécie de bônus imobiliário que pode ser transferido para outras áreas da cidade, como Copacabana e Ipanema. Na proposta para a área de gabarito livre essa porção é de 1 para 1 ou de 1 para 1,5. Ou seja, se o investidor converter ou construir mil metros quadrados na área de gabarito livre, ele ganha o benefício de erguer mil metros quadrados a mais em outras áreas da cidade, como Ipanema e Copacabana.

No exemplo, esse bônus pode chegar a 1,5 mil metros quadrados se o investimento for em residências para a população de baixa renda. Além disso, se licenciar novos projetos nos próximos cinco anos a partir do momento em que a lei entrar em vigor, o investidor fica isento de pagar uma espécie de taxa à prefeitura para poder usar o bônus imobiliário. Quem já pagou a taxa pelo Reviver 1 terá o dinheiro devolvido.

Nas áreas restantes, os estímulos, que hoje são bem menos generosos, seriam mantidos, gerando o desequilíbrio. Hoje, independentemente do endereço do empreendimento – centro financeiro ou as outras áreas – esse bônus imobiliário é de apenas 40% da área total. Ou seja, enquanto no Centro Financeiro um terreno de mil metros quadrados pode gerar uma bonificação idêntica, no resto do Centro, só seria possível transferir 400 metros quadrados. Além disso, os investidores nessas áreas continuariam a pagar a taxa, gerando mais despesas para quem investir nas áreas não contempladas.

— A comparação é simples. Você tem dois produtos idênticos na prateleira do supermercado. Um é oferecido em promoção (Centro Financeiro) e o outro pelo preço atual (resto do Centro). Qual que ficará encalhado na prateleira? O Reviver Centro é um remédio para conter o esvaziamento da área. Mas se a dose do remédio for errada, como parece ser essa proposta, ele transforma em um veneno — avalia o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon) e vice-presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-RJ) Claudio Hermolin.

O empresário defende que a área fora do Centro Financeiro também receba mais incentivos para evitar que haja um desequilíbrio na hora de novos investimentos. Mesmo que não sejam necessariamente iguais:

— Uma alternativa para as regiões que não integram o Centro Financeiro seria aumentar o bônus para 80% sem a cobrança da taxa por pelo menos três anos. Com o prazo menor de isenção, isso manteria essas regiões atrativas para os investidores— disse Hermolin.

Ontem, uma reunião de duas horas com técnicos da prefeitura e vereadores terminou sem acordo. Com isso, a discussão final do projeto que estava marcada para a tarde do mesmo dia foi transferida inicialmente para a próxima terça-feira, mas a data é incerta porque várias emendas ainda serão apresentadas e debatidas em plenário. Entre os que defendem um maior equilíbrio entre as duas regiões está Pedro Duarte (Novo):

— Nesse ponto do projeto, o governo quer manter da forma que está. Eu discordo. Se é para conceder mais benefícios, isso deve atender o Centro inteiro e não apenas parte dele — disse Pedro.

O presidente da Ademi-RJ, Marcos Saceanu, também defende um maior equilíbrio entre os benefícios urbanísticos oferecidos entre as diferentes regiões do Reviver:

— Para solucionar o esvaziamento do Centro a gente precisa de um grande volume de investimentos na área. Se não adotarmos as medidas corretas de uma vez, em dois anos, teremos que fazer uma nova revisão no projeto para corrigir rumos — disse Saceanu.

O subsecretário executivo Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação, Thiago Dias, diz que a percepção por parte de quem defende mudanças de que haveria um desequilíbrio entre as duas áreas é equivocada. Ele argumenta que a maioria das licenças concedidas até o momento foram justamente fora do Centro Financeiro.

— O Centro financeiro tem uma excelente infraestrutura que precisa de mais incentivos. E o perfil é diferente. As outras áreas do Centro continuarão com estímulos. E ao contrário do Centro Financeiro, dispõe de áreas comerciais que também são incentivos a moradias, como padarias e supermercados— argumentou Thiago. O subsecretário acrescenta:

— A prova que não há riscos é que o Reviver Centro não impediu que a região do Porto Maravilha continue a se desenvolver. E agora, há uma proposta para expandir o programa para São Cristóvão.

A proposta em discussão prevê outras mudanças. Mas essas seriam válidas para qualquer região do Reviver. Hoje, o bônus urbanístico só pode ser usado na Zona Norte, Ipanema e Copacabana em prédios colados às divisas — quando não há espaços entre os edifícios. Na versão em debate na Câmara, esse bônus poderia ser usado em qualquer bairro da Zona Sul e em trechos dos bairros da Barra e Jacarepaguá. Esse trecho do projeto também está sujeito a receber emendas.

Além disso, quem investir nessas áreas e precisar licenciar imóveis retrofitados que foram construídos fora dos padrões da legislação, será isento de pagar taxas para legalização (’’mais valia’’).

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