Sobre São Conrado, Joá e o desplanejamento urbano, de Washington Fajardo

A opinião do ex-presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, conselheiro no Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU-RJ), criador do escritório Desenho Brasileiro, entre outros, Washington Fajardo sobre proposta para o bairro de São Conrado.

A Prefeitura do Rio planeja liberar a construção de prédios de até 11 andares em parte da Avenida Niemeyer, entre o Hotel Nacional e as proximidades do Túnel Zuzu Angel. Atualmente, no local são permitidas apenas casas. Quanto a estas, “poderão ocupar, caso a ideia vá adiante, uma área de encosta mais alta que a permitida atualmente. Outra mudança em análise é o aumento do gabarito em terrenos no entorno da Autoestrada Fernando Mac Dowell (Lagoa-Barra) em trechos ainda não verticalizados”. Vale a leitura !

Urbe CaRioca

Sobre São Conrado, Joá e o desplanejamento urbano

Está em curso um descalabro urbanístico. Os cariocas precisam lutar contra essa loucura que nem melhora qualidade de vida, nem reduz desigualdades

Washington Fajardo

Protegido por legislação urbanística própria para evitar adensamento,São Conrado poderá ganhar mais edifícios: Crivella estuda permitir construções em áreas onde hoje só há casas Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

Na medida que seu governo fracassa e o processo de impeachment significou a pulverização da administração da cidade em conchavos politiqueiros, Crivella também abriu a caixa de Pandora da revisão dos Projetos de Estruturação Urbana dos bairros (PEUs) do Rio para a ganância imobiliária. Os resultados das reuniões de portas fechadas na Secretaria de Urbanismo estão começando a chegar ao domínio público, como ocorre no caso das propostas para os bairros de São Conrado e Joá.

Vereadores e promotores imobiliários participam da negociata que mira o preço da terra urbana dos bairros como possiblidade de grandes ganhos econômicos, expressando descaradamente que a cidade está à deriva e vai piorar.

Com o objetivo de buscar racionalidade, ilustro pontos que os moradores da região e todos os cariocas precisam observar.

Primeiro, a capacidade de suporte ambiental dos bairros é saturada. Joá configura-se numa escarpa de morro e São Conrado é uma enseada limitada por acessos arteriais via túneis e viadutos. Na medida que não existe integração tarifária no Rio, o metro não atinge sua plenitude na estação local. Os bairros estão numa microbacia hidrográfica frágil cuja maior evidência do caos ambiental é a praia eternamente poluída e suja.

Outro fato nítido são os riscos de deslizamento das encostas que motivaram o fechamento da Avenida Niemeyer. Claramente, a área não suporta novos adensamentos construtivos, assim como redução do potencial de permeabilidade do solo. Sem contar a infraestrutura sanitária inexistente.

Segundo, o Plano Diretor da cidade carateriza os bairros como Macrozonas Consolidada (São Conrado) e Condicionada (Joá). Os nomes já mostram: são territórios urbanos estabilizados, frágeis, sem necessidade de estímulos de ocupação e que demandam mais proteção, conservação e reciclagem do que novos padrões de construções. O plano deve ser seguido, o Ministério Público deveria cobrar isso, em vez de olhar filigranas. A prioridade está dada neste documento crítico para a preparação de uma cidade com mais qualidade de vida: ocupar o Porto, melhorar e adensar a Zona Norte.

O terceiro aspecto é ético. A Rocinha expande-se horizontal e verticalmente. Não há mecanismos de controle e a omissão da Secretaria de Urbanismo é imoral. Tanto não tem política habitacional como dedica tempo, recursos humanos e financeiros para promover benefícios imobiliários apenas na parte rica do bairro. Centro abandonado, Porto sem zelo e bairros da Leopoldina degradados. Informalidade urbana cresce, favelização segue sendo o padrão urbano do Rio, com mutação para atividade criminosa, e só isso deveria ser a agenda urgente. Rever PEU de São Conrado e Joá não é emergencial nem relevante.

Quarto, a paisagem da cidade, um patrimônio da humanidade reconhecido pela Unesco em 2012, corre risco com estas medidas.

E por último, em quinto, até seria possível permitir que o uso de casas unifamiliares passasse a ser multifamiliar, reconfigurando-se internamente os imóveis, mas jamais aumentar taxas de ocupação do solo, reduzindo capacidade de absorção de chuvas, ou acrescer potencial de aproveitamento dos terrenos com mais construção, prejudicando cobertura vegetal, além de não trazer nenhum compromisso com a vulnerabilidade social de um dos bairros mais desiguais do Rio.

O que está em curso é um descalabro urbanístico. Para a cidade que abrigará o congresso da União Internacional dos Arquitetos em 2020, será uma vergonha. Os valorosos urbanistas da prefeitura precisam se posicionar contra isso, o MP deveria atuar mais nas causas das más políticas urbanas que nas consequências e os moradores e cariocas precisam lutar contra essa loucura, que nem é prioritária, nem melhora qualidade de vida, nem reduz desigualdades. Pelo contrário, pouquíssimos ganharão muito, morando bem, e muitos continuarão a viver e morar mal.

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