Um encontro urbano-carioca ao acaso

Era um pequeno grupo formado por apenas seis pessoas. O idioma, outro, ainda por adivinhar, dada a distância entre nós. Nada de extraordinário diante das vozes ouvidas diariamente nos bairros Ipanema e Leblon, em especial nos dias quentes ou com a temperatura amena, quando essa parte da Cidade do Rio de Janeiro tem se tornado a Babel do século XXI.
Se predomina o agradável espanhol dos “Hermanos”, corados, envoltos em cangas, à procura do inverno em terras cariocas – e das boas compras, hoje com “mucha plata” – há muito espaço para os demais: inglês, francês, italiano, alemão, e sons guturais, menos familiares, do leste europeu.
Caminhávamos na mesma direção, eles à minha frente, com passos lentos, enquanto admiravam o céu azul e limpo. Estávamos na Praça Almirante Saldanha da Gama, quase esquina da Avenida Epitácio Pessoa com a Rua Visconde de Pirajá. Para quem “não liga o nome à pessoa”, aquele é um dos topônimos oficiais no Jardim de Alah, batizado de Praça Grécia a partir dali em direção à Lagoa Rodrigo de Freitas. Praças, portanto, além de Jardim.
O sinal fechado interrompeu a caminhada e permitiu a aproximação natural. Ao invés de bermudas, biquínis, sandálias de borracha e cabelos desarrumados, usavam blazers, gravata, maquiagem impecável, sapatos confortáveis para caminhar. A poucos metros de distância distingui um wow! Falavam em inglês, sem dúvida. Corpos e cabeças giravam como para sorver a paisagem enquanto um blazer escuro apontava para o Corcovado – vejo o Redentor, que lindo! -, em seguida para o sul, quando a moça loura observadora sorriu até as orelhas e disse: two blocks from the beach, completados pelo homem de blazer dizendo and the Lagoon, o dedo indicador a mirar o norte.
Prosseguiram até o portão que já foi para acesso público, agora trancado e ladeado pela placa “Acesso restrito”. Olharam através das barras de ferro enquanto o blazer escuro e a mulher de cabelos curtos davam mais explicações – inaudíveis para este blog observador não intrusivo. O blazer claro de gravata colorida, riu. Parecia muito feliz, e à vontade, quase em êxtase. Posaram para uma foto em frente ao portão, destruição do que foi um jardim, ao fundo, possíveis sonhos com o business a caminho.

O grupo alegre em tese não pode ser responsabilizado pela destruição do Jardim de Alah e sua transformação para usos diversos de sua finalidade como espaço livre, paisagem única emoldurada pelas belezas do Rio destinada ao desfrute contemplativo e atividades a céu aberto. As canetas foram do Prefeito – que se diz defensor do meio ambiente – e de um desembargador – que se arvora de urbanista.
Curiosamente, a mesma colunista do Jornal O Globo que, como vários outros da mesma mídia, em agosto de 2024, teceu elogios ao que chamou de “integração no novo Jardim de Alah”, um equívoco de ponta a ponta, há dois dias escreveu o belo artigo “O que nos faz mais amar mais uma cidade” no qual coloca a capital inglesa em um pedestal – “O cosmopolitismo. A civilidade. Os parques. Os pubs. A segurança. O respeito aos pedestres. Amo Londres” – com especial devoção ao belíssimo parque Hampstead Heath, com três milhões de metros quadrados, destaca o verde urbano e seus mais de três mil parques. Carioca que é, tanto quanto sua colega das quintas-feiras, não nos ajuda a salvar míseros 95mil metros quadrados que, para os locais, significariam muito mais do que os incomparáveis parques ingleses.
Urbe CaRioca
Rio de Janeiro, 17 de julho de 2025
